O malandro carioca Leleco, da novela Avenida Brasil, pode ter sido seu maior sucesso comercial, mas o início da carreira começou com o teatro de fantoches. O futuro ator tinha pouco mais de dez anos de idade quando descobriu sua vocação para a dramaturgia. Aos 10 anos de idade, assistiu a peça 'My Fair Lady', com Bibi Ferreira e Paulo Autran, no teatro Carlos Gomes. Ele estava acompanhado da tia-avó e ficou tão deslumbrado com o espetáculo que disparou: “É aquilo que eu quero fazer”. Nem foi preciso frequentar curso. A avó lhe ensinou o ofício. Costureira, a mãe de dona Maria largava retalhos pela casa e o pequeno Marcos juntava os pedaços de pano no chão. Passou a confeccionar bonecos de fantoche e criar histórias para as clientes que encomendavam roupas para a avó. Dali pra frente, a arte virou companheira inseparável.
Início da carreira
Marcos Vianna Caruso nasceu em São Paulo, mas era o Rio de Janeiro, onde moravam os parentes maternos, o lugar predileto do filho do contador Alberto Caruso e da dona de casa Vera Maria Vianna Caruso, falecida no parto do ator. Em solo carioca, Marcos viu surgiu o interesse pelo teatro.
Aos 14 anos, Marcos Caruso retorna à terra natal. Órfão de mãe, foi para a casa de uma tia viúva que morava em frente a biblioteca infantil Monteiro Lobato, em São Paulo. O lugar tinha um grupo de teatro e rápido despertou a atenção do jovem de 14 anos: “Eu vi o anúncio:‘ Precisa-se de crianças para o grupo de teatro.’ Foi o meu primeiro palco. Um palco de 28 metros quadrados. '”Quando o diretor se ausentou, Caruso tomou as rédeas do grupo. Estava com 20 anos de idade e comandou os artistas amadores por uma década.
O sonho de fazer a Escola de Artes Dramáticas de São Paulo, curso oficial e universitário, foi adiado por causa de um pedido do pai: “ Vai ter diploma primeiro,” mandava seu Alberto. O filho obedeceu. Entrou para a Universidade de São Paulo e se formou em Direito. Mas o que pai e filho não contavam era com a atuação marcante de dois grupos de teatro em 1970, em plena ditadura militar: “ Ajudei a fundar os grupos União e Olho Vivo, que encenavam peças políticas. Fiz uma peça e no primeiro ano de faculdade, alguém me viu nesse grupo e me profissionalizei. Não tive tempo de fazer cursos porque o meu curso foi feito pela vida, pela experiência na biblioteca, no clássico, assistindo teatro, lendo tudo que eu podia, mas curso, nenhum. “
Estreia na televisão
Marcos Caruso estreou na televisão em 1978. Era casado com a atriz Jussara Freire e a novela se chamava 'Aritana', exibida na Rede Tupi. Interpretava um ajudante de bar, com pouquíssima participação. “ Eu era magrelo, comprido, um fiapo de gente, um metro e 92 de altura, imagina. Não tive convite nenhum. Fui porque era marido da Jussara”, ironiza o ator.
Depois da Tupi, teve uma rápida passagem pela TV Cultura e foi trabalhar como coautor de Geraldo Vietri, na TV Bandeirantes. Em 1983, escreveu 'Braço de Ferro', novela dirigida por Jayme Monjardim. Um ano depois, no SBT, fez o prefeito Otoniel, em 'Jerônimo'. Na Manchete, participou de 'Pantanal' e foi autor de 'A História de Ana Raio e Zé Trovão', em parceria com Rita Buzzar. “O argumento da novela me foi dado pelo Jayme [Monjardim]. Ele tinha uma ideia de quem era Ana Raio, de quem era Zé Trovão, de como eles se conheceram e de como terminariam a novela. Escrevi com a supervisão dele o tempo todo. Na Chapada dos Guimarães tinha um tipo de história, no Rio Grande do Sul tinha outro. Em Santa Catarina tinha outro, no Paraná tinha outro. A novela foi muito rica nesse sentido”. Ainda na extinta Manchete, Marcos Caruso fez um dos primeiros nus masculino da televisão brasileira.
