Por Memória Globo

Cicero Rodrigues/Memória Globo

Filho de imigrantes italianos, Antonio Calloni nasceu no bairro da Liberdade, em São Paulo, e começou a estudar teatro ainda adolescente. Quando estava em cartaz com a peça ‘Velhos Marinheiros’, em 1985, foi convidado a fazer um teste para a minissérie ‘Anos Dourados’, exibida no ano seguinte. Passou e seguiu sua carreira na emissora, com papéis marcantes em novelas como ‘O Salvador da Pátria’ (1989), ‘Zazá’ (1997), ‘Terra Nostra’ (1999), O Clone (2001) e ‘Éramos Seis’ (2019). Participou também de outras minisséries de sucesso, entre as quais ‘Um Só Coração’ (2004), ‘Justiça’ (2016) e ‘Dois Irmãos’ (2017). Dentre muitos prêmios, o ator ganhou, em 1990, o Molière pela atuação na peça ‘A Secreta Obscenidade de Cada Dia’ e o Kikito de Melhor Ator, em 2006, pelo desempenho no filme ‘Anjos do Sol’. Antonio Calloni é, também, escritor, com romances e livros de poesias e contos publicados. 

Depoimento de Antonio Calloni ao Memória Globo, 2023 — Foto: Cicero Rodrigues/Memória Globo

Início da carreira

Filhos dos italianos Laura Gianneschi Calloni e Ennio Pietro Calloni, casal que veio para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial, Egizio Antonio Calloni é um paulistano nascido no bairro da Liberdade em 6 de dezembro de 1961.  Por sua ascendência, foi alfabetizado primeiro na língua dos pais, só aprendeu português na escola e cresceu em meio a muita cantoria, comida e vinho. 

“Tive uma infância muito imaginativa. Desde pequeno, minha cabeça não parava de pensar, eu costumava brincar sozinho com os amigos imaginários. (...) Tinha amigos, brincava, me relacionava bem, mas eu tinha muito essa coisa de brincar sozinho, de exercer a minha imaginação. E era muito legal. A minha infância foi recheada também dessa cultura italiana operística, as festas de família com muita cantoria, muita comida, muito vinho. Então, foi uma infância muito rica, muito saudável.” 

Apesar da influência da televisão em sua infância, momento em que o trabalho dos atores já o intrigava, a formação dramatúrgica de Antonio Calloni veio do teatro. Primeiro com a professora Célia Helena, firme e carinhosa, e depois com o enérgico e imprevisível Antunes Filho. Os dois mestres foram fundamentais para o desenvolvimento de sua carreira.  

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, em 08/05/2023, o ator Antonio Calloni fala sobre sua infância e os primeiros contatos com o teatro.

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, em 08/05/2023, o ator Antonio Calloni fala sobre sua infância e os primeiros contatos com o teatro.

Como o início do aprendizado se deu aos 17 anos, foi difícil conciliar o estudo tradicional com o universo cênico. Antonio Calloni até se interessou por Ciências Exatas em determinado período, depois passou a cursar Sociologia na Universidade de São Paulo, mas acabou jubilado, por excesso de faltas. Seu pai, que não havia conseguido terminar Arquitetura na Itália, em função da guerra, e trabalhava no Brasil como mestre de obras, ficou preocupado, por achar a profissão de ator arriscada. Porém, da mesma forma que a esposa, nunca colocou entraves para a realização do sonho do filho. 

Depoimento de Antonio Calloni ao Memória Globo, 2023 — Foto: Cicero Rodrigues/Memória Globo

Estreia no teatro

A peça de estreia de Antonio Calloni se chamava ‘Barra do Jovem’, uma criação coletiva do Grupo Quem Está Vivo Sempre Aparece, encenada em 1980. Cinco anos depois, quando, sob direção de Ulysses Cruz, participava da montagem de ‘Velhos Marinheiros’, de Jorge Amado, o ator foi visto por Graça Mota, à época produtora de elenco na Globo. Ela o convidou para um teste na emissora e, pouco tempo depois, Antonio Calloni se integrava a um elenco muito jovem que protagonizou um grande sucesso da TV, a minissérie ‘Anos Dourados’ (1986), de Gilberto Braga.  

Em ‘Anos Dourados’ teve uma coisa muito curiosa, porque eu não lembro de ter feito leituras, preparação. (...) Eu lembro de ter ido gravar já no primeiro dia, curioso! E foi tão mágico. Uma cena marcante que teve na série foi a cena em que a gente encontra um passarinho ferido no chão, foi a primeira cena que a gente gravou. Éramos Marcos [Felipe Camargo], Urubu [Taumaturgo Ferreira] e Claudionor, que eu fazia, e a gente acha um passarinho ferido no chão e começa a cuidar dele. Uma cena dos três em volta do passarinho, cuidando. E você sentia que eram três amigos de verdade. Foi uma coisa mágica, porque deu certo, a gente não fez preparação, nada”, relembra Calloni. 

