Por Memória Globo

Cícero Rodrigues|Arte/Memória Globo

O ator Isaac Bardavid é também muito conhecido por sua voz. Dublador desde a década de 1950, será para sempre associado a Wolverine, Tigrão e Esqueleto, alguns dos mais famosos entre os personagens dos 40 mil desenhos e filmes que dublou, de forma inconfundível. Com atuação no teatro, na TV e no cinema, participou de dezenas de produções, entre peças, novelas, minisséries, especiais, programas humorísticos e filmes. Na Globo, seu papel de maior destaque foi o malvado Francisco de 'Escrava Isaura' (1976). A origem turca lhe rendeu personagens marcantes como o Tartan, de 'Salve Jorge' (2012) e Abbas, da minissérie 'Dois irmãos' (2017). Teve papéis de destaque também nas TVs Manchete e Record. Em 2016, aventurou-se também na literatura e publicou um livro de poesias.

O ator brasileiro é essencialmente instintivo, tudo está na sua imaginação. Nós não temos um colégio como nos Estados Unidos, um Actors Studio. Temos cursos que preparam o ator, mas para a elaboração do personagem, o instinto prevalece.

Início da carreira

Isaac Bardavid nasceu em 13 de fevereiro de 1931, na cidade fluminense de Niterói. Filho do comerciante de origem turca Haim Bardavid e da dona de casa Vitória Bardavid, tornou-se ator por acaso: conversando com amigos sobre ciência, música e arte em uma esquina, em 1948, viu um grupo de pessoas se aproximar com cartazes da peça 'O Dote', de Artur Azevedo, que seria apresentada na semana seguinte. Ele e seus amigos ajudaram a colar os cartazes nas paredes e, em agradecimento, ganharam ingressos para o espetáculo.

No dia da estreia, o responsável pelo “ponto” – pessoa que lia os textos em voz baixa para os atores, que assim não precisavam decorar todas as falas – adoeceu. Sem substituto, o diretor perguntou aos rapazes quem lia bem. Isaac Bardavid se apresentou. Feliz por ter cumprido bem a tarefa, decidiu fazer parte daquele universo. Estreou como ator na montagem de 'O Mártir do Calvário', de Eduardo Garrido, ainda em 1948. Aos 17 anos, representou um homem de 80. Durante os 11 anos seguinte, dedicou-se inteiramente ao teatro.

Televisão

Em 1959, Isaac Bardavid deu seu primeiro passo na televisão. Na TV Continental, fez o teleteatro 'Os Três Mosqueteiros', produzido por Moisés Weltman. No mesmo ano, a convite do diretor Mauricio Sherman, começou a atuar na TV Tupi. Na emissora, ao lado de atores de referência no país, como Theresa Amayo, Bibi Ferreira e Procópio Ferreira, ficou dois anos e chegou a ocupar o cargo de diretor de Teleteatro. “Em uma semana na TV Tupi, fiz 13 programas ao vivo. A gente trabalhava bem, trabalhava duro, mas com muita alegria. Era um desbravamento, era muito gostoso fazer aquilo, havia muita união”, garante. Em seguida, foi para a TV Rio, onde atuou em programas humorísticos como 'Noites Cariocas e 'Podres de Chique', além da novela 'Porto dos Sete Destinos' (1965), de Luís de Oliveira. Junto com muitos outros profissionais, saiu da empresa em função de uma crise financeira e foi contratado pela TV Excelsior.

Início na Globo

A Globo entraria em sua vida pouco depois, em 1966. 'O Rei dos Ciganos', novela de Moysés Weltman, com direção Ziembinski, marcou o início de uma trajetória que levaria o ator a participar de mais de 30 atrações na emissora – e ter as mais variadas experiências. Em 'Irmãos Coragem' (1970), de Janete Clair, foi o médico que operava a personagem de Glória Menezes; em 'Fogo Sobre Terra' (1974), da mesma autora, viveu um sírio e teve que participar de uma cavalgada, sem mal saber montar; em 'Eu Prometo' (1983), também de Janete Clair, interpretou um secretário; em 'A Padroeira' (2001), de Walcyr Carrasco, teve a oportunidade de fazer um dos personagens de que mais gostou, Filipe Pedrosa, pescador que encontra a imagem de Nossa Senhora Aparecida no rio Paraíba; em 'Salve Jorge' (2012), de Gloria Perez, pôde relembrar suas raízes no papel de Tartan, dono de um restaurante e turco como seus pais; em 'Além do Horizonte' (2013), de Marcos Bernstein e Carlos Gregório, interpretou o marinheiro Klaus, que resgata um menino das águas e decide criá-lo; e em 'Totalmente Demais' (2015), de Paulo Halm e Rosane Svartman, faz uma participação o árabe Ibrahim Alfaray, que arremata a personagem de Glória Menezes em um jogo de pôquer.

Mas foi em 'Escrava Isaura' (1976), de Gilberto Braga, que Isaac Bardavid recebeu o maior reconhecimento de público, como Francisco, capataz de Leôncio que fazia grandes maldades a mando do patrão, inclusive chicotear escravos. “A gente gravava muito em Conservatória, numa fazenda, e eu me lembro que a gente fazia muita gravação noturna no meio do mato. Era difícil, mas eu tinha 45 anos e essa dificuldade dava para tirar de letra. Quando a gente é jovem, tudo é aventura. Até hoje, pessoas que não estavam vivas naquela época, mas que viram depois o compacto, me param na rua para falar sobre a Escrava Isaura”, conta. Na Globo, participou também de cinco episódios de 'Sítio do Picapau Amarelo', de muitas outras novelas e de diversos programas em dramaturgia e humor, como 'Caso Verdade', 'Os Trapalhões', 'Zorra Total', 'Malhação' e minisséries.

