Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Começar na profissão com o pé direito foi um privilégio para Evandro Mesquita. Na primeira vez em que se submeteu a testes para fazer teatro, foi aprovado e passou a integrar o elenco de um espetáculo emblemático na época: o musical Hair. O entrosamento com os colegas foi imediato. “Era um povo totalmente diferente do meu ambiente, dos meus amigos, mas eu sentia tanta paixão por estar ali. Era adolescente e apaixonado pela Sônia Braga“. A atriz, que aparecia nua em cena, despontava como uma estrela em ascensão na peça em que Evandro engatinhava nas coreografias.Com todo esse furor, Evandro Mesquita decidiu se profissionalizar. Namorado da atriz Zaira Zambeli, fez curso com mestres como Sérgio Britto e Klauss Vianna, que cuidava da preparação corporal dos iniciantes. Logo, foi convidado para fazer parte da peça Hoje é Dia de Rock, de José Vicente. “Era pura energia, pop e diferente de tudo o que eu tinha feito até então“. Evandro interpretou o personagem da vida dele: Elvis Presley. Foi neste período que o filho do funcionário de empresas de seguros, Marcos Porciúncula de Mesquita e da professora de literatura, Samira Nahid de Mesquita largou a faculdade de Educação Física para cantar, interpretar e divertir o público. E até hoje, a arte é a sua vida.  

Quero ter muito prazer no que faço profissionalmente. Televisão, teatro, música, literatura…enquanto der, vou me equilibrando.

Evandro Mesquita no Criança Esperança, 2016 — Foto: João Cotta/Globo

Início da carreira

Evandro Nahid de Mesquita começou a se interessar pelo teatro quando passou a frequentar a Sociedade Hípica Brasileira: “Meu pai tinha uma éguinha na hípica. Eu fazia judô e minhas irmãs faziam teatro. Eu passei a fazer uns exercícios de teatro e fiquei com as duas atividades, o judô e o teatro. Mas a arte falou mais alto“.

Depois de atuar em Hoje é Dia de Rock e A China é Azul , Evandro reencontrou parte do grupo que havia conhecido no curso de Sérgio Britto. Eram os atores Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé e Nina de Pádua, que o chamaram para participar do antológico Asdrúbal Trouxe o Trombone , em 1974. “Era a minha turma, pessoas da mesma geração, era a nossa galera. Todo mundo com meias verdades, meias ideias, que deu em uma coisa muito bacana que foi a peça Trate-me Leão, uma criação coletiva. A gente estava descobrindo ali uma forma brasileira de representação, desconstruindo o trabalho do ator, de impostar voz. O Asdrúbal foi a minha universidade de vida e de teatro". O elenco da trupe era formado também por Luiz Fernando Guimarães, Patrícia Pillar e Patricya Travassos, com quem foi casado.

Evandro conta que a linguagem do grupo era mais coloquial. O dinheiro arrecadado com a venda de ingressos era colocado em uma caixinha de requeijão e distribuído entre os atores. ”Era um grupo alternativo, do underground, que conseguiu furar bloqueios. Até hoje, vejo referências na televisão e no teatro".

A ligação de Evandro Mesquita com a música começou cedo. O pai era violonista clássico. O filho se encantou pelo instrumento e passou a ter aulas em casa. No entanto, o cantor não nega que achou chato os primeiros passos pelo erudito. “Queria aprender a tocar canções dos Beatles, de Roberto Carlos, Caetano Veloso. Não era raro economizar dinheiro da mesada para comprar discos dos Mutantes e dos Rolling Stones“.

Com a paixão pela música transbordando pelos poros, Evandro Mesquita tem a oportunidade de formar uma banda. Em 1981, surge a Blitz. O grupo se apresenta no Circo Voador, espaço de programação alternativa no centro do Rio de Janeiro, que passava a concentrar o movimento underground da cidade liderado pelo produtor cultural Perfeito Fortuna. “A gente conseguiu que o Circo pousasse no Arpoador e eram quase 24 horas de atividade. Tinha capoeira, aula de dança, teatro e a noite cabaré. Uma efervescência“.

Evandro conta como foi trabalhar com músicos como Fernanda Abreu e Lobão: “A primeira formação da Blitz não tinha as meninas. O Lobão, que ainda estava na bateria, escolheu o nome Blitz. O Police estava vindo ao Brasil e ele falou: ‘Bota Blitz, bota Blitz.’ E aí ficou o nome até hoje. A Fernanda Abreu foi nos apresentada por uma amiga em comum e a gente se apaixonou assim de cara. No Circo Voador já era essa formação: o Lobão na bateria e no baixo, o Antônio Pedro.” Fernanda Abreu e Márcia Bulcão entraram depois.

