Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo.

José Raimundo abraçou o jornalismo por amor à profissão. Prova disso é que pegava firme no batente mesmo quando não recebia salários no início da carreira. Em 1978, era o único repórter da TV Itapoan, do grupo de Assis Chateaubriand, em crise. Conseguia pagar as contas graças ao emprego como caixa de banco. Mas logo o jornalismo ganhou protagonismo em sua vida. Começou a trabalhar no Grupo Globo no começo da década de 1980, na TV Aratu, então afiliada da Globo em Salvador. Em 1987, passou a integrar a Globo Nordeste. Ficou lá por três anos, até se estabelecer na TV Bahia.

O jornalista tem uma vasta carreira na televisão, tendo registrado momentos marcantes da história do país. Mas é na questão ecológica que ele deixa sua marca registrada, e o reconhecimento vem através de prêmios. Foi com uma série sobre a destruição da Mata Atlântica, apresentada no 'Jornal Nacional', em 2004, que ele recebeu dois importantes prêmios: Embratel e Conservação Internacional da Biodiversidade.

O jornalista é um interlocutor entre o veículo que ele representa e a comunidade onde ele atua. A comunidade, de um modo geral, é um fio condutor. O jornalista dá voz às pessoas que precisam

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, o repórter José Raimundo fala da reportagem feita sobre o Rio São Francisco para o 'Globo Repórter', exibida em 05/02/1999.

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, o repórter José Raimundo fala da reportagem feita sobre o Rio São Francisco para o 'Globo Repórter', exibida em 05/02/1999.

“Sou sertanejo e me identifico muito com essa região. Desculpem a falta de modéstia, mas conheço o Vale do Rio São Francisco quase como a palma da minha mão”, diz, orgulhoso, José Raimundo Carneiro de Oliveira, que nasceu em Riachão do Jacuípe, interior da Bahia, próximo a Feira de Santana, em 29 de setembro de 1955.

José Raimundo mudou-se para a capital ainda jovem. Quando passou para a faculdade de sociologia na Universidade Federal da Bahia, já trabalhava em rádio como jornalista. Recebeu o registro pelo exercício da profissão, apesar de não ter a formação acadêmica específica. Em 1978, foi para a TV Itapoan, emissora da Rede Tupi, do grupo de Assis Chateaubriand, onde ficou até o início da década de 1980. Era o único repórter da emissora, que estava à beira da falência e não pagava os salários aos funcionários. Trabalhava por amor, pois o que o sustentava era o emprego como caixa do Banco do Estado da Bahia.

“No fim do mês, eu recebia um relógio ou um produto qualquer que o departamento comercial conseguia no sistema de permuta. Minha sorte é que eu não dependia desse trabalho na televisão, porque o que me mantinha, na verdade, era o salário que eu ganhava como caixa do Banco do Estado da Bahia. Mas eu fazia por amor, sempre gostei muito de ser repórter”.

José Raimundo lembra que antes de a TV Itapoan ser vendida, as entrevistas com o então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, no Palácio Rio Branco, eram feitas fora do gabinete dele: “Os equipamentos eram tão sucateados, tão improvisados, com aquela montanha de fios embolados e fontes de energia, que quando nós chegávamos, ele, com medo de um incêndio, mandava que esperássemos no corredor, às vezes no saguão”.

Repórter José Raimundo na Praça Castro Alves, na cobertura do carnaval de Salvador. 'Jornal Nacional', 09/02/1991 — Foto: Memória Globo

Grupo Globo

A TV Tupi saiu do ar no dia 18 de julho de 1980. Situação semelhante ocorreu em outras cidades em que a rede tinha emissoras. Restaram apenas Salvador (TV Itapoan) e Brasília (TV Brasília). A TV Itapoan foi comprada pelo empresário espanhol Pedro Irujo. Mas José Raimundo não vivenciou por muito tempo a boa fase da TV Itapoan. Convidado pelo jornalista Hermano Henning, foi trabalhar na TV Aratu, na época afiliada da Globo e líder de audiência na Bahia. José Raimundo demorou um tempo para aparecer no vídeo. Foi uma decisão tomada pelo então diretor de jornalismo da emissora, José Amilcar Tavares, por avaliar que a imagem do jornalista ainda estava atrelada à emissora anterior, deixada há pouco tempo.

“Embora melhor estruturada, ainda se usava na TV Aratu a velha CP, uma câmera com filme. Nós saíamos para fazer matéria com película de 300 pés, suficiente para três reportagens, mais ou menos três minutos para cada uma. A gente não podia errar. Não havia ilha de edição, o filme era revelado em laboratório. Eu sou meio jurássico, mas também acompanhei outras fases da televisão, como as câmeras de fita, de rolo, a u-matic, ligada por um fio a um gravador e operada por duas pessoas. O pobre do operador sofria muito, porque tinha de acompanhar o cinegrafista, como se fosse um cordão umbilical. Hoje, nós gravamos quantas vezes forem necessárias”.

