Filha do bancário Almir Alves da Silva e da psicóloga Edy Pinheiro Alves, a primeira vontade da futura atriz era seguir a carreira da mãe: dirigir uma escola para crianças com síndrome de Down numa época em que portadores de necessidades especiais não eram admitidos em colégios regulares. Anos mais tarde, nas gravações do seriado 'Mulher', da Globo, Lucia Alves da Silva viria a encontrar um ex-aluno da escola, que lhe disse ter sido alfabetizado por sua mãe. Com a psicologia em mente, cursou o que seria hoje o ensino médio no Instituto Lafayette, no Rio de Janeiro, cidade onde nasceu. “Carioca da gema”, como diz, acabaria mais tarde se formando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mas não em psicologia. “Eu sou fonoaudióloga, olha só”! conta. A troca de uma carreira pela outra foi, de certa maneira, circunstancial: a Uerj abriu vagas, no meio do ano, para o curso de fonoaudiologia, e Lucia resolveu não esperar pelo ano seguinte.
A preparação para a carreira artística havia começado antes, em cursos oferecidos por nomes importantes da história do teatro brasileiro, como Ziembinski e Dulcina de Moraes. Lucia conta que Dulcina lhe ensinava truques de comédia: “Eu me lembro até hoje, era maravilhoso”.
A estreia de Lucia Alves nos palcos se deu no teatro do Copacabana Palace, e ela ainda se recorda de quando as cortinas se abriam para o começo do espetáculo: “Era uma cortina pesada, só tinha lá mesmo. Que delícia”! Nesse início de carreira, Lucia contracenou com atrizes consagradas, como Henriette Morineau. Severa, madame Morineau, como era conhecida, exigia a chegada aos ensaios com duas horas de antecedência, mas também podia ser carinhosa, e chamava de “neta” a colega iniciante.
Depois de tantos anos, o balanço que Lucia faz de sua história no teatro é bastante positivo: “Eu não fiz nenhuma peça que não tivesse ido bem”. Algumas ficaram mais marcadas em sua memória, como 'A Partilha', escrita em 1990 por Miguel Falabella – e também dirigida por ele. A atriz não integrou o elenco original, mas participou de uma das montagens do texto, que considera “brilhante”. No teatro, atuou ainda em 'Família… Até Certo Ponto', 'Deus Lhe Pague', 'Toda Donzela Tem um Pai que É uma Fera', 'Sinal de Vida,' Uma Mulher em Três Atos' e 'Quem Programa Ação, Computa Confusão', entre outras peças.
Os primeiros anos na TV
Lucia Alves estreou na televisão em 'Enquanto Houver Estrelas', novela escrita e dirigida por Mário Brasini e exibida pela extinta TV Tupi em 1969. Em novembro do mesmo ano, teve início sua carreira na Globo, como a Geralda de 'Verão Vermelho', de Dias Gomes. No ano seguinte, a atriz interpretou um dos personagens mais marcantes de sua carreira, a índia Potira, na primeira versão de 'Irmãos Coragem'. O diretor Daniel Filho, a quem considera um “mestre”, disse que havia um papel muito interessante na trama e sugeriu a Lucia que conversasse com a autora. “Eu era muito tímida, mas falei com a Janete Clair, pedi a ela”, recorda a atriz.
Irmãos Coragem - 1ª versão: Jerônimo e Lídia
Outra lembrança que Lucia tem de 'Irmãos Coragem' diz respeito ao nome do personagem de Cláudio Cavalcanti, com quem fazia par romântico:
Irmãos Coragem - 1ª versão: Morte de Jerônimo e Potira
Depois de 'Irmãos Coragem', Lucia Alves fez 'O Homem que Deve Morrer' (1971), também escrita por Janete Clair e dirigida por Daniel Filho. Em 1972, atuou em 'Bicho do Mato', que tinha autoria de Chico de Assis e Renato Correia de Castro. Lucia contracenava com Débora Duarte, e lembra que elas se divertiam muito juntas. Com seus improvisos, as duas arrancavam risadas de quem se encontrava no estúdio. “O teu primeiro público é o pessoal que está ali atrás”, afirma, referindo-se à equipe técnica, cujas reações, segundo ela, podem servir de termômetro para o trabalho do ator.
Ainda na primeira metade da década de 1970, Lucia participou de 'Carinhoso' (1973), trama de Lauro César Muniz. Em 1975, outra novela: 'Helena', baseada no romance homônimo de Machado de Assis. A adaptação para a TV era de Gilberto Braga. Lucia assumiu o personagem pouco antes do início das gravações, a pedido do diretor Herval Rossano. Apesar do convite de última hora, não titubeou:
Helena: Estácio e Helena se beijam
'Senhora': a primeira novela das seis em cores
Lucia emendava um trabalho no outro e, ainda em 1975, fez a primeira novela das seis em cores, 'Senhora', também escrita por Gilberto Braga e dirigida por Herval Rossano. Depois, veio 'O Feijão e o Sonho' (1976), de Benedito Ruy Barbosa. Em seguida, a atriz estava escalada para 'Despedida de Casado', de Walter George Durst, mas a trama foi censurada antes de ir ao ar e teve seu elenco – Lucia, inclusive – reaproveitado em 'Nina', do mesmo autor. A novela, dirigida por Walter Avancini e Fabio Sabag, foi exibida na virada de 1977 para 1978. Alguns meses depois, a atriz estreava 'Pecado Rasgado', de Silvio de Abreu.
