Filho de um engenheiro agrônomo e de uma professora, Geneton Moraes Neto, graças à profissão do pai, passou os seis primeiros anos de vida no interior pernambucano, numa área do município de São Lourenço da Mata que não existe mais, submersa por uma barragem. De volta à capital, Geneton começou a mostrar aptidão nas aulas de português e história. Uma redação chamou a atenção de uma prima de seu pai, que enviou o texto para o Diário de Pernambuco. A publicação inspirou o jovem, ainda com 13 anos, a mandar novos artigos. Dois anos mais tarde, recebeu um convite do diretor para fazer uma matéria sobre o Quinteto Violado, conjunto emergente da cena local. A partir de 1972, Geneton revezaria seu tempo entre os estudos e os trabalhos na redação.
Logo em seus primeiros meses de jornalismo, Geneton Moraes Neto, então com 16 anos, viu-se com seu bloquinho diante de um Caetano Veloso recém-chegado do exílio, prestes a se apresentar em Recife. Pouco depois, testemunharia a preparação de Chico Buarque nos camarins, nervoso antes de sair da coxia para encontrar seu público. Os cantores foram os primeiros de uma longa lista de encontros com personalidades nas quatro últimas décadas. Entrevistador astuto, com perguntas concisas e objetivas, o repórter da Globo esteve frente a frente com seis presidentes da República, três astronautas que pisaram na Lua, os prêmios Nobel Desmond Tutu e Jimmy Carter, os dois militares que dispararam as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, a mais jovem passageira do Titanic e o assassino de Martin Luther King, entre muitos outros.
Junto com o fascínio pelas entrevistas e grandes reportagens, Geneton Moraes Neto desenvolveu uma obsessão: mais do que elaborar matérias para o noticiário diário, o repórter – que produzia especiais para o 'Dossiê Globonews' – buscava criar documentos históricos. Guardava as fitas brutas de todas as entrevistas e as enviava para o Centro de Documentação da Globo. Em casa, possuÍa outras 200 horas de gravações em cassetes. “Todo profissional precisa de uma bandeira. Escolhi uma: fazer jornalismo é produzir memória. De certa forma, é o que me move”.
Mesmo com a experiência precoce, Geneton Moraes Neto teve dúvidas entre cursar a faculdade de jornalismo ou história – no fim, ficou com a primeira opção, na Universidade Católica de Pernambuco. No Diário, começou a ganhar cada vez mais destaque depois de fazer uma reportagem infiltrado no Hospital Psiquiátrico da Tamarineira, em que denunciava as más condições as quais eram submetidos os pacientes. “Ali, descobri que existem duas realidades: a oficial, entoada pelo diretoria do hospital, e a verdadeira, que é a de quem vivia aquele horror dia a dia”, afirmou em entrevista ao Memória Globo.
Entrevista exclusiva do jornalista e escritor Geneton Moraes Neto ao Memória Globo sobre sua formação acadêmica.
Entrevista exclusiva do jornalista e escritor Geneton Moraes Neto ao Memória Globo sobre o início da carreira jornalística no Diário de Pernambuco.
Entrada na Globo
Em 1975, Geneton foi convidado para trabalhar na sucursal pernambucana de O Estado de S. Paulo. Lá, passou a cobrir mais a política nacional e testemunhou a celebração da volta de Miguel Arraes ao Recife, após o exílio, em 1979. Cinco anos depois, já cansado da rotina da cobertura, decidiu sair do jornal e passar uma temporada em Paris. Na capital francesa, cursou seminários na Sorbonne e decidiu fazer uma pós sobre o cinema em países do terceiro mundo – no entanto, nunca concluiu a tese. Durante a aventura francesa, trabalhou como camareiro, porteiro e motorista – nas horas vagas, mandava matérias para o Jornal do Commercio e o Diário de Pernambuco. No fim de 1981, decidiu voltar ao Brasil e recebeu, em seguida, um convite para trabalhar como editor da Rede Globo, em Recife.
