Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Fernando Bittencourt construiu uma carreira de sucesso na área de engenharia da Globo, onde trabalhou durante 45 anos. Começou como estagiário da Divisão de Engenharia e encerrou-a, ao aposentar-se, em agosto de 2014, como Diretor Geral de Tecnologia, que reúne as áreas de engenharia e tecnologia de informação. Ao longo de quatro décadas e meia, Fernando Bittencourt participou de grandes avanços tecnológicos, como a introdução no jornalismo do Eletronic News Gathering (ENG), das unidades portáteis dotadas de câmeras leves e sensíveis, transmissores de microondas, videoteipes e sistemas de edição, que permitiam o envio de matérias diretamente do local do acontecimento para a emissora. Participou também da implantação da sonorização com o uso de computador, da criação dos Estúdios Globo e do início das transmissões digitais.

Encerrou sua carreira na emissora com chave de ouro: foi o responsável pela equipe que montou a infraestrutura para a transmissão, em 2014, dos 64 jogos da Copa Mundial de Futebol no Brasil. Foi a maior cobertura já vista no país: 32 seleções, 768 horas de jogos, ao longo de 32 dias. E também a mais numerosa equipe: 1.500 profissionais credenciados e 2.500 funcionários (Globo, SporTV e Globoesporte.com). Um trabalho planejado durante sete anos.

Fernando Bittencourt — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

A tecnologia não é o fim, é um meio que oferece à produção formas de fazer diferente. Esse é o tipo de filosofia que sempre aplicamos na Engenharia. Eu diria que é um diferencial da Globo: ter uma tecnologia aplicada para ser percebida pelo espectador

Início de trajetória

Fernando Matoso Bittencourt Filho estudou no colégio estadual da cidade, mas mudou-se depois para o Rio e concluiu o ensino médio no Colégio Militar. Nesta época revelou-se fascinado pela tecnologia do rádio e da televisão, e fez vários cursos por correspondência. Formou-se em engenharia eletrônica na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1971. Dois anos antes começou a estagiar na Globo, na área de manutenção. Durante um ano, passou por diversos setores da empresa, sempre consertando equipamentos que funcionavam com válvulas e, por isso, apresentavam muitos problemas, com perda de qualidade da imagem.

A divisão de Engenharia era muito bem estruturada, incluía processo de seleção, treinamento e formação de pessoal especializado. Quando foi adotada a TV em cores, a Globo promoveu aulas internas e enviou alguns técnicos para fazer cursos na Alemanha, a fim de que a transição ocorresse com alto nível de qualidade.

No final de 1971, já formado, mas ainda muito jovem, sem experiência, Fernando Bittencourt foi escolhido para montar a estrutura da nova emissora que nascia: a TV Globo Recife, canal 13. Promovido a gerente de Engenharia, começou do zero, porque, ao chegar à capital pernambucana, não havia nada. Foi preciso fazer o projeto, construir o prédio, a torre de transmissão, selecionar pessoal, entrevistar, contratar, treinar e pôr a programação no ar, o que aconteceu em abril de 1972.

Todos os equipamentos foram levados do Rio, à exceção do transmissor e do telecine, câmera onde se projetava o filme. A programação, inclusive a de entretenimento, era gerada no Rio, gravada em videoteipe, e as fitas enviadas por avião. As novelas acabavam sendo apresentadas em Recife com atraso de pelo menos um dia, depois da exibição no Rio. A programação local se resumia ao noticiário. Somente o 'Jornal Nacional' era ao vivo. “Foi uma experiência fantástica e, ao mesmo tempo, muito dolorosa. Hoje, eu agradeço, porque sofri, mas aprendi muito”, lembra o engenheiro, que voltou para o Rio no início de 1974.

Segundo Fernando Bittencourt, a diferença fundamental da Globo em relação às emissoras concorrentes da época foi o fato de ter sido uma empresa criada com um projeto de televisão, de engenharia, sem improvisos.

Em 1972, quando ainda estava em Recife, ele vivenciou a primeira “grande revolução tecnológica”, como qualifica a implantação da TV em cores. Foram importadas novas câmeras e videoteipes, e necessárias mudanças nas instalações que não eram apropriadas para aquela inovação. Assim como toda a equipe de Engenharia, Fernando Bittencourt teve de enfrentar o desafio e estudar o Sistema PAL-M, sistema de televisão em cores desenvolvido no Brasil.

Outro avanço foi na área de jornalismo: a troca da película pelo videoteipe na metade da década de 1970. A utilização de câmeras portáteis facilitou muito o trabalho dos repórteres cinematográficos porque dispensava a necessidade de revelação de fitas. O uso de equipamento eletrônico representou um passo importante para a realização de reportagens externas, dando agilidade ao trabalho dos jornalistas. “A tecnologia não é o fim, é um meio que oferece à produção formas de fazer diferente. Esse é o tipo de filosofia que sempre aplicamos na Engenharia. Eu diria que é um diferencial da Globo: ter uma tecnologia aplicada para ser percebida pelo espectador”, ensina o engenheiro.

