Elias Gleizer participou de mais de 50 de novelas, especiais e minisséries na televisão brasileira, desde sua estreia na TV Tupi, em 1959. Foram diversos papéis consagrados pelo grande público. Talvez pelo seu porte físico, seu jeito de boa gente, a ternura dos gestos e o olhar doce, o fato é que o ator não escapava de personagens do tipo bonachão, adorado por todos. “Eu fiz mais de cinco novelas com crianças. Eu tenho cara de vovô. Mas fiz mais novela de padre. Como faço tudo com amor, com prazer, com essa gana, tudo que faço é o mais importante”, brincou, em entrevista ao Memória Globo. Das novelas com crianças, se destacaram 'Livre para Voar' (1984), um de seus primeiros trabalhos na Globo; 'Sonho Meu' (1993) e 'Era Uma Vez…' (1998), onde interpretou o vovô Pepe.
Início da carreira
Filho de imigrantes judeus poloneses, de pai sapateiro e mãe dona de casa. Aliás, Elias não; para dizer seu nome de batismo, geralmente ele precisava repetir a mesma historinha: “Quando estou numa repartição pública, na hora da entrega do documento, eles começam: ‘Pedro de Oliveira, Antonio de Souza, Joaquim Gonçalves…’ Quando percebo uma pausa de dois minutos, falo: ‘Sou eu’. Meu nome é Ilicz. Costumo dizer que houve só três Ilicz no mundo: Ilytch Tchaikovsky, Vladimir Ilyich Lênin e Ilicz Gleizer.”
A profissão de ator não era, definitivamente, o sonho dos pais dos anos 1940. Mas o sapateiro Abraão Gleizer era sensível e obrigou o filho a aprender violino. “Tive de aprender. Comecei a tocar violino com 8, 9 anos. Aos 12 anos, já estava tocando numa orquestra juvenil amadora. Papai ia lá, me via no meio de 40 crianças, e chorava”, relembrou.
O jovem Elias ensaiava no Instituto Cultural Israelita quando foi convidado pelo diretor para participar de uma peça teatral. Foi com a intenção de experimentar, mas acabou gostando. “Sou persistente. Conforme ia faltando alguém, eu ia fazendo o papel do outro, até que fui o protagonista. Participamos de um festival de teatro amador, em 1956, e ganhei o prêmio. Em 1955, quem ganhou foi o Gianfrancesco Guarnieri. Era um festival de teatro seríssimo”, classificou.
Não demorou e, em 1959, foi trabalhar na TV Tupi. Fez pontas, até chegar ao especial 'José do Egito', seu primeiro trabalho expressivo. A primeira novela na emissora foi em 1964, 'Se o Mar Contasse', de Ivani Ribeiro: “Naquele tempo, a TV era movida à lenha. A novela passava três vezes por semana e era ao vivo. Você recebia o capítulo um dia antes, ensaiava antes de ir para o ar, então aconteciam milhões de coisas. Tinha que improvisar, o ator tinha que ser ator".
Trabalhou na Tupi até 1978, ano em que atuou na novela 'Salário Mínimo', de Chico de Assis. Foram mais de 20 novelas e especiais importantes, entre tantas outras pontas e participações, como em 'Nino, o Italianinho' (1969), de Geraldo Vietri e Walther Negrão. Mas ele não guardava predileção por nenhum de seus personagens. Pelo simples fato de que sempre teve a consciência de colocar a profissão em primeiro plano. “Nunca recusei papel, nunca. A gente fazia com tanto amor, com tanto carinho, que tudo era importante. Não tem como destacar isso ou aquilo. Hoje você era o protagonista, amanhã fazia uma ponta, uma figuração. E você fazia da mesma maneira, de tanto amor que tinha por aquilo”, acredita.
Mas o fato de ter atuado tanto tempo e em tantas telenovelas ao vivo fez a diferença. “Fazer ao vivo foi importantíssimo. Até hoje tem novelas que o autor entrega o capítulo quase na hora, no dia, e o elenco faz. Mas tem de ser ator”, ensina. Após tantos anos na emissora, Elias Gleizer teve rápidas passagens pela TV Bandeirantes e pelo SBT, de 1980 a 1983. Atuou, entre outras produções, na novela 'Meu Pé de Laranja Lima', de Ivani Ribeiro, e no seriado 'Dona Santa', quando viveu um padre e contracenou com a atriz Nair Bello.
Chegada à Globo
Elias Gleizer estreou na Globo em 1984, convidado pelo autor Walther Negrão para atuar em 'Livre para Voar'. “Walther, meu amigo do início de Tupi, falou assim: ‘Elias, estou escrevendo uma novela que é a história do meu pai. Ele era maquinista da estrada de ferro. Eu queria que você fizesse esse papel’. Aceitei e comecei a gravar. Fiz uma novela maravilhosa, foi muito bem”, contou.