Em sua primeira experiência no telejornalismo, Geneton Moraes Neto pôs em prática algumas teorias cinematográficas que havia estudado no fim dos anos 1970, quando participou de um movimento Super8, no Recife. As ideias deram forma a um estilo próprio, com cortes rápidos e ângulos inusitados, que acompanha as reportagens do jornalista até hoje. O jornalista apontou uma entrevista com o sociólogo Gilberto Freyre como o grande momento de sua primeira passagem pela Globo. Nesta entrevista, Freyre se declarava o único gênio vivo do Brasil. “Queria usar nas matérias um olhar que só a câmera poderia enxergar e ninguém mais. É o que faço até hoje”.
TV Globo Rio
Três anos depois, Geneton Moraes Neto desembarcou em Londres para passar uma temporada e aprender a falar inglês. Na Europa, fez alguns trabalhos de edição de texto, como freelancer, para a Globo. Em 1985, voltou ao Brasil e foi prontamente convidado para trabalhar no Rio de Janeiro, como editor do 'RJTV.' Em maio do ano seguinte, tornou-se editor-executivo do 'Jornal da Globo'. Cinco meses depois, já era editor-chefe. No entanto, acabou saindo da emissora no fim do ano, por conta da adesão à greve geral que paralisou o país. “Foi a ascensão e queda mais rápida da história da Rede Globo”, brincou. O repórter recebeu ainda convites da TVE e Rede Manchete, mas decidiu mudar de ares novamente e voltou para a Europa.
Em suas andanças por Paris e Londres em 1987, passou a buscar temas para fazer reportagens para jornais brasileiros. Na capital francesa, encontrou o escritor Rubem Fonseca numa conferência e pediu uma entrevista. O recluso autor não quis dar uma entrevista formal, mas disse que o repórter poderia gravar o que ele iria dizer. O resultado foi publicado com destaque no suplemento Ideias do JB, em duas páginas. Após voltar ao país, Geneton Moraes Neto tratou de convencer Carlos Drummond de Andrade a dar outra grande entrevista. A matéria, publicada no Jornal do Brasil dias antes da morte do poeta, teve grande repercussão. O jornalista publicaria a integra da longa entrevista no livro 'Dossiê Drummond'. Paulo Francis disse, num prefácio, que aquela foi a melhor entrevista que ele lera de Carlos Drummond.
Grandes coberturas
Geneton Moraes Neto foi, mais uma vez, chamado de volta à Globo para editar e coordenar a criação do programa 'Pequenas Empresas, Grandes Negócios', em 1987. Três anos depois, passaria a ser editor do 'Jornal Nacional', durante a Guerra do Golfo, e a trabalhar simultaneamente no programa de variedades 'Dóris para Maiores'. Em 1991, tornou-se repórter do 'Fantástico'. No ano seguinte, foi editar o 'Jornal da Globo'. Em 1993, retornou à revista eletrônica dominical para fazer entrevistas e reportagens especiais. No ano seguinte, foi alçado ao cargo de editor-chefe. “O Fantástico é um programa original, porque mistura humor, gols da rodada, reportagem investigativa, comédia, drama. Não conheço outro como ele no mundo”, afirmou.
Em 1995, Geneton Moraes Neto foi morar no exterior pela terceira vez e dividiu a chefia do escritório da Globo em Londres com o jornalista Ernesto Rodrigues. No mesmo ano, assumiu o posto de correspondente do jornal O Globo. Trabalhou como freelancer para o 'Fantástico'. A nova experiência durou três anos. Nesse período, o jornalista testemunhou a primeira eleição direta para a presidência da Rússia, após a abertura do regime político por Gorbachev, e o enterro da princesa Diana. “O sonho de todo jornalista é ver a história acontecendo a um passo de onde você está. Tive essa oportunidade nessas duas vezes”, contou.
De volta ao país, em 1998, participou da produção do 'Muvuca', programa de variedades comandado por Regina Casé. Em setembro do mesmo ano, voltou a ocupar o cargo de editor-chefe do 'Fantástico', com a liberdade de produzir suas próprias matérias. Ficou no cargo de editor-chefe até 2006, quando passou a fazer reportagens para o programa e especiais jornalísticos para a GloboNews. Nesse período, realizou entrevistas memoráveis para o 'Fantástico', como a com o escritor Ariano Suassuna, e a com Doc Street, assassino da socialite Ângela Diniz nos anos 1970.
Entrevista exclusiva do jornalista e escritor Geneton Moraes Neto ao Memória Globo sobre os melhores trabalhos na carreira de jornalista.
Geneton Moraes Neto entrevista o escritor Ariano Suassuna para o Fantástico, 07/01/2007.
