Séries

Por Memória Globo


A cobertura das eleições presidenciais de 2002 havia sido sucesso de audiência e de críticas. O plano do Jornalismo da Globo para 2006 era surpreender o telespectador com uma proposta que trouxesse à tona os desejos e as necessidades da população no ano eleitoral. O resultado foi a 'Caravana JN', projeto ambicioso que permitiria à equipe percorrer as cinco regiões do Brasil a bordo de um ônibus especialmente equipado. O comando ficou a cargo do repórter Pedro Bial, que, com uma equipe de 15 pessoas, produziu a série 'Desejos do Brasil', exibida entre julho e outubro no 'Jornal Nacional'.

O espectador da Globo espera sempre alguma coisa nova, e eu acho que esse é um papel que devemos cumprir. Lendo o obituário do Peter Jennings, da ABC (rede televisiva norte-americana), soube que ele já tinha ancorado o telejornal de um ônibus-estúdio. Tive a ideia de ter um ônibus como aquele. Nas eleições, o jornal poderia ser ancorado nos 26 estados da federação. Mas era uma ideia maluca. Escrevi um e-mail para o Schroder, e ele gostou, mandou orçar. Maria Thereza Pinheiro e Teresa Cavalleiro se agregaram ao grupo e deram uma utilidade ao ônibus que eu não tinha imaginado.
— Ali Kamel | então diretor-executivo da Central Globo de Jornalismo

As coordenadoras do projeto, Maria Thereza Pinheiro e Teresa Cavalleiro, iniciaram o planejamento um ano antes. Primeiro, viajaram em busca do melhor modelo de motor-home. Pesquisaram e chegaram ao veículo ideal, um ônibus-trailler que media 12m de comprimento e 2,20m de altura, que passou por adaptações envolvendo os setores de Tecnologia, Segurança e Capital Humano.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a série de reportagens nas pré-eleições de 2006, 'Caravana JN', com entrevistas exclusivas dos jornalistas Ali Kamel, William Bonner, Pedro Bial e Teresa Cavalleiro ao Memória Globo.

Webdoc sobre a série de reportagens nas pré-eleições de 2006, 'Caravana JN', com entrevistas exclusivas dos jornalistas Ali Kamel, William Bonner, Pedro Bial e Teresa Cavalleiro ao Memória Globo.

A Caravana foi customizada pela Arte da Globo e contava com sala de reunião, ilha de edição e beliche para descanso – os profissionais passavam as noites em hotéis. “Nós tivemos que nos superar para conseguir transformar isso em realidade”, lembra Teresa Cavalleiro, então diretora de Programas e Projetos Especiais. “Tínhamos preocupação com a infraestrutura, segurança e saúde das pessoas. Fizemos um roteiro estabelecendo por onde o ônibus passaria. O caminho era regiões Sul, Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A cada dia, ele viajaria 300 quilômetros. Para conseguir gerar a reportagem no mesmo dia para o 'Jornal Nacional', antena chamada fly-away era montada”, completa.

Para aproximar ainda mais o telejornal da população, o 'Jornal Nacional' passou a ser apresentado, a cada duas semanas, do local onde a Caravana estava estacionada. “A missão do Bial era ouvir os anseios e aspirações dos brasileiros naquele ano eleitoral. Fora isso, o projeto possível e muito simpático era tirar os apresentadores da bancada e fazê-los ancorar ao vivo o telejornal com o público em volta. Foi uma das experiências mais espetaculares que vivi na minha carreira, em termos de contato direto com o público”, conta William Bonner. A primeira parada foi a cidade de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, no dia 31 de julho.

Bial lembra que, sem pauta pré-definida e com o pé na estrada, a equipe conversava com os brasileiros para conhecer seus problemas e reflexões.

Saíamos na rua e o que acontecia, acontecia. Uma curiosidade foi o gosto do brasileiro pela própria história. A primeira coisa que as pessoas falavam era a história do lugar. Extraordinário.
— Pedro Bial | repórter

Bial lembra ainda com carinho que o Priscilão, apelido dado ao motor-home em homenagem ao filme 'Priscila, a Rainha do Deserto', foi também personagem das reportagens. “Foi muito legal para o 'Jornal Nacional' deixar o cenário futurista para passar a ser um ônibus sem ar-condicionado, cujos pneus furavam. E aquele negócio foi pegando. Em vários lugares, até na região Norte, não tínhamos segurança para desembarcar, porque eram multidões”.