“Nessa época, gravar um disco era quase como ir a lua,“ ironiza o cantor. Com uma linguagem voltada para a juventude, os integrantes da banda entregaram o k-7 para a gravadora Odeon, aos cuidados de Mariozinho Rocha com o hit “Você não soube me amar“. A música estourou nas rádios. Na Globo, a Blitz participou dos programas Globo de Ouro, clipes no Fantástico e Cassino do Chacrinha. ” A gente querendo ver as chacretes, os artistas e o Chacrinha. Tudo podia acontecer. O Chacrinha te empurrava nos fãs, jogava bacalhau, era maravilhoso. Você saía com a alma lavada.”

A Blitz teve duas músicas censuradas: Cruel, cruel esquizofrenético blues e Ela quer morar comigo na Lua. Acabou em 1986. Um ano antes, a banda viajou para a Argentina, logo após ter se apresentado no Rock in Rio.

Entre 1984 e 1989, Evandro e a Blitz estreiam na Globo com Blitz Contra o Gênio do Mal. Com linguagem semelhante às histórias em quadrinhos, o programa foi um especial de aventura em que o vilão Kid Babalu ( Oswaldo Loureiro) desejava aproveitar o sucesso da Blitz e prendia os músicos em uma masmorra. “E eu ganhei uma campanha entre cantores e ídolos nacionais, para fazer uma propaganda de refrigerante com a Tina Turner em Los Angeles. Aí eu falei: ‘Pô, demais, me chamaram, que bom…’ e a banda ficou um pouquinho enciumada: ‘Por que que a gente não está?’ Mas ela tinha a banda dela. A relação entre a gente não ficou legal. A Blitz acabou por esses motivinhos assim, de namoro mesmo que acaba…”, conta. Começa aí a carreira solo de Evandro Mesquita.

Evandro Mesquita em Blitz Contra o Gênio do Mal — Foto: Nelson di Rago/Globo

Ainda em 1986, Evandro participou de Armação Ilimitada. Quase por acaso, comenta. Ele e a atriz Patricya Travassos escreveram o roteiro de um filme sobre a Blitz. O longametragem não vingou, mas a dupla acertou em cheio no seriado. “Tinha humor, tinha essa‚ ‘transgressãozinha‘ em cada episódio. A própria montagem de dois caras e uma mina, o Daniel Filho depois confessou que foi inspirado na Blitz”. Evandro contracenava com Andréa Beltrão ( Zelda), que era do grupo Manhas e Manias, surgido depois do Asdrúbal, Kadu Moliterno (Juba) e André Di Biasi ( Lula), amigo do cantor desde a adolescência.

Globo de Ouro: Blitz (1982)

Globo de Ouro: Blitz (1982)

Dramaturgia

Cambalacho, de 1986, foi a primeira novela de Evandro Mesquita na Globo. De autoria de Silvio de Abreu e direção de Jorge Fernando, Evandro interpretou o personagem Alcebíades, sósia do próprio ator, e dividia o palco com a Tina Pepper (Regina Casé), uma referência à cantora Tina Turner.

Top Model, de Antônio Calmon e Walther Negrão, foi a primeira novela que Evandro fez do início ao fim. Ele fazia o personagem Saldanha, melhor amigo do surfista Gaspar (Nuno Leal Maia) com quem tinha uma grande sintonia. “A gente malhava junto, brincava, ria e tinha essa liberdade de improvisar. Estreei bem.” O ator recorda que incentivou o autor a chamar surfistas do Rio de Janeiro para fazer ponta na novela, como Pedro Paulo Lopes, o Pepê, morto em abril de 1991 em um acidente de asa delta no Japão. “Não bastavam aqueles figurantes louros, segurando prancha na praia e muitas vezes, sem saber nadar. Foi bom botar a galera.”

Top Model: Tânia pede conselhos a Saldanha

Top Model: Tânia pede conselhos a Saldanha

Vamp

Depois de passar um ano na TV Manchete, Evandro voltou para a Globo, em 1991, e foi fazer a novela Vamp. Ele viveu Simão, o dono de um circo que vivia em uma comunidade hippie e contracenava com Beth Coelho e Otávio Augusto. “Lembro uma cena em que a gente tinha um leão cansado em uma jaula pequena e vinha tipo: ‘ Vou escovar o dente do leão’. Quando eu cheguei pertinho, o leão ficou desperto, com um olhar de ódio, de ‘eu vou matar esse desgraçado’ e eu desmaiei. Acho que isso nem foi ao ar, mas foi uma lembrança inesquecível.” A trilha sonora do personagem o Palhaço Simão, “Chacal Blues”, foi composta por Chacal, Evandro Mesquita, Lui e Wagner.