De volta ao Rio, Fernando Bittencourt trabalhou no projeto de implantação da produção e transmissão de conteúdos em cores em toda a programação, na época uma tecnologia nova. Tornou-se assessor do então diretor de Engenharia, Adilson Pontes Malta, por quem sempre teve grande admiração e respeito profissional. “Foi uma pessoa chave para o crescimento e a profissionalização da empresa. Ele criou na Diretoria de Engenharia a área de Recursos Humanos, que passou a se encarregar da seleção e treinamento de pessoal. A Engenharia servia de modelo para o resto da empresa”, lembrou Fernando Bittencourt, que citou também a influência que recebeu de Antônio Carlos Castro de Oliveira, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Armando Nogueira e João Carlos Magaldi.

Neste período, dedicou-se à implantação da produção e transmissão em cores em toda a rede da empresa, que incluía Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Brasília. Além de buscar uma certa uniformidade neste intercâmbio tecnológico, seu objetivo era dar unidade à operação de vídeo na parte técnica, ou seja, levar o know-how de uma área para a outra, e de uma sede a outra.

Em 1975, enviado para a Globo de São Paulo como gerente de Engenharia, viveu um novo desafio, porque além de ser uma importante emissora da rede e estar sediada no maior mercado publicitário, naquela cidade estão as sedes das emissoras concorrentes. Era um momento difícil em virtude do incêndio que atingira a emissora em 1969. A empresa havia se mudado para um prédio na Praça Marechal Deodoro totalmente adaptado: estúdios, salas, ilhas de edição, com obras constantes, problemas de energia elétrica, entre outros. “Eu tive que formar e treinar minha equipe, porque, como a concorrência era grande, perdíamos muitos profissionais para as outras emissoras. Trabalhei lá durante dez anos e nesse tempo formei muitos profissionais que ascenderam a cargos importantes na Globo, como o Nelson Farias e o Délcio Torres.”

Mudança histórica em SP

Em 1982, do ponto de vista da Engenharia, houve uma mudança histórica. Até então o transmissor da emissora ficava no Pico do Jaraguá e apresentava problemas de cobertura na cidade. Não existia a TV a cabo e em vários bairros o sinal da emissora, o Canal 5, não chegava. Foi decidida a colocação de um segundo transmissor na Avenida Paulista e começaram os estudos para a implantação. Era preciso testar se o novo ponto iria funcionar. A conclusão é de que o lugar era ideal, e em vez de colocar ali o transmissor secundário, decidiu-se que no local ficaria o transmissor principal. Mas a operação não foi fácil. Foi preciso redirecionar as antenas de mais de dois terços dos moradores da capital. Para que isso fosse possível com o mínimo de transtorno para os telespectadores, a emissora montou um call center para orientar as pessoas sobre a transição. O risco de perda da audiência não se confirmou; ao contrário, a médio prazo subiu 5%.

Ainda na década de 1980, a Engenharia da Globo inovou tornando realidade um projeto que permitiu a transmissão móvel da corrida de São Silvestre, com a movimentação da câmera ao vivo acompanhando o corredor. Fernando Bittencourt explicou: “O carro da emissora acompanhava o corredor e mandava o sinal por meio de micro-ondas para diversos pontos da cidade. À medida que a competição se desenvolvia, tínhamos de mudar o ponto de recepção para evitar barreiras ao sinal, como os prédios altos e outros obstáculos. Conseguimos cobrir 90% do trajeto ao vivo. Nunca se tinha visto uma transmissão como aquela, foi um momento marcante”, relembra sem esconder o entusiasmo pelo trabalho realizado.

Em 1983, Adilson Malta fez uma reforma organizacional na Divisão de Engenharia, que otimizou o trabalho da equipe, estruturando-a por áreas. Criou a Engenharia de Jornalismo, Engenharia de Produção (para cuidar da parte de entretenimento, como novelas, shows, programas de humor e variedades), Engenharia de Exibição e Distribuição. Cada uma dessas áreas tem características bem diferentes. O jornalismo, por exemplo, precisa de imediatismo, agilidade; já a produção de programas de entretenimento requer iluminação cuidadosa, sonorização, tratamento da imagem, entre outras exigências. Segundo Fernando Bittencourt, houve um salto de qualidade e uma maior sinergia porque as pessoas que trabalhavam em cada uma dessas áreas passaram a se especializar nessas atividades e, ao mesmo tempo, a se relacionarem mais entre si. E ele se tornou o primeiro diretor da Engenharia na área de produção de entretenimento.

