Denise Sobrinho parece ser a pessoa certa para começar uma nova missão. Na chefia de redação dos telejornais de rede em São Paulo, essa carioca implementou programa comunitário para os domingos de manhã, reality show semanal, jornalístico sobre saúde e até um canal por assinatura. Polivalente, foi de cinegrafista a repórter no início da carreira, mas a edição e as diversas chefias que ocupou se tornaram suas funções mais constante nesse tempo todo. Passou pela afiliada da Bahia e chefiou o escritório de Nova York, além de ter trabalhado pelas redações do Rio de Janeiro e de São Paulo. Contudo, foi para o jornalismo factual que ela sempre retornou.
A lista das suas coberturas importantes é imensa. Vai de eleição surpreendente ao governo da Bahia, em 1982, em que um dos candidatos morreu num acidente pouco tempo antes do pleito, aos atentados contra as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, passando pela Lava Jato, entre outras. Isso passando por todos os principais telejornais e programas jornalísticos da emissora. Uma trajetória incansável. “Gente, não parei de trabalhar”, como ela mesma disse em depoimento ao Memória Globo.
Quase toda a vida profissional de Denise Cunha Sobrinho se passou dentro da Globo. Apenas em um pequeno momento ainda na faculdade, a jornalista nascida na Tijuca em 1º de agosto de 1958, filha do um militar, Ailton da Silva Sobrinho, e da arquiteta Selma Cunha da Silva Sobrinho, experimentou outros trabalhos e formatos. Um deles foi para revistas da Editora Bloch. “Fazia entrevistas com os artistas da época, mais badalados, o Fábio Jr., a Susana Vieira, Lucélia Santos”.
No último ano da faculdade, os amigos a incentivaram a tentar uma das vagas de estágio na Globo. Mesmo que o sonho de Denise fosse ser jornalista de veículo impresso, ela se candidatou. E passou. Foram oito meses de estágio em que ela se apaixonou pelo veículo de maneira que, ao fim do projeto, ela estava decidida: queria ser jornalista de TV.
Estágio e passagem pela Bahia
A partir de um projeto da então diretora Alice-Maria, os profissionais recém-formados tinham aulas teóricas, práticas e passavam por um rodízio entre os telejornais. Aprendiam a ser editores de texto e vídeo, repórteres, produtores, cinegrafistas e até a mexer em moviolas (equipamento para montagem de película cinematográfica). “A maioria da produção ainda era de filme e, das afiliadas, nem se fala.” O mais difícil mesmo era aprender o texto para TV, muito mais coloquial.
Ao fim do período de estágio, partiu para a TV Aratu, então afiliada da Globo na Bahia. Num período curto e difícil, ela chegou a ser cinegrafista. Munida de curiosidade e uma dose de atrevimento, logo passou à reportagem. Só chegou à edição de texto, seu objetivo inicial, quando o filho nasceu, em 1984.
Na TV Aratu, fez coberturas como a surpreendente eleição para o governo baiano, em 1982, as primeiras desde o golpe de 1964. O candidato que Denise acompanhava diariamente, Clériston de Andrade, do PDS, afilhado político do cacique Antônio Carlos Magalhães e que estava bem atrás das pesquisas, morreu em um acidente de helicóptero, pouco tempo antes do pleito. “Parece um pouco com o que aconteceu com o Eduardo Campos.” Ao fim, o candidato que o substituiu, João Durval Carneiro, também apoiado por ACM, foi quem ganhou a disputa.
Foi lá também que Denise conheceu Hermano Henning, ex-correspondente internacional, e o repórter-cinematográfico Luis Demétrio Furkim, dois dos seus grandes professores. “Eu não tenho dúvida de que nós pegamos uma época áurea da TV Aratu.”
A volta ao Rio
Com filho pequeno e longe da família, Denise decidiu voltar para o Rio. Após alguns percalços, ela ficou responsável pela então seção de cultura no 'RJ1'. Com a falta de recursos à época, teve que improvisar. Criou uma série de perfis dos artistas que vinham para o Free Jazz Festival, e teve uma surpresa: José Roberto Marinho, vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho, a convidou para apresentar esses perfis também na Rádio Globo FM.