Em Mulheres de Areia (1993), o reencontro com Andréa Beltrão, atriz com quem tinha uma cumplicidade desde o teatro e do seriado Armação Ilimitada. O personagem de Evandro Mesquita, Joel Machado, era dono de um restaurante praiano e mantinha um relacionamento com Tonha (Andréa Beltrão).

Depois de mais uma breve passagem pela Manchete, Evandro voltou para a Globo na novela Malhação, em 1995, e em 1997, participou de Anjo Mau. Em 2001, na novela Estrela-Guia interpretou André, um engenheiro de sucesso, mas insatisfeito com a vida. Personagem meio hippie, típica caracterização do ator.

Em 2002 foi a vez de Desejos de Mulher, onde interpretou o caça-talentos Bill, um personagem que fingia ser gay para se aproximar das mulheres. “Eu sugeri ao Dennis [Carvalho] para botar o Bill com língua presa e o Dennis adorou, ria para caramba nos ensaios. Ele fingia que era gay para ficar mais perto das modelos e ver elas mudando de roupa. Ele ficava excitado, naquela euforia, no meio das modelos de três metros e meio de altura. E contracenar com Otavio Muller, Zé Wilker, foi sensacional.”.

Uma novela inusitada que Evandro Mesquita participou foi Bang Bang, de 2005. Ele fazia um pistoleiro chamado Billy The Kid e contracenava com Kadu Moliterno, o parceiro dele, Jesse James. No Velho Oeste de Bang Bang, a dupla Henaide (Evandro Mesquita) e Denaide (Kadu Moliterno) era um dos pontos altos da trama. A rotina de caracterização demorava cerca de duas horas entre maquiagem e troca de roupas. ” A gente montava a cavalo, dava tiros, brigava e se disfarçava de mulher. Duas horas e meia no estúdio para tirar sombrancelha; o sutiã tinha que ser com arroz para parecer mais verdadeiro. Era um peso! Quase três quilos no peito e a gente ia ficando no final da gravação quase que corcunda.”

As roupas e os coletes de veludo também eram fiéis à epoca. Parecia um filme de faroeste de verdade mas no verão, na cidade cenográfica… “Era um calor desgraçado e a gente com aquelas saias rodadas. A gente falava para a figurinista, Marie, ninguém vai ver esse peito de arroz, pelo amor de Deus. E foi assim, adaptando durante as gravações que eram interessantes, intensas e sofridas mesmo porque era verão”, lembra.

A Grande Família

Em 2006, Evandro foi convidado pelo diretor Maurício Farias para interpretar o Paulão em A Grande Família. Ele era um mecânico que errava os nomes dos personagens, o que tornava as cenas mais engraçadas. Agostinho Carrara (Pedro Cardoso) era o Augustus; dona Nenê (Marieta Severo), era dona Neném; Bebel (Guta Stresser) era Belbel; Lineu (Marco Nanini) era Irineu. “O Paulão parecia burro, mas tinha uma inteligência de vida. Uma sacada malandra. As pessoas na rua curtiam o Paulão. Tinha que improvisar. É um jazz sabe, você lança um tema e o cara do teclado vai no seu tema. Tem esse jogo com alguns artistas que flui sem combinar. Com muito respeito aos autores e atores, havia liberdade para se colocar uma coisa daquele núcleo. E a gente fazia muito bem, eu e Pedro, eu e Lucinho (Lúcio Mauro Filho). A gente tinha essa sintonia.”

Emocionado, Evandro lembra a gravação do último episódio do seriado. “O estúdio estava totalmente mudado. Em vez de, sei lá, seis câmeras, tinha 15… Tony Ramos, Lázaro Ramos, Glória Pires. A mesa da Dona Nenê (Marieta Severo) estava repleta desses atores com os nossos figurinos. Você se enxergar de longe, na pele de outra pessoa. Daniel Filho dirigindo. Estranho, né. Tinha uma tristeza de estar fechando esse ciclo. Eu sinto falta da Grande Família, do Paulão, das tiradas, das piadas e de contracenar lindo, leve e solto.”

