No século XXI, o gado ainda viaja a pé. O 'Globo Rural' acompanhou 900 animais pelo Pantanal durante dois meses, desde que os vaqueiros juntaram a boiada no curral até ela chegar ao pasto de engorda. Num domingo de manhã, em Aquidauana (MS), o cortejo passou diante de um bar onde os fregueses também viam pela TV a caminhada desses bois na semana anterior. Essa é uma das coberturas citadas por Humberto Pereira, editor-chefe do 'Globo Rural', quando se refere a grandes momentos do programa. Produzido e levado ao ar, sem interrupções, desde janeiro de 1980, o 'Globo Rural' é hoje referência para o telespectador que vive no campo e, também, para quem mora na cidade e se interessa por temas ligados à agricultura, cultivo de alimentos e paisagens naturais.
Início da carreira
Humberto Geraldo Pereira, ao concluir seus estudos secundários, já trabalhava como redator publicitário. Durante 11 anos viveu em mosteiros da Ordem dos Frades Dominicanos, vanguarda da Igreja Católica na época. Os dominicanos preocupavam-se com questões sociais, políticas, econômicas e culturais, e, ainda frade, Humberto fez um curso de cinema de dois anos.
“O pecado está mudando” foi uma das chamadas de capa da revista Realidade de maio de 1968. O autor Humberto Pereira relembra: “Eu tentava mostrar que a noção de pecado estava saindo da moralidade, da preocupação com o sexo e partindo para considerar pecaminosos temas como a injustiça social e a exploração das pessoas”.
A prática de editar publicidade lhe foi muito útil quando entrou para a Globo.
O jornalista foi editor do 'Jornal Nacional', 'Jornal Hoje', 'Amanhã' e 'Jornal da Globo' e trabalhou no 'Fantástico'. Participou da edição das primeiras coberturas de eleições diretas ocorridas no país após o regime militar. E ajudou a criar o que chama de “reportagens pedagógicas”, que procuravam ensinar o eleitor como usar seu título e a formular suas opiniões sobre os candidatos. Ele afirma: “Foi importante colocar no ar as eleições não como um evento cheio de números, mas investindo na ótica: ‘eu tenho o direito de votar na pessoa que quero que comande esta cidade, este estado, este país. Não quero mais uma orientação que vem de cima’”.
'Globo Rural'
Humberto Pereira participou diretamente da criação do 'Globo Rural'. Tornou-se editor-chefe e um dos principais formuladores de um programa cuja linha editorial procura dar informações objetivas, serviço, reportagens técnicas sobre cultivos e também tratar da natureza e das paisagens brasileiras. Ele foi concebido e executado como um veículo em rede, transmitido para todo o país, abordando temas técnicos sem termos complexos, tentando aproximar a pesquisa científica do cotidiano rural. A sede da redação fica em São Paulo.
A preocupação com o meio ambiente entrou no ar num momento em que a ecologia começava a ganhar espaço no noticiário e na vida das pessoas. O resultado foi uma empatia com o telespectador, seja ele anônimo ou uma figura conhecida. Romeu Tuma, na época em que foi diretor do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops), encontrou-se com o apresentador e disse: “Vem cá, eu tenho uma criação de porco. Queria conversar com você”.
“Nós fazemos um programa jornalístico”, enfatiza Humberto Pereira. “Não é um veículo de agronomia nem de economia doméstica. Agrônomos e veterinários são importantes como consultores, mas a preocupação é informar. O texto tem que ser o mais claro e simples possível”.
No cotidiano do 'Globo Rural', as pautas se multiplicam, desde as triviais até aquelas que a equipe costuma chamar de “sonhos”, que às vezes precisam esperar anos para serem executadas. A cobertura sazonal acompanha as principais culturas e períodos agrários do país e há muita informação chegando o tempo todo, segundo o editor-chefe: “Recebemos milhares de cartas com sugestões, e também telefonemas, mensagens pela internet e de redes de instituições de pesquisa. E temos pautas que são sonhos; alguns realizáveis, outros não”.
Um sonho realizado foi a série sobre tropeiros, valorizando uma atividade ancestral e que também continua viva no século XXI. Já uma cobertura pioneira no Pantanal começou com a denúncia de que uma usina seria instalada no frágil e rico ecossistema de uma das maiores áreas alagadas do planeta.
Entre os temas do programa, o telespectador pode encontrar desde uma matéria sobre as sete plantas que os brasileiros acreditam serem capazes de prevenir o mau-olhado até o aumento da área cultivada com soja na Bahia ou, ainda, uma cobertura que mostra o aumento do número de mulheres à frente de propriedades rurais produtivas no interior de São Paulo.
Humberto Pereira também participou da criação do 'Globo Rural diário', um pouco diferente do semanal na medida em que informa sobre fatos mais imediatos, como a chuva do dia anterior; ou o preço, na terça-feira, do boi que o homem do campo pretende vender na quinta-feira. A revista Globo Rural também nasceu a partir do programa de TV e acompanha e detalha temas tratados por ele.
Em 2017, Humberto teve participação fundamental no planejamento de séries para outros programas como a viagem pelo Rio Nilo, com Sônia Bridi e Paulo Zero, para o 'Fantástico'.
O jornalista deixou a Globo em dezembro de 2017.
FONTE:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Humberto Pereira em 06/06/2007. |