Filho do jogador de futebol Abel Verônico da Silva Filho e da jornalista Vera Lúcia Oscar Alves da Silva, o repórter Abel Neto parece ter sido destinado ao ofício que escolheu. Mas exercer a profissão que une os universos profissionais do pai e da mãe não foi uma opção tão óbvia. Abel começou cedo a ter interesse pelo esporte. O estímulo veio do pai, jogador que começou a carreira no América Futebol Clube, do Rio de Janeiro, e, nos anos de 1960, foi para o Santos jogar ao lado de Pelé.
Imerso no meio esportivo e interessado por tudo que o cercava, Abel aprendeu a ler precocemente. “Eu tinha entre dois e seis anos e, antes de ser alfabetizado na escola, pedi para o meu pai me ensinar a ler. Tinha o jornal de esportes que ele lia todo dia, e eu queria também.”
Início da carreira
A admiração pelas atividades dos pais parecia encaminhar Abel Neto para o jornalismo esportivo, mas o percurso inicial não foi bem esse. Jovem, Abel cursou Letras na Universidade Católica de Santos, se especializou em inglês e, durante mais de dez anos, trabalhou como professor do idioma. Formou-se em Jornalismo pela mesma universidade, mas a entrada em uma redação só ocorreu em 1997, no lançamento do jornal Lance. “Eles estavam recrutando recém-formados. Eu fiz a prova, passei e larguei as aulas. Fui trabalhar nesse jornal novo, voltado somente para esportes.” Mesmo breve, a passagem pelo Lance foi um promissor contato com a profissão.
Depois de oito meses no jornal, Abel Neto foi convidado por um ex-professor da faculdade para trabalhar na TV Tribuna, afiliada da Globo em Santos. “Jamais imaginava que eu fosse trabalhar em televisão. Achava bem difícil porque, mesmo que tenha mudado, sempre houve pouquíssimos negros na televisão. Mas o Carlos Manente, diretor da TV e meu antigo professor e o Eduardo Silva, diretor do esporte, me chamaram para conversar. O Manente falou: ‘Acho que você tem futuro na televisão. Queremos apostar em você como repórter.’ E aí comecei na TV Tribuna.”
Do impresso à TV
Foram dois anos e meio de aprendizado e prática em frente às câmeras da afiliada do litoral de São Paulo. Além de reportagens sobre futebol, Abel cobria o dia a dia do Santos, time sempre presente nos grandes campeonatos, o que levou o repórter a ter participação frequente em programas como o Globo Esporte. “Eu peguei uma época em que o Santos não conquistava título, mas tinha bons personagens, como o Viola, uma figuraça. Ele fazia muitos gols, dava boas entrevistas, falava o que pensava, era engraçado. O Emerson Leão era o técnico, sempre polêmico. Então, o time estava sempre em evidência, e tive oportunidade de chamar atenção do pessoal daqui.”
Na medida em que se destacava, Abel Neto começou a ser chamado para cobrir folgas de repórteres da Globo, na capital paulista. “Na primeira vez que fui cobrir folga, o pessoal precisava de um repórter para o fim de semana. Era meu único fim de semana livre em 40 dias, mas eu pensei: ‘Pô, é uma baita oportunidade’, e vim. Aí surgiram outros fins de semana, e teve uma vez que eles me pediram para ficar uns 20 dias cobrindo férias de outro repórter. Aí surgiu o convite para eu trabalhar aqui, em São Paulo”.
A chegada definitiva à capital aconteceu em julho de 2000. Abel passou a cobrir o Palmeiras, o São Paulo, o Corinthians, e, eventualmente, a Portuguesa. O repórter sentiu a alteração no ritmo do trabalho, causada pelas longas distâncias percorridas para fazer reportagens, e as dificuldades de locomoção na metrópole. Mas o que mais marcou essa época foram as coberturas dos jogos fora do Brasil. “Eu comecei a cobrir os times jogando em outros países, como na Taça Libertadores. De uma hora para outra, ia para o Chile fazer um jogo do Palmeiras e para o Uruguai fazer um jogo do Corinthians. Comecei a trabalhar também nessas transmissões com caras que eu assistia desde criança, como Galvão Bueno, Cléber Machado, Casagrande, Falcão.”