Globo Nordeste

Em 1987, quando a TV Aratu deixou de ser afiliada da Globo, o jornalista passou um curto período em São Paulo, até que Alice-Maria, então diretora de telejornais da Globo, pediu sua transferência para Recife, para se integrar à Globo Nordeste, onde ficou durante três anos.

“Recife centralizava o Nordeste. Viajei muito a outros estados da região, voltei várias vezes à Bahia. A gente não parava, as pautas eram muito dinâmicas. Fiz muitas denúncias sobre prefeitos corruptos que desviavam dinheiro público, muitas reportagens sobre meio ambiente também”.

Em 1990, por interferência do então diretor da Central Globo de Jornalismo, Alberico de Souza Cruz, José Raimundo foi convidado a trabalhar na TV Bahia. O convite partiu de Carlos Libório, na ocasião diretor da emissora, inaugurada em 1985. Desde então, foram anos dedicados ao jornalismo, cobrindo desde carnaval até importantes jogos de futebol disputados na Bahia, como a Copa das Confederações, em 2013, e, no ano seguinte, a Copa do Mundo no Brasil.

“A área territorial da Bahia é do tamanho da França. Cruzar o estado é enfrentar mais de mil quilômetros de estrada em qualquer uma das direções. É semiárido de um lado, com o secular drama da seca, litoral do outro, com belíssimas praias e um restinho de Mata Atlântica. Ainda tem o Cerrado, o eldorado agrícola que mais cresce no país. Nesse mosaico, temos culturas diversificadas, é um caldeirão de pautas que nos ajuda muito a descobrir e contar boas histórias”, conta o repórter, destacando as várias faces do Nordeste.

Reconhecimento

José Raimundo guarda com carinho em suas lembranças sua primeira matéria no 'Jornal Nacional', “o funil mais apertado”, como diz, na Globo. Foi sobre uma mina de cobre, no norte da Bahia. Para extrair o minério, era necessário descer a quase mil metros de profundidade. Além do risco a que eram submetidos, os trabalhadores passavam horas em condições de total insalubridade.

A reportagem feita ao longo de uma semana, em março de 1984, sobre um acidente ecológico no leito do Rio São Francisco, no norte da Bahia, foi o passaporte definitivo do repórter José Raimundo para o 'Jornal Nacional'. A mortandade de peixes havia sido provocada pelo despejo de vinhoto feito por uma usina de cana-de-açúcar, cujo dono, revoltado com a repercussão da matéria em todo o país, chegou a ameaçar o jornalista. A repercussão foi tão positiva que os diretores de Jornalismo na época, Armando Nogueira e Alice-Maria, e Woile Guimarães, então diretor dos telejornais de rede, comunicaram que a partir daquele momento José Raimundo passaria a integrar o quadro de repórteres da rede.

Essa foi a primeira meta alcançada. O passo seguinte foi o 'Globo Repórter'. “Depois de conquistar o 'Jornal Nacional', esse programa é o sonho de todo repórter, porque dá mais espaço, o jornalista consegue sair mais do factual e ter mais tempo para trabalhar as matérias, com mais profundidade, fazer uma cobertura mais densa, mais elaborada. Primeiro, eu participava do 'Globo Repórter' com um, às vezes, dois blocos. Quando consegui fazer os três blocos foi uma glória!”, disse José Raimundo, ao lembrar que o tema foi o rio São Francisco. O repórter navegou desde a nascente do rio até a foz e já em 1999 o São Francisco, responsável pelo abastecimento de 12 milhões de pessoas em mais de 500 cidades, dava sinais de agonia. A repercussão do programa foi excelente e deu origem a outros sobre o mesmo tema.

Dois anos depois, José Raimundo voltou a fazer matéria sobre o rio, descoberto 500 anos antes, em 1501, por Américo Vespúcio. Fez o mesmo percurso, também para o 'Globo Repórter', mas desta vez com um olhar mais crítico, acompanhando um grupo de ambientalistas. O São Francisco voltaria a ser tema de uma série feita pelo repórter para o 'Jornal Nacional'.

A trajetória de José Raimundo no 'Globo Repórter' é rica e vasta, tendo, inclusive, sido premiado. Em 1994, ele e Marcelo Rezende receberam o diploma de honra ao mérito do Festival de Filme e Televisão de Nova York pela reportagem “Trabalho do Menor”, sobre trabalho infantil. A mortalidade de crianças ganhou destaque em parceria com o repórter Francisco José, que trabalha em Recife e a quem José Raimundo considera um irmão mais velho. Sobre a Amazônia, destacam-se as matérias “Amazônia Seca” (2003), “Amapá: o Mar da Amazônia” (2007) e “Viagem das Águas Amazônicas” (2011).

