Por Memória Globo

Em 12 de junho de 2000, durante quase quatro horas, o assaltante Sandro do Nascimento manteve dez passageiros como reféns em um ônibus da linha 174, no Rio de Janeiro. Chegou a simular a morte de uma delas, a estudante Janaína Lopes, que foi obrigada a permanecer deitada no chão do coletivo por mais de uma hora.

O desfecho foi trágico. O bandido desceu do ônibus usando a professora Geisa Firmo Gonçalves como escudo. Naquele momento, o soldado do Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) Marcelo de Oliveira Santos tentou matar o sequestrador. As balas do policial, no entanto, atingiram apenas a refém, que levou ainda três tiros disparados pelo assaltante e morreu. Sandro morreu asfixiado, no interior do camburão em que era levado ao hospital Souza Aguiar. Os policiais militares – o capitão Ricardo de Souza Soares e os soldados Flávio Durval Dias e Márcio Araújo David – foram acusados de homicídio qualificado, mas, em dezembro de 2002, foram absolvidos, por quatro votos a três, pelo IV Tribunal do Júri do Rio.

Sandro do Nascimento era um dos meninos sobreviventes da chacina da Candelária, em 1993, e teve sua história contada em dois filmes: o documentário Ônibus 174, de José Padilha, e o filme de ficção Última Parada 174, de Bruno Barreto.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Entrevista exclusiva do jornalista Roberto Kovalick ao Memória Globo sobre o sequestro do ônibus 174 em 2000.

Entrevista exclusiva do jornalista Roberto Kovalick ao Memória Globo sobre o sequestro do ônibus 174 em 2000.

EQUIPE E ESTRUTURA

A Globo acompanhou o caso do ônibus 174 exibindo flashes, ao vivo, ao longo de sua programação desde antes das 15h, quando começou o sequestro. Os repórteres Ari Peixoto, Eduardo Tchao, Roberto Kovalick e Vinícius Dônola cobriram os acontecimentos no local.

A cobertura completa do sequestro foi ao ar no Jornal Nacional daquela noite. E, ao longo da semana, os principais telejornais acompanharam os desdobramentos do caso.

Reportagens de Eduardo Tchao e Roberto Kovalick sobre o sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro. Jornal Nacional, 12/06/2000.

Reportagens de Eduardo Tchao e Roberto Kovalick sobre o sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro. Jornal Nacional, 12/06/2000.

UM DIA DE CÃO

Ao longo daquela tarde, flashes ao vivo mostraram o que acontecia dentro do ônibus 174. As imagens de Sandro do Nascimento torturando suas reféns e fazendo ameaças eram narradas pelos repórteres Ari Peixoto, Eduardo Tchao, Roberto Kovalick e Vinícius Dônola. O RJ TV – 2ª Edição já estava no ar quando o caso teve seu desfecho. Nesse momento, a reportagem sobre o sequestro que o telejornal exibia foi interrompida para a transmissão, ao vivo, das imagens direto da Rua Jardim Botânico.

O Jornal Nacional apresentou a cobertura completa do sequestro que parou o Rio de Janeiro. Durante o telejornal, Ari Peixoto entrou duas vezes ao vivo para informar a situação dos reféns libertados e dos que foram internados no hospital Miguel Couto em crise nervosa. Vinícius Dônola também falou ao vivo, direto da 15ª Delegacia de Polícia, com outras informações sobre a morte do bandido e da refém. De Mato Grosso do Sul, o jornal mostrou o alívio do pai de Janaína Lopes depois que a filha reapareceu viva e passando bem.

Transmissão ao vivo das imagens do sequestro do ônibus 174 no RJTV 2ª edição, 12/06/2000.

Transmissão ao vivo das imagens do sequestro do ônibus 174 no RJTV 2ª edição, 12/06/2000.

O JN registrou um pronunciamento do presidente Fernando Henrique Cardoso, que criticou a ação da polícia fluminense. Até então, o sequestrador tinha sido identificado apenas como “Sérgio”, fugitivo de uma delegacia da Zona Norte.