No início não foi simples, embora os técnicos procurassem ter o máximo de cooperação com os atores. “Tínhamos consciência de que estávamos a serviço deles. Mas não foi fácil porque minha formação é de engenharia, tenho raciocínio lógico; enquanto os artistas são lógica zero, emoção, dez”, relembra Fernando, acrescentando, porém, que “era um casamento muito bom, pois os dois lados aprenderam”.

No final de 1991, com a saída de Adilson Malta da emissora, Fernando Bittencourt assumiu a Direção de Engenharia. Mas não enfrentou qualquer dificuldade, porque crescera profissionalmente dentro da empresa, o que lhe permitiu conhecê-la como um todo, em detalhes.

Projac

Em 1995, foi inaugurado o Projac, um projeto concebido na Engenharia e já montado em tecnologia digital, com modernos equipamentos, tecnologia para fazer cenários virtuais, uma área de multimídia que produzia efeitos visuais, entre outros avanços. Para Fernando Bittencourt, a joia do Projac são os estúdios, que teve uma concepção e uma quantidade de recursos para a produção sem igual no mundo. “Em qualquer estúdio pode-se produzir com a qualidade do Projac, mas com um tempo absurdamente maior. A Globo precisa produzir novela com rapidez. Temos um processo produtivo muito dinâmico, porque as novelas são escritas com pouca antecedência, o autor escreve com base na reação do público.”

Outro destaque na trajetória do engenheiro foi a implantação da TV Digital, cujo processo de discussão técnica sobre o padrão a ser utilizado demorou quase dez anos, porque envolvia muito investimento e interesses diversos nas negociações. A Globo e a Sociedade de Engenharia e Televisão criaram um grupo de trabalho com o objetivo de estudar o assunto. Pesquisaram os padrões existentes na época, adotados nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. A Universidade Mackenzie de São Paulo foi contratada e montou um laboratório de pesquisa para fazer avaliações, que incluíram também testes práticos. A conclusão foi de que o sistema mais adequado era o japonês, que tinha uma característica considerada fundamental: a mobilidade, permitindo que o espectador receba o sinal fora de casa em aparelhos móveis, portáteis, no carro, nos celulares. Tomada a decisão, pelo governo brasileiro, em 2006, os técnicos da Globo, com o apoio de universidades, atualizaram o sistema, aperfeiçoando-o.

“O japonês usava mpeg 2 e nós já usávamos o mpeg 4, com muito mais qualidade na imagem. Fizemos um software brasileiro, chamado Ginga, e assim criamos o sistema nipo-brasileiro, o melhor do mundo em se tratando de TV digital”, explicou Fernando, acrescentando que uma das vantagens, que considera fundamental, é a mobilidade que a TV Digital possibilita.

Já em 1995, o Projac começou a trabalhar com câmeras e VTs digitais, mas não em alta definição (HD). A primeira novela em HD foi Duas Caras, transmitida a partir de dezembro de 1997. Segundo Fernando Bittencourt, o 'Jornal Nacional', por ter conteúdo de diversas fontes, no Brasil e no mundo, foi o programa que teve a transição mais complexa.

Em São Paulo, Brasília e em Recife foram instaladas novas torres; no Rio e em Belo Horizonte foi necessário aumentar as torres existentes e fazer uma complexa manobra no movimento das antenas. Desde 2013, toda a programação da Globo está em HD, à exceção dos programas antigos, como os da faixa 'Vale a Pena Ver de Novo'.

Ao comentar a evolução tecnológica da Globo nos últimos anos, Fernando Bittencourt chama atenção para a virtualização da produção, isto é, composições de cenários reais com cenários virtuais, por meio de efeitos especiais, e a adoção de câmeras de 35 mm. “Isso permitiu que as novelas tenham a qualidade de um filme de Holywood.” Citou também os investimentos feitos para permitir a captação ao vivo de matérias feitas pelo jornalismo da emissora, que inclui o kit correspondente (uma câmera pequena e um computador usados pelos repórteres para envio de matérias via internet); transmissão e enquadramento HD, câmeras super slow e câmeras voadoras, os drones, que permitem captar imagens aéreas.

Em 2013, Fernando Bittencourt assumiu a Direção Geral de Tecnologia da Globo. Além da Engenharia, a diretoria incorporou os departamentos ligados à Tecnologia de Informação. Com a TV Digital e a crescente interação entre a TV e a internet, a junção das duas áreas em uma única diretoria era uma evolução natural. Fernando Bittencourt passou um ano preparando sua equipe na Diretoria de Tecnologia para os novos desafios do mercado de produção e conteúdo audiovisual até que, em agosto de 2014, decidiu se aposentar. Assumiu o seu lugar o engenheiro Raymundo Barros.

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