Caravana fluvial

Estradas de terra, enlameadas e cheias de buracos impuseram ritmo lento ao Priscilão no Nordeste. Cruzada a fronteira com a região Norte, o desafio era outro, já que entre Belém e Manaus há o rio Amazonas. Durante oito dias, um barco serviu como lar da equipe da 'Caravana', para que fosse possível visitar as populações ribeirinhas e ouvir suas histórias.

Para que tudo desse certo, Maria Thereza Pinheiro e Teresa Cavalleiro fecharam o aluguel da embarcação com seis meses de antecedência, após muita pesquisa. Uma surpresa mudou os planos a 48 horas do início da jornada. Cavalleiro conta: “No meio do ensaio da gravação [da ancoragem do 'JN'], em Belém, recebi um telefonema dizendo que o barco estava com uma fissura. Aquilo já me deixou fora do sério, mas resolvi não contar para ninguém, porque estavam todos em uma operação muito complexa com segurança, texto, câmeras. Quando terminou, chamei o Fernando Guimarães, então diretor de Eventos, e o Ali Kamel para darmos uma olhada no barco. Lá, o Ali fez uma brincadeira com o porteiro: ‘E o nosso barco? Afundou?’ E o cara respondeu: ‘Afundou’. Nunca vou esquecer aquela imagem, meu sangue foi todo para o pé. Só se via um pedaço do barco para fora, o resto estava todo submerso. Ele chamava Velho Chico, só se lia ‘ico’. Eu estava em pânico, pensando em um plano B. Mas o Ali mandou a gente pensar em outro barco. Achei que ele estava brincando”. No dia seguinte, a missão de encontrar a nova embarcação começou bem cedo. Em um dia, a equipe contratou novas cozinheiras, montaram um cardápio, fizeram as compras da semana. Deu tudo certo. Logo após a edição do 'Jornal Nacional', apresentada por William Bonner de Belém, Bial e equipe seguiram viagem.

Após 16 mil quilômetros rodados, a 'Caravana' se despediu do público em Brasília, no dia 29 de setembro. Com a praça dos Três Poderes lotada, Bial ajudou a ancorar o 'JN' , chamando a última reportagem da série, que buscava esclarecer quais seriam as atribuições dos futuros governantes. Ou seja: quem seria responsável por viabilizar os desejos e necessidades da população.

No curso de dois meses de 'Caravana', pudemos constatar uma mudança de postura do eleitor brasileiro: no início, era evidente um desencanto geral; aos poucos, esse desencanto evoluiu para uma saudável desconfiança. Depois de 20 anos de democracia, o eleitor brasileiro está não apenas mais maduro, como pragmático. Brasileiro quer trabalho e prestação de contas de seus representantes, o retrato das urnas, seja qual for o resultado eleitoral, pode ser resumido assim: trabalhem e me deixem trabalhar.
— Pedro Bial

Participaram da 'Caravana' a produtora Ana Paula Brasil, a produtora executiva Gisele Machado, os repórteres cinematográficos Luís Cláudio Azevedo e Hélio Alvarez, os operadores de sistemas de TV José Carlos Suarez e Hailson Barros, os operadores de unidade portátil Vinícius Ferraz e Rodolfo Augusto Pereira, a assessora de imprensa Gisele Pereira. Nos bastidores, dezenas de profissionais das áreas de jornalismo, arte, operações, informática, segurança e planejamento tornaram o projeto possível também com apoio das afiliadas da Globo.

Em 2007, a Globo foi uma das quatro finalistas do prêmio norte-americano Emmy Internacional, categoria Notícia, pela cobertura da eleição brasileira com a 'Caravana JN'.

Foram mais de 800 reportagens inscritas. O prêmio é uma espécie de Oscar da televisão para emissoras estrangeiras. No final, venceu a BBC News com a cobertura da Crise no Líbano.

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