Por Memória Globo

Globo

Lúcio Rodrigues estudou Engenharia até o último ano do curso, mas decidiu trocar os números pelos frames. O novo olhar foi despertado pelo cinema. Deslumbrado com o que via na tela, acreditou que poderia chegar perto do que gostava e, ao mesmo tempo, ganhar dinheiro. Mas, antes disso, entrou para o rádio, onde trabalhou como operador de som, em 1981. Um ano depois, foi para a RBS, rede de afiliadas da Globo no sul do país. Passou a acompanhar o trabalho do diretor de TV e percebeu que o sonho era se tornar um profissional da imagem. Com mais de 30 anos de carreira, o gaúcho de Passo Fundo sabe que escolheu o caminho certo.

“Em uma tragédia, todo mundo se envolve muito, mesmo sendo profissional, vendo de uma maneira mais fria, através do visor da câmera ou do olhar do repórter.”

Lúcio Rodrigues no meio de um dia de trabalho em Nova York — Foto: Acervo Pessoal

Filho do comerciante e agricultor, Manuel João Rodrigues Muller, e da dona de casa, Eremita Dias Rodrigues, José Lúcio Rodrigues nasceu no dia 10 de março de 1963. Como em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, não tinha faculdade de Jornalismo, escolheu os cálculos da Engenharia. Bem que tentou exercer a profissão, mas outro desejo o empurrou para um caminho diverso. Em pouco tempo conseguiu um emprego na RBS, e as imagens de futuros colegas como Toninho Marins (Rio de Janeiro) e Eduardo Riecken (Pernambuco) o encantaram. “Aquelas matérias bem-feitas me enchiam os olhos. Comecei a sair com a equipe local fora do meu horário.”

Nesse período, um curso para novos cinegrafistas oferecido pela Globo, na vizinha cidade de Santa Maria, consolidou um pensamento: “Fui fazer esse curso com o José Andrade e me apaixonei de cara. Aquilo seria a minha profissão. Me destaquei e fui trabalhar como cinegrafista da RBS em Passo Fundo, em 1982”.

A primeira matéria de destaque de Lúcio Rodrigues na RBS terminou de forma inusitada, mas lhe rendeu um inesperado destaque: “Chegada de Papai Noel, clima de festa. Eu recém-saído do curso, cheio de técnicas novas. O Papai Noel descendo de paraquedas, e eu filmando. Na hora da descida, bateu um vento forte, e o coitado se espatifou no chão. Acabou no hospital todo machucado. O 'Fantástico' exibiu a matéria com o meu crédito. Aquilo me deu um destaque logo no início da carreira”.

Depois de um estágio de 20 dias na Globo de São Paulo, onde saiu com repórteres como Carlos Nascimento e Carlos Tramontina, Lúcio foi trabalhar na RBS de Porto Alegre: “Ir para Porto Alegre foi uma decisão muito forte na minha vida. Tive que abandonar o curso de Engenharia no último ano. Meus pais me apoiaram, mas ficaram apreensivos”. O repórter cinematográfico ficou pouco mais de um ano na capital gaúcha fazendo matérias para o 'Jornal Hoje' e o 'Jornal Nacional'.  Em 1987, o convite para vir para a Globo do Rio foi recebido com entusiasmo. Começou fazendo matérias locais e outras eventuais para os telejornais de rede. A rotina incluía plantões de madrugada: “Esse horário te dá uma bagagem muito grande, você tem que fazer tudo, apurar, atender telefone, o cinegrafista muitas vezes saía sozinho”.

IMAGENS HISTÓRICAS

Em um de seus plantões na madrugada, o faro jornalístico levou Lúcio a fazer imagens históricas. O chefe do tráfico de drogas havia sido morto na Rocinha, comunidade na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Com a informação de um taxista, consegui entrar em um terreno de uma empresa de ônibus, filmar traficantes armados enfileirados fazendo uma homenagem ao morto”. Entre eles, estava um menino de 12 anos, conhecido como “Brasileirinho”. O impacto das imagens exibidas no 'Fantástico', mostrando o poderio do tráfico, foi avassalador. “Até um ministro em Brasília se declarou indignado.”

Coberturas de alto risco sempre foram uma constante no dia a dia de Lúcio Rodrigues no final da década de 1980. As reportagens sobre as greves na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, feitas com repórteres como Ari Peixoto e Angela Lindenberg eram cercadas de tensão. 

O naufrágio do barco Bateau Mouche no réveillon de 1988, em que morreram 55 pessoas, é um dos momentos difíceis na vida do repórter cinematográfico. O que seria uma reportagem festiva sobre a virada do ano acabou se transformando em uma cobertura dramática e emocionante.