Novos talentos
O prazer de trabalhar com ídolos do jornalismo esportivo foi, ao longo dos anos, se somando à satisfação de acompanhar o surgimento de grandes atletas. Um deles foi Robinho, que Abel conheceu quando o jogador tinha 15 anos de idade e jogava na equipe juvenil do Santos. “Robinho morava em uma casa simples, no Parque Bitaru, em São Vicente. Eu trabalhava na TV Tribuna e fui fazer uma matéria com ele para o Esporte Espetacular. O Pelé era diretor da base do Santos e falava: ‘Esse menino tem futuro’. O Robinho era magrinho, esquelético, em 1998 ou 1999. Três anos depois, esse menino com 18 anos estava arrebentando em uma final de Campeonato Brasileiro, tirando o Santos de uma fila de quase 20 anos e surpreendendo o país inteiro em uma final contra o Corinthians”, lembra.
Situação semelhante foi vivida com Kaká. Abel conheceu o jogador em 2001, quando cobria um jogo da Copinha, a Copa São Paulo de Futebol Júnior. “O time do São Paulo estava jogando em Santo André, e tinha um cara magrinho na reserva que entrou no segundo tempo e fez um gol, e o São Paulo ganhou de goleada. Como esse cara fez um dos últimos gols, eu fui lá e o entrevistei. Era o Kaká. Ninguém sabia, nem eu sabia, quem era. Dois anos depois, Kaká estourou em um torneio Rio/São Paulo. O país inteiro começou a falar dele, virou craque. Depois foi jogar na Itália e em 2007 era considerado o melhor jogador do mundo. Durante o nosso trabalho no jornalismo esportivo, a gente vê a história acontecendo, vê grandes atletas, grandes jogadores se formando. É um prazer.”
O sonho de cobrir uma Copa
Em 2006, Abel realizou o sonho de participar da cobertura de uma Copa do Mundo. Foi a da Alemanha. “A primeira Copa que eu assisti, de 1978, tinha oito anos. Era a Copa da Argentina. Eu gostava muito de futebol. Quando comecei a trabalhar no jornalismo, pensei: ‘Meu sonho é trabalhar em uma Copa.’ Eu tinha trabalhado em 2002, mas no Brasil. Em 2006, quando fui escalado foi uma grande emoção. Fui com uma equipe espetacular: Mauro Naves, Tino Marcos, Pedro Bassan, Fátima Bernardes, Galvão Bueno, Cléber Machado, sem contar os editores, os chefes e o pessoal todo do Jornalismo”.
Racismo nos esportes
Estar em campo é sempre uma alegria para Abel. Porém, por vezes, o repórter se depara com situações de violência e racismo. “Teve um jogo entre São Paulo e Quilmes, aqui São Paulo, em que um jogador argentino, o Desábato, chamou o Grafite, que era atacante do São Paulo, de macaco. O delegado Nico [Osvaldo Gonçalves] entrou no campo, e o Desábato foi preso. Eu estava fazendo matéria para o Globo Esporte, e passei a noite na delegacia. Aliás, se toda vez que alguém chamasse outra pessoa de macaco fosse sempre para a prisão, eu teria colocado centenas na cadeia, porque desde pequeno, eu sempre ouvi isso. Sofri muito. Essa cobertura me marcou”.
À frente da bancada
O desempenho e a simpatia de Abel Neto renderam, em 2012, o convite para apresentar o Globo Esporte. “Meu telefone tocou, em uma sexta-feira, e era o Tiago [Leifert]. Ele falou: ‘Abel, amanhã eu não vou poder apresentar. Você vai apresentar o Globo Esporte, tá?’ Eu falei: ‘Ah é?’. Eu tremi da cabeça aos pés. Eu tinha feito um piloto porque estavam pensando quem iria substituir o Tiago eventualmente. Tinha bastante tempo de TV e uma certa desenvoltura para fazer entradas ao vivo, ia bem, só que no estúdio senti a diferença. O estúdio é muito frio, em todos os sentidos: é frio do ar-condicionado e é frio de estar aquele silêncio, dois ou três câmeras. Eu não me sentia à vontade e demorei para me ambientar. De uns tempos para cá, fiquei mais à vontade”.
A descontração no estúdio foi chamando a atenção do público e abrindo novos espaços. Além de participações na bancada do Globo Esporte, Abel Neto passou a apresentar as reportagens da área de esportes no Bom Dia São Paulo. A timidez parece ter ficado para trás: o repórter-apresentador chegou a criar um bordão que se tornou famoso entre os fãs do futebol. Abel se despede, parafraseando o humorista e apresentador Jô Soares, mandando para os telespectadores “um beijo do negão”.
Abel Neto deixou a Globo em maio de 2018.
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