Personagens tão díspares, como a batalhadora Griselda, de 'Fina Estampa' (2011), a mãe desnaturada Marta, de 'Páginas da Vida' (2006), e a submissa Catarina, de 'A Favorita' (2008), ganham incrível humanidade graças à versatilidade e ao talento de Lilia Cabral. Seus expressivos olhos azuis transmitem tanta verdade que fizeram o público acreditar que a atriz, paulistana do bairro da Lapa, era gaúcha, por conta de sua atuação em 'Pedra Sobre Pedra' (1992), como a prostituta Alva. Filha de um imigrante italiano e uma portuguesa dos Açores, Lilia Cabral Bertolli nasceu em São Paulo, no dia 13 de julho de 1957. Seus pais não viam com bons olhos sua inclinação artística e, ao entrar para a faculdade de Belas Artes, com 17 anos, prometeu aos dois que iria cursar Jornalismo em seguida. Quebrou a promessa e foi estudar escondida na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo. Só com 21 anos, maior de idade e formada, pôde lhes dizer com todas as letras: “Eu sou atriz.”
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Depoimento de Lilia Cabral: Escolha profissional
Mal se formou, teve o seu primeiro contato com o grande público na peça 'Seda Pura e Alfinetadas', escrita especialmente por Leilah Assumpção para o costureiro e apresentador de TV Clodovil Hernandes. “Eu estava saindo da Escola de Arte Dramática e o [diretor e seu professor] Odlavas Petti queria que eu fizesse uma participação nessa peça, então, inventou um personagem para eu fazer. Foi meu grande impulso, porque a peça tinha 700 lugares, todo dia enchia, eu fui ficando conhecida”, conta. Enquanto fazia o espetáculo, passou em um teste na Bandeirantes e conquistou um papel na novela 'Os Imigrantes' (1981), de Benedito Ruy Barbosa. Era sua estreia na televisão, aos 23 anos. Seu colega de escola e de elenco Paulo Betti a convidou para atuar em 'Feliz Ano Velho', de Marcelo Rubens Paiva. “Eu vim para o Rio de Janeiro com a peça, e o Dennis Carvalho, o Paulo Ubiratan e o Gilberto Braga me viram no teatro e me convidaram para fazer um papel na Rede Globo.” Seu primeiro trabalho na emissora foi em 'Corpo a Corpo', de 1984: “Eu me lembro direitinho: passei pelo corredor e dei de cara com a Glória Menezes. E não era só ela, havia um elenco estelar”.
Em seguida, vieram De 'Quina pra Lua' (1985), de Alcides Nogueira, e 'Hipertensão' (1986), de Ivani Ribeiro, que lhe rendeu um contrato longo com a emissora. O primeiro grande papel foi Aldeíde Candeias, personagem carismática e divertida em 'Vale Tudo' (1988), de Gilberto Braga, quando pôde se esbaldar exercitando sua veia cômica. “Para minha carreira foi tudo, realmente foi um grande impulso. Todas as pessoas se identificavam com aquela mulher, porque falava o que pensava”, diz.
Depois encarnou Amorzinho, uma beata sempre vestida com roupas escuras, na novela 'Tieta' (1989), de Aguinaldo Silva, baseada no romance de Jorge Amado. Em seguida, fez 'O Portador' (1991), primeira minissérie a tratar da Aids: “Foi interessante, porque o personagem era uma mulher preconceituosa, e o texto era muito duro no preconceito”, conta. Pouco tempo depois, em 1992, voltou a trabalhar com Aguinaldo – autor que escreveu alguns de seus personagens mais marcantes –, em 'Pedra Sobre Pedra'.
Em seguida, fez 'Pátria Minha' (1994), mais uma novela de Gilberto Braga, e o seu primeiro trabalho com Manoel Carlos, 'História de Amor' (1995). A amargurada e vingativa Sheila Bueno serviu de preparação para um grande sucesso na carreira da atriz: a Marta, de 'Páginas da Vida' (2006), também de Manoel Carlos. Antes, porém, atuou em outra novela do autor, 'Laços de Família' (2000). Nela, sua personagem, Ingrid, tem uma morte violenta, em uma cena que fez alusão à tragédia do ônibus 174 que aconteceu no Rio de Janeiro em junho de 2000. Já em 'Chocolate com Pimenta' (2003), de Walcyr Carrasco, a comédia voltou a dar o tom: a atriz teve de ficar careca porque Bárbara, sua personagem, havia fugido com um circo que pegou fogo – e só o seu cabelo queimou. “Nossa Senhora! Aquilo era a morte para mim, mas eu resisti bravamente até o fim”, conta.
Ao mesmo tempo em que acumulava sucessos na TV, a atriz continuava a fazer teatro, encenando peças como 'Miss Banana'; 'Delicadas Torturas'; 'Solteira, Casada, Viúva, Divorciada'; e 'Divã'. Manoel Carlos foi assistir à última e lhe ofereceu um papel em 'Páginas da Vida'. Ela aceitou, mas fez uma ressalva: “Só não quero ser boazinha”. Nascia, então, Marta, personagem odiada em todo o país, capaz de renegar a própria filha e se desfazer de uma neta com Síndrome de Down, tratando a doença de forma preconceituosa, entre outras crueldades. “Todo dia, praticamente, eu entrava no estúdio para fazer uma cena melhor do que a outra”, recorda-se a atriz. O papel lhe rendeu uma indicação ao Emmy Internacional e lhe deu o prêmio de Melhor Atriz de Televisão da Associação Paulista de Críticos de Arte. A atriz trabalhou ainda em outra novela do autor, 'Viver a Vida' (2009).
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a novela 'Tieta' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Entrevista exclusiva da atriz Lilia Cabral ao Memória Globo sobre a sua personagem na novela 'História de Amor' (1995).
Webdoc sobre a novela 'Páginas da Vida' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Outros dois trabalhos marcantes na trajetória da atriz na TV foram as novelas 'Fina Estampa' (2011) e 'Império' (2014), ambas de Aguinaldo Silva. Na primeira, Lilia e Christiane Torloni protagonizaram a trama, vivendo personagens opostas: a faz-tudo Griselda e a socialite Tereza Cristina, respectivamente. Já em 'Império', interpretou a polêmica Maria Marta, uma aristocrata falida casada com o comendador José Alfredo (Alexandre Nero). Dois anos depois foi a cafetina Virgínia em 'Liberdade, Liberdade, de Mário Teixeira. No sucesso 'A Força do Querer', trama de Gloria Perez exibida em 2017, interpretou Silvana, uma mulher viciada em jogos de azar. Voltou a trabalhar com Aguinaldo Silva em 'O Sétimo Guardião' (2018). Em 2023, é Bebel Montebello, mãe da antagonista Preciosa Montebello (Marina Ruy Barbosa) em Fuzuê, escrita por Gustavo Reiz.
Em sua carreira na Globo, Lilia Cabral também participou de minisséries como 'Engraçadinha… Seus Amores e Seus Pecados' (1995) e 'Dona Flor e Seus Dois Maridos' (1998), além de ter feito participações em diversos seriados, como 'Sai de Baixo' (1998), 'Toma Lá Dá Cá' (2007), 'Os Normais' (2001), 'A Diarista' (2004) e 'A Grande Família'. No cinema, fez pequenas participações em filmes como 'Dias Melhores Virão' (1989), de Cacá Diegues, e 'A Partilha' (2001), de Daniel Filho, até estrelar o sucesso de bilheteria 'Divã' (2009), adaptação da peça homônima de Martha Medeiros, que virou série de TV homônima, exibida da Globo em 2011.
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