Mais uma rápida passagem pelo SBT, para atuar em 'Uma Esperança no Ar', de Amilton Monteiro e Ismael Fernandes, e Elias Gleizer foi escalado para outra novela na Globo, 'Direito de Amar' (1987), de Walther Negrão e Alcides Nogueira. Ele guardou boas recordações da produção dessa novela. “Eu fazia o dono de uma confeitaria. Foi um dos cenários mais lindos que eu já vi. Fizeram mais ou menos a Confeitaria Colombo, um luxo, uma coisa de louco. Era uma novela linda de época. E sempre dei sorte, sempre fiz sucesso”, lembrou.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc novela - 'Tieta' (1989)
Em 'Tieta' (1989), de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, viveu uma aventura que até hoje lhe traz gargalhadas e saudades: “Gravamos em Mangue Seco, na Bahia. Não tinha estrada, tínhamos que ir por Sergipe e atravessar o Rio Real para chegar.” Ele lembra que mal cabia no barco que o levou para o local de filmagem, e que, no primeiro dia, foi aconselhado por Reginaldo Faria a não beber água, sob risco de disenteria. Tomava água de coco todos os dias. No hotel, o chuveiro da suíte batia na altura de seu pescoço. Mas o cenário era deslumbrante. Na trama, vivia um motorista de ônibus, que chamava carinhosamente de Marinete.
'Tieta' (1989): Os "Quatro Cavaleiros do Apocalipse"
Papéis de destaque
A lista de novelas das quais participou é extensa. Atuou, por exemplo, em 'Explode Coração' (1995), de Gloria Perez, primeira novela gravada inteiramente no antigo Projac, atual Estúdos Globo. “Estou presente em tudo, sou que nem arroz de festa. Doutor Roberto Marinho veio inaugurar os estúdios, bateu a claquete. Essa foi a primeira novela no Projac. Achei aquilo maravilhoso, fora de série. Para quem começou na Tupi, dividindo estúdio com o jornalismo… E, já prevendo, me mudei para lá”, contou.
O ator também tinha boas lembranças do trabalho em 'Chiquinha Gonzaga' (1999), de Lauro César Muniz e Marcílio Moraes, pelo prazer de fazer uma minissérie. “Minissérie é feita com mais calma, mais cuidado, com mais esmero. Você pode estudar mais, tem um pouco mais de tempo. Novela, não: entrou o primeiro capítulo, o terceiro já está atrasado. É aquela pauleira”, comenta
Em 'Terra Nostra', de Benedito Ruy Barbosa (1999), foi escalado para o papel de Padre Olavo, mais um em sua carreira. Ele adorou. “Só que esse padre era diferente, era italiano. Sotaque italiano é a minha especialidade. Fazer sotaque é comigo”, garante, acrescentando que fala 12 idiomas. Ainda sobre o personagem recorrente em sua carreira, faz questão de contar: “Na época da Tupi, eu já fazia padre. Em 'Rosa dos Ventos', acho que fazia um padre. Eu ia à padaria vestido de padre, ia comer um sanduíche; passavam as meninas, e eu as cantava, paquerava, vestido de padre”, relembra.
'Terra Nostra' (1999): Gumercindo discute com padre Olavo
Outra novela marcante foi 'Caminho das Índias', de Gloria Perez, a primeira a vencer o Prêmio Emmy, em 2009. Na trama, Elias Gleizer viveu o Seu Cadore, que sofria com a falsa morte de um dos filhos e a esquizofrenia do neto querido. “Essa foi maravilhosa. Eu estava muito bem cercado. Foi um grande desafio”, pontua. O ator acha extremamente oportuno que as novelas levantem questões polêmicas, uma marca dos textos de Gloria Perez. No caso de 'Caminho das Índias', a esquizofrenia ganhou os holofotes. “Acho isso importantíssimo. A televisão é importantíssima para tudo. Ela levou progresso para o mundo todo. Depois que apareceu a televisão, todo mundo sabe de tudo”, acreditava.
Em 2010, emendou duas novelas: 'Tempos Modernos', de Bosco Brasil, e 'Passione', de Silvio de Abreu. Três anos mais tarde interpretou o cigano Manolo em 'Flor do Caribe' (Walther Negrão). Além do trabalho em novelas e minisséries, Elias Gleizer também fez participações na novelinha teen 'Malhação' e no humorístico 'Zorra Total'. Mesmo dizendo não gostar de fazer cinema, atuou em 'Didi Quer Ser Criança', dirigido por Alexandre Boury e Fernando Boury, com Renato Aragão (2004).
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O ator morreu no dia 16 de maio de 2015. Ele desenvolveu um quadro de falência circulatória em função de uma broncopneumonia.
Fontes