GloboNews
A partir de 2009, Geneton passou a se dedicar exclusivamente à GloboNews. No programa 'Dossiê GloboNews', entrevistou os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves, que ocuparam postos de comando durante o regime militar. A polêmica entrevista levou Geneton a ganhar o Prêmio Embratel de Telejornalismo de 2010, com entrevistas com generais que ocuparam postos importantes do regime militar.
Entrevista exclusiva de Geneton Moraes Neto com o ex-chefe da Agência Central do SNI (Serviço Nacional de Informações) na época da ditatura militar no Brail. Programa Dossiê GloboNews, 10/04/2010.
Outras entrevistas marcantes foram com o repórter Carl Bernstein, autor da série de reportagens sobre o escândalo Watergate que culminou com a renúncia do presidente Nixon; com Eva Schloss, ex-prisioneira de um campo de concentração nazista; e com agentes do serviço secreto americano no programa especial sobre os 10 anos dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.
Outros trabalhos
A produção do repórter inclui um blog no G1, documentários, longa-metragens e 11 livros-reportagens publicados. Em 2010, Geneton dirigiu o documentário 'Canções do Exílio', exibido no Canal Brasil, com depoimentos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé, sobre o período em que moraram em Londres.
Em 2012, Geneton dirigiu seu primeiro documentário de longa metragem produzido pela GloboNews: 'Garrafas ao Mar: a Víbora Manda Lembranças'. Com uma hora e vinte de duração, o documentário reúne entrevistas que ele gravou nos 20 anos de convivência com o jornalista Joel Silveira, um dos maiores repórteres brasileiros. 'Garrafas ao Mar' foi exibido na GloboNews e foi eleito pelo jornal O Globo um dos melhores programas exibidos na TV brasileira em 2013. Nesse ano ele também dirigiu na GloboNews o documentário 'Dossiê 50: Comício a favor dos Náufragos', com depoimentos com todos os onze jogadores brasileiros que enfrentaram a seleção do Uruguai na Copa de 1950, no Maracanã.
Geneton publicou diversos livros, dentre eles 'Hitler/Satalin: o Pacto Maldito' e 'Nitroglicerina Pura', ambos em parceria com Joel Siveira; 'O Dossiê Drummond: a Última Entrevista do Poeta'; 'Dossiê Brasil'; 'Dossiê 50: os Onze Jogadores Revelam os Segredos da Maior Tragédia do Futebol Brasileiro'; 'Dossiê Moscou'; 'Dossiê História: um repórter encontra personagens e testemunhas de grandes tragédias da história mundial'; e 'Dossiê Gabeira'.
Em 2012, Geneton recebeu a Medalha João Ribeiro, concedida anualmente pela Academia Brasileira de Letras (ABL) à personalidades que se destacam na área de cultura.
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Geneton Moraes Neto morreu no dia 22 de agosto de 2016, em um hospital na Zona Sul do Rio de Janeiro, em decorrência de um aneurisma na aorta sofrido alguns meses antes.
Exclusivo Memória Globo
Entrevista exclusiva do jornalista Geneton Moraes Neto ao Memória Globo, sobre sua formação acadêmica.
Entrevista exclusiva do jornalista Geneton Moraes Neto ao Memória Globo, sobre o início da carreira jornalística no Diário de Pernambuco.
Entrevista exclusiva do jornalista Geneton Moraes Neto ao Memória Globo, sobre os melhores trabalhos na carreira de jornalista.
Entrevista exclusiva do jornalista Geneton Moraes Neto ao Memória Globo, sobre o hábito de arquivar todo material bruto das entrevistas que fez.
Entrevista exclusiva do jornalista Geneton Moraes Neto ao Memória Globo, sobre a edição histórica do Fantástico após o atentado de 11 de setembro de 2001.
Entrevista exclusiva do jornalista Geneton Moraes Neto ao Memória Globo, sobre a carreira profissional nos anos 1990.
FONTES:
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Geneton Moraes Neto em 30/04/2003, 16/05/2005 e 13/06/2005; "Geneton Mores Neto aos 60" In O Globo, 23/08/2016; "Jornalista Geneton Moraes Neto morre aos 60 anos vítima de um aneurisma" In: Folha de São Paulo, 22/08/2016. |