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, em 08/05/2023, o ator Antonio Calloni fala sobre sua estreia na Globo, na minissérie 'Anos Dourados', em 1986.

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, em 08/05/2023, o ator Antonio Calloni fala sobre sua estreia na Globo, na minissérie 'Anos Dourados', em 1986.

Novelas

Em 1986, o ator teve sua primeira experiência em novelas, em ‘Hipertensão’, de Ivani Ribeiro. Na trama, ele deu vida a Fratello, um faz-tudo do grupo de teatro mambembe. Três anos depois, embarcou em sua primeira novela no horário nobre. Em ‘Salvador da Pátria’, de Lauro César Muniz, o ator interpretou Tomaz Siqueira, secretário e amigo de Juca Pirama (Luis Gustavo). Tomaz era um homem dúbio, que tinha ligações criminosas, reveladas ao longo da trama. 

Antonio Calloni em Hipertensão, 1986 — Foto: Bazilio Calazans/Globo

Em ‘O Dono do Mundo’ (1991), de Gilberto Braga, o ator ganhou a chance de atuar ao lado de Fernanda Montenegro, no papel do português William, cujo sonho era que uma bela jovem se apaixonasse por ele, sem interesse em sua fortuna. Olga, personagem de Fernanda Montenegro, é quem faz a ponte amorosa com Taís (Letícia Sabatella).

“A memória que eu tenho desse trabalho é Fernanda Montenegro, por vários motivos. Além de ser uma das melhores atrizes do mundo, é uma pessoa incrível, gosta de viver e sabe viver. Ela gosta da vida, ponto. Além disso, é inteligente, bem-humorada, tem um talento incrível e não faz pose de grande atriz, de primeira-dama, vai trabalhar com prazer, com energia. É uma figura fantástica.” 

Antonio Calloni e Fernanda Montenegro em O Dono do Mundo, 1991 — Foto: Arley Alves/Globo

Antonio Calloni voltaria a contracenar com Fernanda Montenegro em ‘Zazá’ (1997), de Lauro César Muniz. Era Milton, um dos sete filhos da protagonista, todos sem talento. Seu personagem se considerava “um cineasta”. O ator emendou outra novela, ‘Era uma Vez...’, de Walther Negrão, exibida em 1998. Maneco Dionísio era companheiro de cena de Drica Moraes, que interpretou a protagonista Madalena. Os amigos gravaram em Barcelona, Espanha, como estátuas vivas, já que seus personagens eram artistas de rua. Como a câmera estava escondida, os dois receberam moedas de verdade de quem passava. 

No ano seguinte, ele foi um imigrante italiano em ‘Terra Nostra’ (1999), de Benedito Ruy Barbosa, que se passava no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Na trama, Bartolo era marido de Leonora (Lu Grimaldi), com quem protagonizou uma das cenas mais marcantes da novela. O casal estava vindo para o Brasil a bordo de um navio que transportava centenas de camponeses italianos. Durante a viagem, a peste se alastrou no navio, e a filha do casal, um bebê, parecia estar morta. Quando seria jogada ao mar, a menina despertou e foi salva.

"Foi tudo muito real, foi um momento... Nossa, muito real. Quando ele acha a filha no porão do navio, desmaiada nos braços da mãe, que estava se escondendo para não jogarem a filha ao mar, porque achava que estava morta, foi muito impressionante. O bebê estava dormindo, com o pescoço meio caído, dando a sensação de que estava morta realmente. E o Bartolo desesperado pedindo para ela dar a criança, para ele jogar a criança no mar, porque ela não podia ficar com a peste, ela não podia passar essa peste. E a criança nua no colo da Lu Grimaldi, nossa... Era uma imagem muito impressionante. E, de repente, a criança começa a chorar. (...) Então, muda do desespero para a alegria. (...) Então, nossa, foi muito tocante essa cena, não só para a gente que fez, como para quem a assistiu. Eu lembro da repercussão que teve. Essa cena foi fantástica.” 

Antonio Calloni em Terra Nostra, 1999 — Foto: Jorge Baumann/Globo

Ainda no papel de Bartolo, o ator acabou descobrindo, numa gravação no Memorial do Imigrante, em São Paulo, referências a seu bisavô.  