Denise foi ainda uma das responsáveis por conduzir o 'A Palavra é Sua', programa dominical que tinha como intenção atender às demandas mais emergenciais da população, um precursor do 'Globo Comunidade'.
Ao mesmo tempo em que trabalhava para o 'A Palavra é Sua', a jornalista também editava para o 'Jornal Hoje'. Era a época de Leda Nagle como apresentadora, com extensas entrevistas aos sábados, uma cobertura forte de cultura, bastante liberdade nas abordagens a assuntos polêmicos e experimentações de formatos. “Eu acho que eu nunca senti nenhum tipo de censura, ao contrário, em termos de criação, de formato, de inventar, de colocar coisas diferentes no ar, você tinha todas as possibilidades.”
O próximo passo: 'Jornal Nacional'
Rigor e aprendizado. A alta exigência do 'Jornal Nacional' fez com que Denise tenha crescido profissionalmente para dar conta do recado. Sua primeira reportagem no mais prestigiado telejornal brasileiro já mostrava o potencial. Ela havia feito o obituário sobre a morte do apresentador Chacrinha para o 'Jornal Hoje'. A diretora Alice-Maria havia gostado tanto do texto que exigiu que ela também fizesse para o 'Jornal Nacional'.
No 'JN', Denise participou de várias reportagens sobre marcos da história recente, como o naufrágio do Bateau Mouche, no último dia de 1988, a onda de sequestros durante o governo Moreira Franco (1987-1991), o caso do Césio 137, ou as grandes enchentes de 1988 e 1989. “Tem uma matéria da Glória Maria, que eu editei para o 'Jornal Nacional', sobre um passista da escola da Acadêmicos da Rocinha. A casa dele foi arrastada, morreu todo mundo, mas ele não estava em casa. Quando ele chegou não tinha mais nada. A única coisa que sobrou foi o sapato dele do desfile, aquele sapato de passista”, relembra Denise.
Na década de 1990, ela também fez o programa 'Carnaval Nota 100', que passava no mesmo horário do 'A Palavra é Sua', no período anterior ao carnaval. Era apresentado por Fátima Bernardes e tinha como repórter Sandra Moreyra. Igualmente desse período foi o 'Fique por Dentro'. “Foi uma ideia do [Carlos Henrique] Schroder de explicar, no intervalo ao longo do dia, uma notícia que as pessoas, em geral, não entendem”.
A pausa no jornalismo diário
Em 1991, Denise foi convidada por Leticia Muhana para implementar o canal por assinatura GNT. “Uma coisa que eu adoro, até hoje, é participar de novos projetos, é implantar coisa nova”.
No início o GNT era mais parecido com a atual GloboNews, com documentários e um telejornal que passava de hora em hora. “O primeiro programa que foi ao ar, na estreia, sobre o Martin Luther King, eu traduzi, legendei, fiz tudo”. Ficou os oito meses de gestação, depois voltou para a Globo, direto para o 'Globo Repórter', onde trabalhou com Jorge Pontual, então editor-chefe, e Teresa Cavalleiro, na época chefe de redação.
Denise também dirigiu programas sobre assuntos pesados, como os desaparecidos políticos, camponeses sem terra, prostituição infantil e a chacina de Vigário Geral. E mais leves também, como sobre ciganos – que inspirou a autora Gloria Perez a escrever a novela 'Explode Coração' – ou sobre os 30 anos da Jovem Guarda. “As histórias iam se ligando com músicas e a [repórter] Neide [Duarte] fazia as passagens sempre super produzidas em relação às músicas”.
Foi a partir do 'Globo Repórter', explica Denise, que houve uma renovação da linguagem visual da Globo. Segundo ela, a editora de imagens Suzy Altman veio de Londres para participar do programa e injetou influências da MTV. “A Globo não usava ainda, nem mesmo no esporte, edições com música, com efeitos, com picotes. A diferença do que ela fazia para o que os outros faziam era muito gritante”.
Temporada internacional
Em 1997, Jorge Pontual, na época chefe do escritório de Nova York, chamou Denise para trabalhar nos EUA. Lá, teve que enfrentar uma cultura diferente, com dificuldades inéditas. “Não era fácil você conseguir reportagens exclusivas, uma entrevista exclusiva. Essa produção era sempre bem complicada. Claro que a gente acabava conseguindo, mas com muito esforço.”
