Na manhã de 8 de outubro de 2005, um forte tremor de 7,6 graus na escala Richter atingiu o Paquistão. O epicentro foi na região da Caxemira, a 95 quilômetros da capital Islamabad. Foi o pior terremoto no país dos últimos cem anos. Vilarejos inteiros foram destruídos. Os deslizamentos de terra e as chuvas dificultaram a chegada de socorro aos sobreviventes. De acordo com o governo local, cerca de 75 mil pessoas morreram e 70 mil ficaram feridas. A maioria das vítimas eram crianças. Segundo as Nações Unidas, uma geração inteira havia se perdido.
O terremoto também foi sentido na Índia, no Afeganistão e Bangladesh. Pelas estimativas da ONU, quatro milhões de pessoas foram afetadas, sendo dois milhões e meio de desabrigados nos quatro países.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre o terremoto de 7,6 graus na escala Richter que atingiu o Paquistão, deixando milhares de mortos e feridos. Jornal Nacional, 11/10/2005.
EQUIPE E ESTRUTURA
A Globo enviou os correspondentes Marcos Uchoa e Sergio Gilz ao Paquistão após as primeiras notícias sobre o terremoto. Os dois desembarcaram em Islamabad em 11 de outubro e, durante uma semana, acompanharam as buscas pelos sobreviventes e a chegada de ajuda humanitária internacional.
No mês seguinte, os repórteres Caco Barcellos e Marco Antonio Gonçalves foram à Caxemira mostrar como viviam as vítimas da tragédia.
PRIMEIRAS NOTÍCIAS
Roberto Kovalick, de Nova York, deu as primeiras informações sobre o terremoto na Ásia no ‘Jornal Hoje’. Naquele momento, no entanto, ainda não se sabia a dimensão da tragédia.
No domingo, o número de mortos tinha chegado a 30 mil, como informou o Fantástico. Segundo a reportagem, o presidente paquistanês, Pervez Musharraf, pedira ajuda internacional para o atendimento dos 40 mil feridos. Um funcionário da embaixada brasileira em Islamabad descreveu, por telefone, a situação em que se encontrava o país. As estradas bloqueadas dificultavam o acesso aos sobreviventes.
DESEMBARCANDO NO CAOS
Na terça-feira, 11 de outubro, quando Marcos Uchoa e Sergio Gilz desembarcaram em Islamabad, o numero de mortos no Paquistão chegava a 40 mil. Apesar da ajuda internacional, milhares de desabrigados sofriam com a fome e o frio. Além disso, havia a ameaça de novos deslizamentos de terra em função da forte chuva que caía no país.
No Bom Dia Brasil daquela manhã, Uchoa relatou, ao vivo, por telefone, o cenário de caos que ele e Gilz encontraram ao chegarem lá. A reportagem exibida pelo Jornal Nacional mostrou um país devastado e uma população arrasada pela dor. Os repórteres acompanharam o trabalho de equipes de resgate em Islamabad e a chegada de ajuda à Caxemira paquistanesa, uma das áreas mais atingidas.
VOO DE RESGATE
Um dos lugares mais afetados pelo terremoto foi a Caxemira, território na fronteira entre Paquistão e Índia. As estradas bloqueadas dificultavam o acesso à região montanhosa. Para chegar ao local, Marcos Uchoa e Sergio Gilz pegaram carona nos helicópteros que levavam ajuda humanitária às vítimas e traziam os feridos para os hospitais.
“No aeroporto, vários helicópteros iam e viam, e a gente negociando. Até que nós conseguimos entrar num helicóptero alemão, mas com o seguinte aviso: ‘Vocês vão com a gente, mas não temos a menor responsabilidade com vocês. Se lotar, vocês ficam. Nós vamos aterrissar e, em 30 minutos, no máximo, contamos as pessoas e voltamos’. Então, o que era a matéria? A viagem, a chegada, o resgate e a volta. Aí você faz o voo de ida, aterrissa, aquela correria, aquelas pessoas alucinadas querendo embarcar, com criança, com parente de braço quebrado ou só com um filho que sobrou. E você correndo, sem tempo de se emocionar com aquilo”, lembra Gilz.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre o resgate de feridos na Caxemira, região na fronteira entre Paquistão e Índia, após o terremoto de 7,6 graus na escala Richter. Jornal Nacional, 12/10/2005.
Em depoimento ao Memória, Marcos Uchoa também conta sua experiência nessa cobertura: “Era outubro, estava chegando o inverno, então era muito frio à noite. Encontramos uma cidade, sei lá, dos seus 40 mil habitantes, completamente destruída. Era uma espécie de campo de futebol onde os helicópteros pousavam e traziam as pessoas feridas. E uma das dificuldades do trabalho nessa hora era a triagem. Por que um e não outro? Quem está mais ferido? E a multidão querendo entrar no helicóptero, e os caras tendo que bater nas pessoas para elas não entrarem; eram pais e mães com filhinhos no colo. Eu me lembro de fazermos a imagem de um garoto com a cara toda arrebentada, os olhos roxos, no colo do pai – e não conseguiu embarcar. Também fizemos um pai que estava no helicóptero com um neném, que tinha sido o único que sobreviveu da família toda; e chegando a Islamabad, fizemos o garoto chorando, berrando – mas era um sinal de vida, ao mesmo tempo”.