A primeira das muitas parcerias que faria com Gloria Perez aconteceu logo depois, em ‘O Clone’ (2001), novela em que interpretou Mohamed. “Mohamed é um sucesso, até hoje recebo e-mails, mensagens através do Instagram, de vários lugares do mundo, principalmente da Rússia. É engraçado isso, a Rússia ama ‘O Clone’. Acho que, em termos de sucesso, foi o personagem que mais teve repercussão”, avalia. 

Antonio Calloni em O Clone, 2001 — Foto: Gianne Carvalho/Globo

Da mesma autora, fez ‘Caminho das Índias’, em 2009, vencedora do Emmy, e ‘Salve Jorge’, em 2012, novela em que parte das gravações ocorreu na Turquia. “Foi uma experiência, uma imersão muito interessante, muito importante. Aprendi algumas palavras: ‘çok teşekkür ederim’, que é muito obrigado. Você não tem referência, é uma língua muito difícil”, lembra Calloni. 

Em 2019, o ator interpretou um personagem que o sensibilizou de maneira especial: o patriarca Júlio Abílio de Lemos, no remake de ‘Éramos Seis’, adaptação de Ângela Chaves para o romance de Maria José Dupré. A humanidade de Júlio, um homem comum que desejava o bem dos filhos e da esposa, queria ter dinheiro para alimentar essa família, almejava progredir na vida, o tocou. “O Júlio me sensibilizou de uma maneira como poucas vezes na vida”, destacou. 

Antonio Calloni em Éramos Seis, 2019 — Foto: Raquel Cunha/Globo

Durante a pandemia de Covid-19, Antonio Calloni participou da preparação do elenco da novela ‘Além da Ilusão’ (2022), de Alessandra Poggi. As primeiras leituras foram realizadas online e, em seguida, de forma presencial, mas com obediência a um rígido protocolo de segurança. Seu personagem, Matias, era um juiz poderoso que ficou muito abalado pela morte da filha e acabou enlouquecendo.  

Minisséries e séries 

Depois de ter feito ‘Anos Dourados’, sua estreia na Globo, Antonio Calloni participou de várias minisséries. Em ‘Contos de Verão’ (1993), de Domingos Oliveira, viveu um yuppie, Thales, que se envolvia em uma troca involuntária e bem-humorada de casais. ‘Decadência’ (1995), de Dias Gomes, tratava do comércio da fé. Na minissérie, o personagem de Antonio Calloni, Cleto, foi contratado para armar contra um inimigo do pastor. 

No ano seguinte, o ator pôde vivenciar o universo de Nelson Rodrigues, em ‘A Vida Como Ela É...’. Textos do dramaturgo ganharam adaptação de Euclydes Marinhos e deram vida a uma série exibida no ‘Fantástico’. “Com direção brilhante de Daniel Filho, nós fazíamos praticamente um filme por semana, era tudo filmado em película. Foi realmente uma experiência fantástica, porque ele reuniu um grupo de dez atores fantásticos. O mais legal é que a gente se revezava, todos os atores faziam figuração, coadjuvantes e protagonistas. Que coisa maravilhosa”, conta. 

Antonio Calloni no episódio 'Mártir em Casa e na Rua' de A Vida Como Ela É, 1996 — Foto: Bazilio Calazans/Globo

Antonio Calloni trabalhou ainda em três minisséries de Maria Adelaide Amaral: ‘Os Maias’ (2001), baseada na obra de Eça de Queiroz; ‘Um Só Coração’ (2004) e ‘JK’ (2006), ambas escritas em colaboração com Alcides Nogueira. Em ‘Um Só Coração’, ele interpretou o controvertido Assis Chateaubriand, maior empresário de comunicação do país, a seu tempo. Em ‘JK’, foi Augusto Frederico Schmidt, poeta, editor, empresário e figura pública, conselheiro político no governo de Juscelino Kubitschek. 

“Como é legal a gente contar a história do nosso país através da ficção, é um entretenimento educativo, digamos assim, como foi ‘Um Só Coração’, ‘JK’, por exemplo. É uma parte da história do Brasil muito bacana, muito rica, fundante de quem somos nós, é a nossa história. E é tão legal, tão prazeroso fazer trabalhos nesse sentido.” 