A chegada de Evandro Carlos de Andrade à direção de jornalismo da Globo também mexeu com a tradição do escritório. Evandro instituiu um rodízio de produtores e editores nas sucursais para manter um olhar brasileiro, sem vícios estrangeiros. “Porque senão você começa a pensar que nem o americano”, explica Denise.
No ano seguinte, houve o massacre de Columbine. O repórter Roberto Cabrini vai para a cidade e consegue falar com sobreviventes e familiares das vítimas. “É a cobertura mais legal que você consegue fazer no exterior, como correspondente: quando você vai ao local e está dentro da situação, vivencia o fato e consegue reportar para o público brasileiro a história”.
A volta para o Brasil e mais projetos
O retorno para o Brasil foi um processo lento. Evandro Carlos de Andrade pediu ideias para Denise para reformular o 'Jornal da Globo'. Ela juntou uma equipe local e todos começaram a discutir como modernizar o telejornal. A opção era vir para São Paulo, mas, como Denise estava grávida, não queria ficar longe da família. Criaram, então, um cargo de gerente de projetos, no Rio. Em agosto de 2000, Denise estava de volta.
O primeiro projeto foi o reality show 'No Limite', responsabilidade da Central Globo de Produções (CGP). “Eu tinha que fazer todo o cross media do programa, as chamadas nos diversos jornais, nos diversos programas, no Vídeo Show, enfim, a divulgação”. Em seguida, trabalhou no programa 'Rock in Rio', com Márcio Garcia, sobre o festival homônimo.
O carnaval também ficou sob sua alçada. “Foi o primeiro carnaval da bolha, também foi o primeiro carnaval que o Cléber Machado narrou”. Jayme Monjardim cuidava da parte de concepção artística e ela, do jornalismo. Foi sua área que cuidou dos clipes das agremiações, pela primeira vez – antes ficava a cargo da Central Globo de Produções. “Gravamos no estúdio, os integrantes todos vestidos, sem brilhos e paetês, com roupas de comunidade, e misturamos com imagens de todo mundo nas suas comunidades, imagens jornalísticas. Não era um clipe rico, era um clipe pobre, mas com cara de jornalismo”.
'Jornal da Globo' e o 11 de Setembro
Evandro Carlos de Andrade morreu em 2001, causando uma mudança de peças das chefias. O novo diretor, Carlos Henrique Schroder, pediu para Denise assumir o 'Jornal da Globo'. Ela disse sim. “Lá fui eu, com dois adolescentes, um bebê e uma babá, embora para São Paulo”.
Denise chegou à redação de São Paulo em agosto de 2001, apenas três anos depois da sua inauguração, e logo se sentiu confortável, trabalhando com amigos e conhecidos. No dia 11 de setembro de 2001, porém, veio o batismo na casa nova. No fatídico dia, seu filho do meio a acorda cedo, para quem trabalhava sempre até a madrugada, dizendo que estavam derrubando o World Trade Center. Assustada, ela liga para Ana Paula Padrão e as duas correm já de manhã para a redação.
Ao chegar, ela percebe a movimentação frenética. “O então diretor de jornalismo da Globo São Paulo, Amauri Soares, estava no switcher comandando a cobertura, ligando para a Simone Duarte lá em Nova York, a chefe do escritório, que tinha chegado primeiro. Ela começou a dar informação e a Ana Paula e o Carlos Nascimento entraram no ar e passaram a manhã toda narrando os acontecimentos”. Foi um dos dias mais intensos da sua carreira. “A gente ficou lá até o 'Jornal da Globo'”.
O horário do 'Jornal da Globo'
O ano de 2001 ainda reservava muitas emoções profissionais. Usando a desculpa dos ataques às Torres Gêmeas, os EUA resolveram invadir o Iraque. Coincidentemente os bombardeios aconteciam no horário do 'Jornal da Globo'. “A gente fazia plantões durante a noite.”