Escrava Isaura: A morte de Tobias

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Minisséries
Em 2017, Isaac interpretou Abbas na minissérie 'Dois Irmãos', adaptação de Maria Camargo para a obra literária de Milton Hatoum. Na série 'Os Carcereiros', que estreou em 2021, destacou-se como Álvaro, preso por crime de colarinho branco.

Manchete e Record

O ator teve papéis importantes na Manchete e na Record. Como um dos protagonistas de 'Ilha das Bruxas' (1991), minissérie de Paulo Figueiredo para a primeira emissora, era o Dr. Benzedor, um curandeiro. As gravações foram realizadas em Santa Catarina, onde o elenco ficou durante um mês. Atuou ainda nas novelas 'Dona Beija' (1986), de Wilson Aguiar Filho; 'Tudo ou Nada' (1986), de José Antônio de Souza; 'Tocaia Grande' (1995), de Duca Rachid, Mário Teixeira e Marcos Lazarini; e na minissérie 'O Fantasma da Ópera' (1991), de Paulo Afonso de Lima e Jael Coaracy. Na Record, na minissérie 'Rei Davi' (2012), de Vivian de Oliveira, representou o profeta Samuel, um papel de destaque na história, e esteve também no elenco de 'Milagres de Jesus', outra minissérie, exibida em 2014 e 2015.

Dublagem

Isaac Bardavid iniciou sua carreira de dublador ainda no final da década de 1950, ao mesmo tempo em que começava na televisão. A convite do colega Alberto Pérez, visitou um dos estúdios de dublagem no Rio, o Cine Castro. “Quem dirigia o Cine Castro na época era uma italiana maravilhosa chamada Carla Civelli. A Carla botou a imagem, naquela época não havia computador, era em 16mm, e disse: ‘Você tem o texto aqui, procure botar na boca do bonequinho ali’. Eu me saí muito bem. A partir desse dia, comecei a dublar e nunca mais parei. Minha primeira dublagem foi do filho mais velho de Charlie Chan. Cheguei a ser considerado, nos anos 1970, o melhor dublador do Brasil”, conta.

Sua voz, de fato, é uma das mais conhecidas do país. De Adam, filho mais velho da saga ,'Bonanza',, série exibida nos anos 1970 pela TV Tupi, a Wolverine, herói de quadrinhos e dos filmes ,'X-Men', Isaac Bardavid dublou centenas de personagens que ficaram na memória de crianças e adultos, como o Esqueleto, de 'He-Man'; Odin, pai de Thor; Gibbs, o imediato de Jack Sparrow em 'Piratas do Caribe', Tigrão, da turma do Ursinho Pooh; e o Tio Fester, da 'Família Addams'. Foi também diretor de dublagem, por mais de 40 anos. “Perguntaram outro dia: ‘Quantos filmes você já dublou?’. Pelo menos 40 mil eu fiz. Dublo há 59 anos, houve dias de eu dublar três, quatro filmes. É claro que quando digo 40 mil, falo em participações pequenas. Protagonistas, fiz dez mil, cinco mil, tudo bem; mas participei de 40 mil”, explica. O respeito pela excelência do trabalho de Isaac Bardavid foi demonstrado, em 2017, pelo ator Hugh Jackman, o Wolverine. No Brasil para divulgar um filme, encontrou-se em um programa de TV com o dublador de seu personagem e o reverenciou publicamente.

Teatro e cinema

Entre as peças de que participou, ele destaca três grandes sucessos: 'O Santo Inquérito', de Dias Gomes, em 1966; 'Gota d’Água', de Chico Buarque e Paulo Pontes, em 1975; e 'Rasga Coração', do Vianninha, em 1979, quando interpretou Camargo, um velho chefe comunista. A peça ficou um ano com lotação esgotada no Teatro Villa-Lobos. No cinema, o ator esteve em 12 filmes, o primeiro deles, 'A Virgem Prometida', (1968), de Iberê Cavalcanti, ao lado de Juca Chaves. Em 'Um Sonho de Vampiros', (1969), também de Iberê Cavalcanti, ele fazia um general que era vampiro, motivo para a censura completa da obra nos anos de chumbo.

Literatura

Isaac Bardavid aventurou-se também na literatura: publicou um livro de poesias, 'Versos Adversos', (2016). “Quem lê, gosta. Tive uma noite de autógrafos em Vicente de Carvalho e, quando entrei, tinha muita gente me aplaudindo. Um homem de 40 anos, por Deus do céu, botou a cabeça no meu peito e chorou, dizendo que eu tinha feito parte da infância dele. Disse: ‘Tomara que eu mereça essa importância que vocês me atribuem, porque, para mim, não faço nada demais’”.

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Isaac Bardavid faleceu dia 1ª de fevereiro de 2022 em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, em decorrência de um enfisema pulmonar. Ele tinha 90 anos.

Fonte

Depoimento concedido ao Memória Globo por Isaac Bardavid em 09/10/2017.
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