EQUILIBRANDO RAZÃO E EMOÇÃO
Experiente em coberturas de conflitos e tragédias, Sérgio Gilz fala da dificuldade de conter a emoção em alguns momentos: “No voo de volta a Islamabad, vínhamos com um monte de gente deitada. Eu ia para um hotel maravilhoso, tomar uma ducha, comer, e eles não tinham nada, nada, apenas a roupa do corpo. Aí, do meu lado, vinha um sujeito mais jovem do que eu, mas com a aparência bem mais velha, com a filha nos braços. As pessoas olham e não veem. Não faz a menor diferença. E eu comecei a brincar com a menina para ver se tirava um sorriso dela. No final, a única coisa que consegui fazer foi pegar uma parte do dinheiro que tinha e dar para eles, discretamente. Registrar aquilo sem se emocionar é horrível, é duro demais. A cobertura mesmo aconteceu ali atrás. Mas ainda existe toda a parte emocional que você tem de negociar. Eu não vou lá para chorar e para me emocionar. A minha obrigação é trazer alguma coisa. Preciso equilibrar razão e emoção. Você tem que se segurar até o limite para apresentar um trabalho no Jornal Nacional que muitas vezes é um terço daquela coisa grande que você viveu”.
RISCO
Quando não foi possível mais seguir de helicóptero até a Caxemira, a equipe da Globo fez o trajeto de carro. A viagem de ida e volta, por uma estrada sinuosa e estreita, levava o dia inteiro. “Sobrava pouco tempo para trabalhar”, conta Marcos Uchoa, “conseguimos um motorista que era louco, louco, louco: o cara andava a mil por hora. Ao mesmo tempo, precisávamos que ele andasse a mil por hora, ou não daria tempo. A estrada estava muito destruída e totalmente engarrafada, por conta de só passar um carro em alguns trechos. E esse motorista ia ultrapassando em acostamento, a estrada sem nenhuma proteção. De um lado, a montanha, do outro, o abismo. Eu me sentava atrás dele, Sergio Gilz ia à frente com a câmera. E eu ficava lendo, pensando: melhor nem olhar o que esse cara está fazendo, senão não vai ter cobertura.”
BALAKOT
Marcos Uchoa e Sergio Gilz estiveram em Balakot, cidade a 100 quilômetros da capital Islamabad, que também foi destruída. Todas as escolas da região desabaram. Como o terremoto aconteceu às 8h30 (horário local), num dia letivo, centenas de crianças ficaram soterradas. Pais desesperados buscavam por seus filhos cavando os escombros com as próprias mãos.
“Foi terrível”, lembra o repórter, “Nós fizemos imagens de cima do lugar totalmente arrasado. Havia 300, 400 crianças mortas embaixo, e as famílias ali buscando. Foi muito chocante. Eram duas escolas, uma estava mais vazia, a outra estava cheia de pais que procuravam seus filhos. Havia muita gente com esperança ainda de encontrar sobreviventes. Ao mesmo tempo, era muito difícil chegar por causa da destruição da estrada. Eles não tinham máquina para levantar as vigas, as lajes. Então, pediam silêncio para tentar ouvir alguma coisa. Mas dias depois também, naquele frio, não houve quase sobrevivente. Na Caxemira, realmente, quase não houve aquela coisa: ‘Dias depois foi encontrado…’. Foi muito difícil.”
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre a situação em Balakot, no Paquistão, uma das cidades mais arrasadas após o terremoto de 7,6 graus na escala Richter. Jornal Nacional, 15/10/2005.
FORÇA SOLIDÁRIA
Em novembro, os correspondentes Caco Barcellos e Marco Antonio Gonçalves foram ao Paquistão mostrar como estavam vivendo as vítimas do terremoto na região mais atingida pelos tremores.
Na primeira reportagem, levada ao ar no Jornal Nacional do dia 25, a equipe foi a Bagh, cidade que ficou devastada após a tragédia, acompanhar o trabalho de dois brasileiros que faziam parte da organização Médicos sem Fronteiras.
No dia seguinte, o JN mostrou Caco Barcellos e Marco Antonio Gonçalves em Bir Pani, pequeno vilarejo aos pés da cordilheira do Himalaia. Com o terremoto, toda a população local ficou desabrigada. Abandonados pelo governo paquistanês, os sobreviventes sofriam com a chegada do inverno rigoroso.
Na reportagem exibida pelo Fantástico, em 27 de novembro, Caco Barcellos e Marco Antônio Gonçalves conseguiram uma carona num voo de voluntários e entidades humanitárias que levava socorro às vítimas nas montanhas mais altas do mundo. Eram os únicos jornalistas entre médicos, bombeiros e especialistas em ações de resgate. A equipe pôde acompanhar a distribuição de doações vindas do mundo inteiro.
O repórter Caco Barcellos e o repórter cinematográfico Marco Antônio Gonçalves acompanham o trabalho de dois brasileiros da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras no atendimento às vítimas do terremoto que atingiu o Paquistão. Jornal Nacional, 25/11/2005.
Reportagem de Caco Barcellos e Marco Antônio Gonçalves sobre a situação em Bir Pani, pequeno vilarejo aos pés da cordilheira do Himalaia, e a ameaça da chegada do inverno na região já castigada pelo terremoto. Jornal Nacional, 26/11/2005.
Reportagem de Caco Barcellos e Marco Antônio Gonçalves sobre a ajuda dos Médicos Sem Fronteiras às vítimas do terremoto no Paquistão que deixou mais de 40 mil mortos, Fantástico, 27/11/2005.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Marcos Uchoa (27/09/2010, 05/10/2010 e 26/10/2010) e Sergio Gilz (10/11/2008); Bom Dia Brasil, 10/10/2005; Fantástico, 09/10/2005, 16/10/2005, 27/11/2005; Jornal Hoje, 08/10/2005; Jornal Nacional, 08/10/2005, 10-15/10/2005, 25-26/11/2005. |