Participações especiais

Evandro Mesquita teve várias participações especiais em programas da Globo. Em Por Toda a Minha Vida, sobre Chacrinha, ele lembra: “O Chacrinha foi fundamental na vida da Blitz, na vida do Brasil. Ele fazia uma desconstrução magistral e recebia desde Roberto Carlos, Caetano Veloso, Milton Nascimento como quem estava começando, os calouros. Era um espetáculo de qualidade e popular.”

Depois de integrar o elenco de A Grande Família, onde permaneceu por nove anos, o ator foi convidado a participar do seriado Tapas e Beijos. Ele mesmo deu a ideia de fazer o Mustafá, primo do seu Chalita (Flávio Migliaccio), um personagem que chega para criar confusões. Evandro ficou cerca de três meses no programa.“ Essa coisa de errar a palavra, de carregar no sotaque, traz um humor surpreendente para quem está contracenando. É um frescor. “

No remake da Escolinha do Professor Raimundo, Evandro Mesquita faz o personagem Armando Volta, que era interpretado por Davi Pinheiro, o Sambarilove, no programa comandado por Chico Anysio. “O interessante é que não há ensaio. A gente foi tendo uma cumplicidade e morria de rir da performance do outro, que alimentava a sua. E foi ótimo homenagear esses comediantes maravilhosos, que inspiraram tanto a gente”, destaca.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Depoimento de Evandro Mesquita sobre a Escolinha do Professor Raimundo (2016)

Depoimento de Evandro Mesquita sobre a Escolinha do Professor Raimundo (2016)

Cinema

Evandro Mesquita também fez cinema. Participou de, pelo menos, 15 filmes. O primeiro foi Menino do Rio. “O Não Quero Falar Sobre Isso Agora é o meu xodó. Ganhamos quatro prêmios.” O ator destaca também peças de teatro como Hoje é Dia de Rock, A China é Azul, Trate-me Leão, Esse Cara não Existe, entre outras.

Sonhos, o ator, redator, roteirista e cantor Evandro Mesquita tem muitos. Mas o essencial, para ele é fazer o que gosta: “Quero ter muito prazer no que faço profissionalmente. Televisão, teatro, música, desenho, literatura. Enquanto der, vou equilibrando.”

Mais do memoriaglobo
Projeto Resgate

Malhação reestreou em maio de 2001 com uma trama mais dramática que o habitual e investindo mais nas campanhas de responsabilidade social.

'Malhação Múltipla Escolha 2001' estreia no Globoplay  - Foto: (Memoria Globo)
Projeto Resgate do Globoplay

Adaptação de obra homônima de Antonio Callado, 'A Madona de Cedro' relata o drama de um homem religioso que contraria seus valores morais em nome do amor.

O roubo de uma obra de arte movimenta 'A Madona de Cedro' - Foto: (Jorge Baumann/Globo)
Dia de alegria!

A atriz Adriana Esteves nasceu no Rio de Janeiro. Estreou na Globo em um quadro do 'Domingão do Faustão', em 1989. No mesmo ano estreou em sua primeira novela, 'Top Model'.

Parabéns, Adriana Esteves! - Foto: (Ique Esteves/Globo)
O telejornal que acorda com o país

Com uma linguagem leve e informal, o telejornal informa as primeiras notícias do Brasil e do mundo para um público que acorda ainda de madrugada.

'Hora 1' completa 10 anos apostando no dinamismo e credibilidade  - Foto: (Arte/Memória Globo)
Fundador da TV Globo

O jornalista e empresário Roberto Marinho nasceu no Rio de Janeiro, em 3 de dezembro de 1904. Foi diretor-redator-chefe do jornal O Globo, aos 26 anos. Criou a TV Globo em 1965 e, em 1991, a Globosat, produtora de conteúdo para canais de TV por assinatura. Morreu em 2003, aos 98 anos.

Roberto Marinho nasceu há 120 anos: relembre a vida do jornalista e empresário - Foto: (Acervo Roberto Marinho)
"Quem cultiva a semente do amor..."

A novela exalta o poder feminino por meio da trajetória de Maria da Paz e traz uma história contemporânea de amor, coragem e esperança.

Relembre Maria da Paz, 'A Dona do Pedaço' - Foto: (João Miguel Júnior/Globo)
Projeto Fragmentos do Globoplay

A novela celebrava o centenário de morte de José de Alencar e se baseava em três obras do autor: A Viuvinha, Til e O Sertanejo.

'Sinhazinha Flô' teve Bete Mendes como protagonista  - Foto: (Nelson Di Rago/Globo)