Na Globo
Era o ano de 1998 e, mais uma vez, o teatro marca a trajetória de Marcos Caruso interpretava o marido de Regina Duarte na peça 'Honra', em São Paulo, quando foi descoberto por Manoel Carlos e Ricardo Waddington. O convite para ingressar na Globo partiu do autor. Um pequeno papel em 'Presença de Anita', que estrearia em 2001. “Eu me vi na tela da Globo. Uma cena no primeiro capítulo da minissérie, contracenando com José Mayer no núcleo da fazenda. Era leve, simples e foi um carinho do Manoel Carlos e do Ricardo Waddington em me colocar ali.“
Em 2002, o ator participou de 'Coração de Estudante', de João Emanuel Jacobina, que tinha acabado de fazer Malhação. Interpretou o advogado Raul e teve a chance de contracenar com grandes nomes da emissora. “Tive a oportunidade de trabalhar com gente maravilhosa. Contracenar com Cláudio Marzo era contracenar com um dos 'Irmãos Coragem', e com certeza eu tinha chegado lá. A gente tem uns momentos na vida que tem essas certezas. “A novela era dirigida para jovens e foi ambientada em uma república de estudantes de Minas Gerais. Ali surgiram os atores Cauã Reymond e Alinne Moraes.
Cômico e dramático
Trabalhar com Manoel Carlos é um privilégio para Marcos Caruso. Ele considera que as questões sociais tratadas nas novelas do autor ajudam a denunciar o desrespeito ao próximo. No caso de 'Mulheres Apaixonadas', de 2003, a discussão era sobre o direito dos idosos. E uma cena marcou o desenrolar da novela. “Era um personagem dramático. Eu era o pai daquela menina, a Regiane Alves, que maltratava os avós. E eu dava uma lição nela, com chicotadas e cintadas. Eu dei uma só vez e as pessoas falam até hoje”.
'Páginas da Vida', de 2006, foi a segunda novela de Manoel Carlos que teve a participação de Marcos Caruso. Ele interpretou Alex, um homem simples, marido da vilã Marta, interpretada por Lília Cabral, pai de Sérgio ( Max Fercondini) e da personagem de Fernanda Vasconcellos, a Nanda, que teve um casal de gêmeos. Um deles, uma menina, com síndrome de down.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc novela - Páginas da Vida (2006)
'Páginas da Vida' (2006) - cena em que Olívia (Ana Paula Arósio) apresenta Léo (Thiago Rodrigues) a Alex (Marcos Caruso) e os dois acabam discutindo pela guarda de Francisco (Gabriel Kaufman).
Caruso lembra de um episódio que fez Lilia Cabral parar no hospital. Era uma cena de briga entre Alex e Marta, que rejeitava a neta. “Eu quase matei a Lilia né, porque teve uma cena em eu fazia ela engolir um cheque, ela pegava uma faca, tentava me matar, eu arrancava da mão dela, jogava ela no sofá… e eu tinha que empurrar com ódio, só que ela tropeçou no tapete e o queixo foi no mármore da mesa e ela tem até hoje um problema no dente”.
'Desejo Proibido', novela mais leve de Walther Negrão, foi exibida em 2007 e depois do papel dramático em 'Páginas da Vida', Caruso voltou a interpretar um personagem cômico: um padre mineiro. Era uma novela de época passada em 1930. Marcos Caruso comenta que, fazendo um padre, não teria que trocar de roupa muitas vezes para entrar em cena. “Isso te desconcentra por um lado. E a figurinista Marília Carneiro, maravilhosa, falou assim: ‘Olha, você só tem três batinas. Uma é para festa, uma é para missa e outra é para visitar as pessoas’. Usei a mesma batina a novela inteira. E ela falava: ‘Mas você não está usando aquela!’. Eu respondia: ‘Mas é tudo preto, pelo amor de Deus’”.
A novela 'Cordel Encantado', de Thelma Guedes e Duca Rachid, é tudo o que um ator quer fazer, acredita Marcos Caruso. “Fazer uma novela onde você brinca com a fábula, onde nada é verdade e tudo quer ser muito verdadeiro”. Caruso faz uma deferência ao figurino de Marie Salles. As roupas do elenco de Brogodó foram feitas a mão. A equipe optou por tons claros e materiais naturais, como a juta, além de aplicações em madeira, sementes, palha e coco.