Antonio Calloni em JK, 2006 — Foto: João Miguel Júnior/Globo

Em dois trabalhos posteriores, Antonio Calloni encontrou profissionais que admira muito na direção. Como Antenor, em ‘Justiça’ (2016), de Manuela Dias, foi dirigido por José Luiz Villamarim; como Halim, em ‘Dois Irmãos’ (2017), de Maria Camargo, por Luiz Fernando Carvalho. “Um personagem que me emocionou de uma tal maneira foi o Halim. Foi um processo de trabalho fascinante, porque a gente ficava em um galpão ensaiando 12 horas por dia. (...) O Antenor era completamente diferente do Halim. Halim era passional, era apaixonado pela mulher; e o outro não, era um político corrupto completamente diferente. (...) Villamarim é um romancista, e Luiz Fernando Carvalho é um poeta. Agora, o Villamarim pode fazer poesia, e o Luiz Fernando Carvalho pode fazer romance, também”, afirma. 

Em 2018, o ator protagonizou a série ‘Assédio’, adaptação do livro ‘A Clínica: A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih’, de Vicente Vilardaga. Escrita por Maria Camargo e com direção artística de Amora Mautner, a série estreou primeiro no Globoplay, para, no ano seguinte, seguir para a TV. Antonio Calloni interpretou Roger Sadala para contar a história real do médico que estuprou e abusou sexualmente de dezenas de mulheres em busca de tratamento para engravidar. Papel muito difícil, que rendeu elogios ao ator, por sua capacidade de demonstrar a vileza do médico sem lhe tomar o caráter humano. “Foi uma série que provocou muito debate, isso é fundamental, isso é fundamental! Olha o que aconteceu, olha o que ainda acontece, a gente vê toda hora isso aparecendo na TV. Não pode acontecer mais, não, não dá, não dá”, afirma Calloni. 

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, em 08/05/2023, o ator Antonio Calloni fala sobre o trabalho na minissérie 'Assédio', de 2018.

Em entrevista exclusiva ao Memória Globo, em 08/05/2023, o ator Antonio Calloni fala sobre o trabalho na minissérie 'Assédio', de 2018.

Prêmios 

Entre os prêmios recebidos por Antonio Calloni ao longo de sua carreira está o Molière de Melhor Ator, em 1990, pela atuação na peça ‘A Secreta Obscenidade de Cada Dia’, escrita pelo chileno Marco Antônio de la Parra. No espetáculo, de humor, ele contracenava com Antônio Abujamra. Por essa boa relação com a arte de fazer rir, o ator recebeu o convite para integrar o elenco de ‘TV Pirata’, em 1992, atração dirigida por Guel Arraes, Carlos Magalhães e José Lavigne. “Foi o meu primeiro e único programa de humor. Só fiz o ‘TV Pirata’.” No programa, havia piadas hoje impensáveis. 

“Eu acho que os temas abordados eram um pouco diferentes naquela época, em que as pessoas podiam ser mais politicamente incorretas. Isso marca muito esse período. Eu acho que os temas do humor sempre são os mesmos: a relação familiar, de amigo, de amor, política, mas eu acho que a diferença era se permitir ser politicamente incorreto. Acho que hoje em dia o humor está mais limitado, diferente do que era naquela época. (...) A gente ainda está experimentando o que pode falar, o que pode fazer através dos programas do humor.” 

Debora Bloch, Antonio Calloni, Otávio Augusto e Denise Fraga em TV Pirata, 1992 — Foto: ACervo/Globo

Outro prêmio importante foi o Kikito de Melhor Ator, recebido no Festival de Gramado de 2006, pelo desempenho no filme ‘Anjos do Sol’, de Rudi Lagemann. Seu personagem, Saraiva, explorava meninas menores de idade, que eram obrigadas a se prostituir. O filme tem como base o livro ‘Meninas da Noite: A Prostituição de Meninas-Escravas no Brasil’, do jornalista Gilberto Dimenstein. Falando em cinema, Antonio Calloni participou de mais de 20 produções, entre as quais ‘Polícia Federal, a Lei é para Todos’ (2017), de Marcelo Antunez, sobre a operação Lava Jato. 

Literatura 

Calloni começou a se aventurar pela literatura quando escreveu o livro de poesias ‘Os Infantes de Dezembro’, lançado em 1999. A obra ganhou o prêmio Jorge de Lima, como autor revelação, concedido pela Academia Carioca de Letras e a União Brasileira de Escritores, estímulos para que Antonio Calloni seguisse produzindo. Depois disso, ele publicou, também em 2000, ‘A Ilha de Sagitário’, livro de contos, e, ao longo dos anos, diversas outras obras, como ‘Escrevinhações de Samuel, o Eterno’, em 2010; ‘50 Anos Inventados em Dias de Sol (e Algumas Poesias)’, em 2013; e ‘Filho da Noite’, em 2020. 

FONTE:

Depoimento de Antonio Calloni ao Memória Globo em 08/05/2023.
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