No ano seguinte, mais uma vez, o horário do 'Jornal da Globo' era uma vantagem para a cobertura. A Copa de 2002 aconteceu no Japão e na Coreia do Sul, com um fuso de quase 12 horas de diferença. Perfeito para o telejornal que adentra a madrugada.
Depoimento - Denise Cunha Sobrinho: Copa do Mundo da Coreia e do Japão (2002)
O 'Jornal da Globo' também acompanhou desde o primeiro momento o caso do prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, que foi sequestrado e morto enquanto estava no cargo. “Nós demos na abertura do jornal e falamos: ‘Mais informações ainda nessa edição’. E aí foi aquela correria para fazer perfil, para tentar apurar mais alguma coisa”.
O retorno para o 'Globo Repórter'
Denise saiu do 'Jornal da Globo', retornou para o 'Globo Repórter' e pegou logo de cara o programa em comemoração aos 450 anos da cidade de São Paulo, em 2004. Escolheram dois repórteres de peso, Ernesto Paglia e Graziela Azevedo, e contaram essa história a partir das pessoas que moram e que foram para São Paulo, interligando as narrativas.
Apaixonada por temas instigantes e delicados, ela também foi a responsável por programas como o que mostrava pessoas que perderam coisas muito importantes e conseguiram superar essas ausências profundas. Ou o sobre abuso sexual infantil, premiado, com Delis Ortiz como repórter e o cinegrafista Dennys Leutz. “Eram histórias de crianças abusadas sexualmente, crianças abandonadas, casos horríveis de pedofilia. É difícil você ficar muito frio ou impassível diante disso”.
Chefe de redação
Quando Carlos Henrique Schroder a chamou para ser a chefe de redação dos telejornais locais em São Paulo, Denise não teve como negar. Era 2005. “A gente percebeu que precisava se aproximar mais do nosso público telespectador”, explicou Denise, lembrando que os telejornais de São Paulo têm uma audiência considerável.
Um dos projetos para tentar dar a cara de São Paulo para os telejornais foi o 'São Paulo na Mesa', que elegeu a pizza como o prato mais característico da cidade. Outro foi o 'Rios de São Paulo', sobre a limpeza do rio Tietê, cuja ideia foi “exportada” para outras praças, e rendeu o 'Respirômetro', para medir a qualidade do ar na cidade, o 'Verdejando', que plantava mudas de árvores na capital, e o 'Anda São Paulo', sobre mobilidade urbana. Os projetos colheram vários prêmios.
Nem tudo são alegrias. O seu período de chefe de redação coincidiu com uma série de tragédias em São Paulo, como o acidente da obra do metrô ou a queda do avião da TAM, em que eles tiveram que manter a transmissão ao vivo, ininterruptamente. Além disso, houve também casos traumáticos, de repercussão nacional, como a morte da menina Isabella Nardoni e o sequestro e morte de Eloá Cristina, ambos em 2008. “O [repórter] César Galvão estava bem posicionado e, na hora em que há o tiro [em Eloá], a gente estava ao vivo e deu em primeira mão”.
Mais projetos e nova chefia
Em 2011, Denise foi chamada outra vez para criar mais um programa, dessa vez, o 'Bem Estar'. A ideia era montar um jornalístico mais leve, ligado à saúde, com médicos de credibilidade, para passar em todas as manhãs. Foram muitas reuniões, uma série de adaptações e mais de um ano para conseguir implantar. Ao fim, o resultado esperado, e a volta para o jornalismo factual.
Dessa vez, Denise assumiu a chefia de redação dos telejornais de rede em São Paulo e começou cobrindo os escândalos da Alstom e da Siemens, emendou com o carnaval, passou para a Copa do Mundo de 2014, adentrou a complicada eleição do mesmo ano, que teve até a morte do candidato Eduardo Campos e os altos e baixos do Ibope dos demais políticos, além de cobrir os reflexos da Lava Jato em São Paulo.
Em 2014, a jornalista também colaborou na supervisão da criação do 'Hora 1', primeiro telejornal de rede a ir ao ar de manhã.
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Denise Sobrinho deixou a emissora em maio de 2019.
FONTE:
Depoimento de Denise Sobrinho ao Memória Globo em 28/11/2014 e 08/12/2014. |