Estava cobrindo os fogos de Copacabana com o Renato Machado e, de repente, tudo mudou. Uma cena me marcou especialmente, sete pessoas da mesma família sendo resgatadas com vida. E conseguimos também fazer as primeiras imagens do barco no fundo do mar

No início dos anos 1990, época do segundo governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, coberturas nas favelas cariocas faziam parte da rotina de Lúcio Rodrigues, que, muitas vezes, teve que fugir dos tiros trocados entre policiais e traficantes. A onda de sequestros naquela época rendeu longas reportagens nos telejornais da Globo.

Em 1990, a prisão dos sequestradores do empresário Roberto Medina, uma reportagem de Marcelo Rezende e Lúcio Rodrigues, bateu recordes de audiência no 'Jornal Nacional': “Fomos para o Paraguai junto com a polícia, que tinha prendido um sujeito que iria entregar passaportes falsos aos sequestradores. Acompanhamos a prisão de cada um deles, inclusive do chefe, conhecido como ‘Professor’”.

Com a repórter Sônia Bridi, fez a cobertura da chacina em Vigário Geral, em 1993. Lúcio conseguiu gravar, de cima de um muro, uma imagem que dava a dimensão daquela tragédia: a dos caixões enfileirados em frente à entrada da favela. O registro correu o mundo.

Reportagens de Sônia Bridi e Domingos Meirelles, além de imagens de Lúcio Rodrigues, entre outros cinegrafistas, sobre a chacina em Vigário Geral, ocorrida em 1993

Reportagens de Sônia Bridi e Domingos Meirelles, além de imagens de Lúcio Rodrigues, entre outros cinegrafistas, sobre a chacina em Vigário Geral, ocorrida em 1993

Em 1996, junto com o repórter Caco Barcellos, Lúcio Rodrigues ficou quatro meses dedicado a uma reportagem especial sobre os 15 anos do atentado no Riocentro, que aconteceu em abril de 1981. Foi feito um levantamento minucioso reconstituindo o episódio nos mínimos detalhes. O especial ganhou o prêmio Vladimir Herzog: “Tivemos muita dificuldade em ter acesso aos dois militares envolvidos no atentado. Um deles era o capitão que estava no carro que explodiu. Desde então, nunca tinha sido registrada uma imagem dele. Conseguimos achá-lo chegando em casa de carro em Brasília. Foi a imagem que fechou o programa”.

Primeiro bloco do programa sobre os 15 anos do atentado no Riocentro, com reportagem de Caco Barcellos, Globo Repórter, 15/03/1996.

Primeiro bloco do programa sobre os 15 anos do atentado no Riocentro, com reportagem de Caco Barcellos, Globo Repórter, 15/03/1996.

Com Glória Maria, em 2007, fez a primeira matéria exibida em HD na Globo sobre uma tribo indígena do Alto Xingu. A reportagem foi exibida no Fantástico, logo após o então presidente Lula inaugurar as transmissões no formato.

EXCLUSIVO

Em uma reportagem feita com Ilze Scamparini, em 1998, Lúcio flagrou um policial matando um bandido em uma moto, em Ipanema, bairro nobre do Rio de Janeiro. A equipe ia fazer uma entrevista para o 'Globo Repórter': “Parecia uma execução. Fiquei preocupado e na hora pensei que seria mais um cinegrafista a viver escondido porque gravou uma execução. Nas minhas imagens dava para ver a arma caindo das mãos do assaltante. O que parecia uma execução, era um ato de defesa do policial. Fui até condecorado pela PM.”

Em 1998, com o repórter Fernando Molica, gravou uma entrevista exclusiva com um dos líderes das Farc, a organização paramilitar responsável pela guerrilha na Colômbia. Foram intensas negociações que tiveram como intermediário um padre colombiano, que já tinha morado no Brasil.

“Entrevistamos o comandante Joaquim, o segundo da hierarquia do comando das Farc. Ele autorizou a gente a gravar dois minutos de imagens do acampamento dos guerrilheiros.”

MUNDO AFORA

Com Zeca Camargo, Lúcio percorreu os cinco continentes, em 2008, em uma série para o 'Fantástico' sobre os monumentos históricos da humanidade. Foram 45 dias de viagem. Ele se lembra especialmente das gravações na República do Mali, país africano: “Um lugar de extrema pobreza, mas superimpactante em termos de imagem”. Lúcio Rodrigues se recorda também do período em que ficou no 'Globo Mar', em 2010. “Era uma equipe afinada, e a gente se envolvia de uma maneira muito intensa. Se gravava muito e com duas equipes, o que no jornalismo é uma coisa difícil de acontecer.”