Na novela dirigida por Amora Mautner, o ator interpretou Patácio Peixoto, prefeito de Brogodó, cidade fictícia para onde iam todos os reis de Serávia, e casado com dona Ternurinha ( Zezé Polessa). “Era uma coisa totalmente louca, uma cidade de cangaceiros”. Uma das boas recordações do ator era a liberdade, dada pelas autoras e pela diretora, para que ele mexesse no texto. Botar o famoso “caco”. “Eu adoro mexer no texto dos outros. Botei uma vez o seguinte caco na novela: ‘Se tu quer ser político meu filho, realmente, evidentemente, geralmente, tudo que mente é bom…’”
Grande Leleco
Leleco foi o personagem mais marcante da carreira de Marcos Caruso. “Eu estava fazendo 'Cordel Encantado', vestido de Patácio Peixoto, o Ricardo Waddington entra no estúdio e fala assim: ‘Vem cá, vem cá… tira essa roupa e bota essa camiseta.’ “Eu falei”: ‘O que eu vou fazer? ‘ “Ele respondeu”: Decora esse texto rapidinho aqui’. Eu peguei, decorei, era uma cena que eu tinha que fazer com uma menina chamada Tessália, o personagem que entrava no armário, porque o marido chegava e tal”.
Dois dias depois do fim de 'Cordel Encantado', Marcos Caruso foi chamado para fazer Avenida Brasil. “Tive vontade de chorar porque desde 'A Favorita' eu alucinadamente amo o João Emanuel Carneiro”.
Na trama, Leleco é pai de Tufão, interpretado por Murilo Benício. O personagem é malandro, carioca, usa colar dourado, óculos na testa e camiseta regata. O personagem também é mulherengo, joga sinuca, não quer saber da vida. Ao Memória Globo, Caruso lembra: “Está sempre de bermuda, chinelão… Eu achava que era um erro de escalação. Mas falei: ‘não sei como vou fazer, mas vou fazer'”.
Fez e caiu no gosto popular. Marcos Caruso diz que passou a ser chamado de Leleco nas ruas porque o simpático personagem elevou a autoestima das pessoas com mais de 60 anos. Além disso, o ator não se cansa de elogiar a “pegada” da trama . “Consciente ou inconscientemente, o João Emanuel mostrou o suburbano sem filtro, o suburbano era protagonista na televisão brasileira”. A ator resume em uma frase o sucesso da novela: “O sucesso é sempre decorrente da união de qualidades”.
'Avenida Brasil': Tessália (Débora Nascimento) flagra Leleco (Marcos Caruso) e Muricy (Eliane Giardini)
Bon Vivant
A Regra do Jogo, de 2015, foi o segundo trabalho com o João Emanuel Carneiro, o quarto com Amora Mautner e uma expectativa inacreditável. Marcos Caruso interpretou o personagem Feliciano, que tinha uma família, era falido e morava em uma cobertura caindo aos pedaços. O ator não fazia parte do núcleo principal da novela, mas ressalta: “Um diretor e um autor precisam de você ali, porque ali está faltando um recheio mais consistente e ele precisa do teu talento para isso. Aí é você entender a televisão e a telenovela em particular como um todo e você não entendê-la como o seu umbigo”. Para Caruso, saber ser coadjuvante consiste a magia da dramaturgia.
Em 2017, viveu Pedrinho Guimarães em 'Pega Pega', trama assinada por Cláudia Souto. No ano seguinte, fez uma participação como ele mesmo em 'Espelho da Vida', de Elizabeth Jhin. Participou também do remake de Éramos Seis (2020). Em 'Quanto mais Vida, Melhor!' (2021), novela de Mauro Wilson, foi Osvaldo. Retornou ao horário nobre em 'Travessia' (2022), de Gloria Perez, com o personagem Dante.
Seu Peru
Marcos Caruso teve que “rebolar” para fazer o personagem Seu Peru no remake da 'Escolinha do Professor Raimundo'. O convite partiu do diretor de núcleo, Ricardo Waddington. Ele queria fazer uma homenagem a Chico Anysio com seis programas no canal Viva. Não havia ensaio nem diálogos entre os atores. A dinâmica permaneceu a mesma. Os alunos tinham que responder as perguntas feitas pelo professor Raimundo, na nova versão interpretado por Bruno Mazzeo, filho de Chico Anysio. “ Que elenco foi esse que o Ricardo conseguiu reunir. As pessoas estão parecidas fisicamente com os homenageados, tem a alma desses personagens dentro deles.”
Assim que entrou no ar, o Marcos Caruso foi procurado por Orlando Drummond, que interpretou o personagem gay na versão original do programa de Chico Anysio. Uma emoção para os dois atores. “Ele me disse: ‘Agora eu posso ir embora porque tenho um substituto'”.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Depoimento de Marcos Caruso: 'Escolinha do Professor Raimundo' (2016)