Também merecem ser citadas as séries sobre o centenário de morte de Antônio Conselheiro e a Guerra dos Canudos, que foram ao ar no 'Jornal Nacional' e no 'Fantástico', em 1997, e sobre os festejos em Porto Seguro para comemorar 500 anos do descobrimento do Brasil, em 2000. Outro marco na carreira do jornalista foi a denúncia sobre fraudes na Previdência Social, apresentada no 'Jornal Nacional', além das reportagens sobre os 'Caminhos da Comida' (2009) e o 'Centenário de Jorge Amado' (2012). O repórter foi a Ilhéus, na Bahia, em busca de personagens e lugares que marcaram a trajetória do escritor e sua obra.

'Globo Repórter': No centenário de Jorge Amado, Sérgio Chapelin apresenta o 'Globo Repórter' da cidade cenográfica da novela “Gabriela” e José Raimundo visita a verdadeira Ilhéus, na Bahia, 15/06/2012.

'Globo Repórter': No centenário de Jorge Amado, Sérgio Chapelin apresenta o 'Globo Repórter' da cidade cenográfica da novela “Gabriela” e José Raimundo visita a verdadeira Ilhéus, na Bahia, 15/06/2012.

O tema recorrente na carreira do jornalista, e que faz parte de sua trajetória, é a questão ecológica. Foi com uma série sobre a destruição da Mata Atlântica e como isso poderia ser evitada, apresentada no Jornal Nacional, em 2004, que ele recebeu dois importantes prêmios: Embratel e Conservação Internacional.

Faro de repórter

Ao longo de mais de três décadas, José Raimundo coleciona em sua trajetória coberturas de momentos importantes na vida do país, como a visita do papa João Paulo II à Bahia em 1980, diversas eleições nacionais, estaduais e municipais, e entrevistas com presidentes, ministros e políticos. Durante a ditadura, chegou a ter cassada sua permissão para cobrir as viagens do então presidente João Batista Figueiredo por ter tentado aproximar-se para entrevistá-lo. Ainda no quesito eleições, o jornalista foi mediador de debates eleitorais na TV Paraíba, em 2014 e 2016.

Jornalista José Raimundo foi mediador de debate eleitoral na TV Paraíba, em 2016

Jornalista José Raimundo foi mediador de debate eleitoral na TV Paraíba, em 2016

Agilidade é essencial, como na cobertura da caçada ao sequestrador Leonardo Pareja, em Salvador, em 1995. O jornalista ficou mais de 65 horas acompanhando os acontecimentos e o desfecho do sequestro em Feira de Santana, para onde o criminoso havia fugido com uma refém. Amauri Soares, editor-chefe do 'JN' na época, avisou a José Raimundo que ele entraria ao vivo para mostrar ao público o clima de tensão nas negociações entre a polícia e o sequestrador. A transmissão do cerco policial e da fuga do criminoso apareceu primeiro no 'Domingão do Faustão' e, logo depois, na abertura do programa 'Fantástico'. O sequestrador acabou morto.

José Raimundo define o jornalismo como a profissão que tem a função de mostrar a realidade dos fatos e dar voz a quem não tem. E, para ele, o jornalista deve ter consciência de sua responsabilidade de fazer essa mediação. Nesse trabalho, segundo afirmou, o limite é o bom senso, a ética, o respeito ao outro. “Esses são os pilares de todo trabalho jornalístico”.

Zé Raimundo conta como conquista a confiança de quem nunca viu uma câmera. 'Encontro com Fátima Bernardes', 05/12/2012

Zé Raimundo conta como conquista a confiança de quem nunca viu uma câmera. 'Encontro com Fátima Bernardes', 05/12/2012

Durante a pandemia do covid-19, o jornalista fez home office por ter mais de 60 anos e estar no grupo de risco. No período, reportagens foram reprisadas no 'Globo Repórter', como a que ele fez sobre a Chapada Diamantina.

José Raimundo deixou a Globo em janeiro de 2021.

FONTES:

Depoimento concedido ao Memória Globo por José Raimundo em 24/09/2014. JN 50 anos de Telejornalismo. Organização Memória Globo. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019, p. 171. https://emais.estadao.com.br/noticias/tv,tv-tupi-saia-do-ar-ha-40-anos-relembre-ultimo-dia-da-emissora,70003367906; http://g1.globo.com/jornaldaglobo/0,,MUL895294-16021,00-OS+PREMIADOS+DA+NOITE.html, acessados em setembro de 2020.
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