Nessa época, o enquadramento em plano americano vinha ganhando força e os atores não podiam mexer demais as mãos, para não “sujar” a imagem. Lucia lembra que o diretor de 'Pecado Rasgado', Régis Cardoso, fazia então o seguinte: colocava uma cadeira em cena e pedia à atriz que a ficasse segurando, como recurso para evitar movimentos desnecessários das mãos. “Na Globo, você aprende mesmo com as pessoas que te dirigem”, diz ela, e cita alguns nomes importantes em sua trajetória, como Daniel Filho, Marcos Paulo, Luís Henrique Rios e Marcelo Travesso, entre outros.
Anos 1980
A atriz começou a década de 1980 com dois personagens que marcaram sua carreira: Veroca, de 'Plumas e Paetês' (1980), trama de Cassiano Gabus Mendes e Silvio de Abreu; e Clarita Catita, de 'Jogo da Vida' (1981), novela escrita por Silvio de Abreu. Lucia ressalta a qualidade dos textos de Silvio de Abreu e Cassiano Gabus Mendes, que, para ela, vinham prontos, e os atores só precisavam “se encaixar”.
Jogo da Vida: Etevaldo e Clarita
Em 1983, Lucia Alves atuou em 'Eu Prometo', última novela de Janete Clair, que morreu sem concluir a trama. “Foi um grande impacto, porque ela era amada, muito respeitada”, lembra a atriz. Gloria Perez, então colaboradora de Janete Clair, assumiu a novela.
O trabalho seguinte de Lucia foi a primeira versão de 'Ti-Ti-Ti' (1985), outra vez um texto de Cassiano Gabus Mendes, agora com direção de Wolf Maya. Dois meses depois de terminada a novela, em 1986, a atriz estava no ar novamente, em 'Anos Dourados', minissérie escrita por Gilberto Braga e dirigida por Roberto Talma. A história se passava nos anos 1950 e Lucia interpretava Vitória, amante de Carneiro, um chefe de família conservador vivido por Cláudio Corrêa e Castro.
Entre a Globo e a Manchete
Em 1989, Lucia Alves se transferiu para a extinta Rede Manchete, onde atuou em 'Kananga do Japão', novela de Wilson Aguiar Filho. Em 1990, retornou à Globo para fazer 'Barriga de Aluguel', na qual interpretava Moema, que vivia às turras com o ex-marido, Paulo César, personagem de Wolf Maya. Lucia lembra que, com o intuito de fornecer material para a trama, deixava mensagens na secretária eletrônica da autora, Gloria Perez, contando das brigas que tinha com o ex-marido na vida real. “E ela adaptava, botava lá do jeito dela”, diz.
Nos anos seguintes, a atriz se dividiu entre produções da Globo e da Manchete. Voltou a fixar-se na Globo a partir de 1994, quando atuou em 'Tropicaliente', novela de Walther Negrão com direção-geral de Gonzaga Blota.
Seriados
Lucia Alves encerrou a década de 1990 com 'Mulher' (1998-99), seriado escrito por Álvaro Ramos, Euclydes Marinho e Doc Comparato. A história retratava o dia a dia de uma clínica especializada no atendimento a mulheres, e Lucia interpretava a enfermeira Telma, um personagem inicialmente pequeno que foi crescendo ao longo da trama.
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Nos anos 2000, ela fez participações em outros seriados, como 'Carga Pesada', 'A Diarista', 'Toma Lá, Dá Cá', 'A Grande Família' e 'Sob Nova Direção'.
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Em 2010, trabalhou em 'Uma Rosa com Amor', de Tiago Santiago, uma adaptação da telenovela homônima de Vicente Sesso para o SBT. Em 2013, atuou em 'Joia Rara' , na TV Globo, interpretando a personagem Nair. Em 2015 e 2016, a atriz integrou o elenco de um seriado de humor na TV Brasil, 'República do Peru', com roteiro de Marcia Zanelatto e direção de Carolina Paiva.
Currículo extenso
Lucia Alves atuou em quase todos os tipos de produção para TV. Além das muitas novelas, minisséries e seriados, a atriz participou de especiais de fim de ano de Xuxa e Renato Aragão, de humorísticos como os de Chico Anysio, do 'Você Decide', primeiro programa interativo da televisão brasileira, e de 'Malhação', entre outros trabalhos. É, conforme ela mesma diz, uma “vastíssima história”.
Embora tenha uma carreira mais extensa no teatro e na televisão, foi no cinema que Lucia fez seu primeiro trabalho como atriz, em 'Um Ramo para Luísa', produção de 1965 dirigida por J. B. Tanko. Quase 40 anos depois, em 2004, dirigida por Sérgio Goldenberg, ela ganharia o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de Cinema de Brasília, por sua atuação em 'Bendito Fruto'.
Video Show: Lúcia Alves relembra personagens marcantes da carreira
FONTE
Depoimento de Lucia Alves ao Memória Globo em 21/12/2015. |