NOVA YORK

Em 2004, Lúcio Rodrigues foi trabalhar na sucursal da Globo em Nova York. Cobriu as eleições presidenciais americanas do mesmo ano. Registrou entrevista com o candidato democrata John Kerry: “Ele não tinha falado com ninguém da imprensa no último comício da campanha dele. Estávamos eu e o William Waack atrás do palanque, e ele concordou em falar com a gente. Mandou até um alô para o Brasil”.

Os estragos causados pelo furacão Katrina na cidade de New Orleans, em 2005, renderam emocionantes reportagens ao lado do repórter Luís Fernando Silva Pinto. Com a habilidade e a experiência do correspondente, eles conseguiram ultrapassar as várias barreiras policiais para chegar à cidade arrasada: “Quando chegamos lá, nós entendemos o porquê de eles impedirem o acesso. Não parecia os Estados Unidos. Era um lugar sem infraestrutura, parecia um campo de refugiados”. Lúcio lembra a satisfação de terem ajudado uma mulher a resgatar toda a família de uma área isolada: “Só aquilo valeu o período que eu fiquei nos Estados Unidos”.

OBAMA

De volta ao Brasil, ele destaca a cobertura que fez da visita do então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Rio de Janeiro, em 2011. Lúcio ficou impressionado com o aparato de segurança envolvendo o chefe de estado norte-americano. 

“Teve um evento no Theatro Municipal do Rio. Três cinegrafistas da Globo foram escalados. Eu fui designado para ficar no palco. Vasculharam a minha vida toda. Na entrada, revista completa. Eu ia ficar a três metros do Obama. Um dos seguranças disse: ‘Não faça nenhum movimento brusco, seja sempre cuidadoso com os seus movimentos’. E ainda ficou um outro segurança me olhando o tempo todo fixamente”.

Lúcio ressalta ainda o privilégio de trabalhar no 'Globo Repórter' ao lado de grandes profissionais, como Caco Barcellos, Francisco José, Glória Maria e Ernesto Paglia: “No Globo Repórter, você tem a oportunidade de ir a lugares que não iria como turista e de entrar na vida de pessoas que jamais conheceria”.

DE VOLTA A NY

Em 2013, o cinegrafista teve uma segunda passagem pelo escritório de Nova York onde participou de coberturas marcantes como o atentado na maratona de Boston: “Fomos de carro para Boston, eu e o Alan Severiano. A confusão na cidade era muito grande, com todos os acessos bloqueados. Não conseguimos chegar a tempo na cidade para entrar no 'Jornal Nacional'. Só entramos no 'Jornal da Globo'”.

Atentado em Boston (2013)

Atentado em Boston (2013)

Ainda em 2013, em maio, Lúcio Rodrigues e Alan Severiano acompanharam o caso do homem que manteve três mulheres em cativeiro por 10 anos, em Cleveland. A polícia americana indiciou Ariel Castro por sequestro e estupro. Os enviados especiais acompanharam o retorno das vítimas à casa de suas famílias.  

Em julho de 2015, o 'Jornal Nacional' levou ao ar uma série de reportagens sobre uma tendência mundial: a economia compartilhada, um jeito novo de oferecer produtos e serviços. Hélter Duarte e Lúcio Rodrigues mostraram como é possível ganhar dinheiro dividindo roupas, carros e até um apartamento.

O repórter-cinematográfico registrou a primeira visita do Papa Francisco a Cuba, em setembro de 2015. Acompanhado do correspondente Luís Fernando Silva Pinto, cobriu também a primeira canonização de um santo nos Estados Unidos, quando o Papa se encontrou com o então presidente Barack Obama.

Lúcio Rodrigues trabalhou na cobertura da eleição presidencial americana de 2016, em que o republicano Donald Trump venceu, em novembro, a candidata democrata Hillary Clinton. Um mês antes, acompanhado do repórter Alan Severiano e do produtor Felippe Coaglio, Lúcio cruzou o país a bordo de um trem para a série Eleições Americanas, do 'Jornal Hoje'. Foram mais de cinco mil quilômetros em uma semana, passando por 59 cidades americanas, além da capital Washington, para traçar um raio-x do que os americanos esperavam da eleição presidencial de 2016.

Em setembro de 2017, o repórter cinematográfico acompanhou o correspondente Pedro Bassan à Coreia do Sul. Como enviados especiais, a dupla cobriu o clima de tensão com a Coreia do Norte, detentora de armas nucleares. Apesar das viagens pelo mundo, uma coisa não mudou: Lúcio sempre tenta ser o olhar do espectador.

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Em 2018, Lúcio voltou ao Brasil. Atualmente trabalha no 'Globo Repórter' e no 'Fantástico' e em outros projetos, como a série do 'Jornal Nacional' 'Brasil em Constituição', que abordava os avanços obtidos com a promulgação da Constituição de 1988.

Fonte

Depoimento concedido ao Memória Globo por Lúcio Rodrigues em 17/11/2014.
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