Ainda no dia 12, o Jornal da Globo noticiou que o soldado do Bope errou nos disparos dados a poucos centímetros do sequestrador. Mas permanecia a dúvida sobre a procedência dos tiros que mataram a professora. Na bancada do telejornal, o apresentador Carlos Tramontina entrevistou o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva, que classificou como precipitada a ação do atirador. Arnaldo Jabor traduziu sua perplexidade diante dos acontecimentos na primeira frase de seu comentário daquela noite: “Mais um dia de cão no Rio de Janeiro”.

Reportagens sobre o desfecho do sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, Jornal da Globo, 12/06/2000.

Reportagens sobre o desfecho do sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, Jornal da Globo, 12/06/2000.

Reportagem de Ary Peixoto com depoimentos de vítimas do sequestro do Õnibus 174 no Rio de Janeiro. Jornal Nacional, 12/06/2000.

Reportagem de Ary Peixoto com depoimentos de vítimas do sequestro do Õnibus 174 no Rio de Janeiro. Jornal Nacional, 12/06/2000.

QUEM MATOU QUEM

A dúvida sobre quem matou a professora Geisa Firmo Gonçalves – a polícia ou o bandido – e como morreu Sandro do Nascimento permeou o noticiário no dia seguinte ao crime. O jornalismo da Globo acompanhou o desdobramento do caso e sua repercussão. Diferentes especialistas analisaram e criticaram a ação da polícia no desfecho do sequestro. A operação foi considerada um desastre pela própria Polícia Militar do Rio.

No dia 13 de junho, os apresentadores Márcio Gomes e Ana Paula Araújo receberam o perito Nelson Massini no estúdio do RJ TV – 1ª Edição. O entrevistado explicou por que considerava lamentável a ação da polícia. Ainda no telejornal, que foi quase todo dedicado ao sequestro do ônibus 174, Eduardo Tchao entrevistou, ao vivo, o capitão da PM Paulo César Amêndola, um dos criadores do Bope. Da frente do prédio da Secretaria de Segurança Pública, onde acontecia uma reunião de cúpula com representantes da Polícia Militar, do Bope, do Instituto de Criminalística e o secretário de Segurança Josias Quental, a repórter Elaine Correa explicava que a Globo tentara obter uma versão oficial sobre quem comandou a operação, mas não tinha tido retorno. A dúvida sobre quem matara a professora e como morreu Sandro ainda permanecia.

Roberto Kovalick conta que, no dia seguinte ao episódio, quando estava editando uma das matérias sobre o sequestro, percebeu na imagem um risco, que depois foi identificado como o tiro que matou Geisa Firmo Gonçalves.

O Jornal Nacional daquela noite explicou que a professora levara quatro tiros: um de raspão, dado pelo soldado do Bope, e outros três vindos da arma do bandido. O JN também noticiou que Sandro do Nascimento morrera asfixiado a caminho do hospital. Os policiais militares envolvidos no caso foram presos, acusados de matar o assaltante. Ari Peixoto entrevistou os reféns do ônibus, que, já no dia seguinte, voltou a circular. Os estudantes William de Moura, Janaína Neves e Luana Guimarães relataram os momentos de terror que passaram sob a mira de Sandro do Nascimento. O reencontro de Janaína com sua família, em Campo Grande (MS), também ganhou destaque no telejornal.

Ainda no dia 13, no Jornal da Globo, a correspondente Heloísa Villela entrevistou Robert Lauden, ex-chefe de negociação da Swat americana, que, após analisar as imagens do sequestro pelo vídeo, apontou os erros da polícia brasileira no episódio.

Fantástico

No Fantástico daquela semana, dia 18 de junho, Fernando Molica fez uma reportagem exclusiva com Rodrigo Pimentel, na qual o oficial da Polícia Militar fez revelações sobre a ação da polícia e os erros do soldado que disparou contra Sandro do Nascimento. Pimentel fez também uma simulação de como a polícia poderia ter agido de forma mais eficaz.

Reportagem de Fernando Molica com Rodrigo Pimentel, na qual o oficial da Polícia Militar faz revelações sobre a ação da polícia e os erros do soldado que disparou contra Sandro do Nascimento no sequestro do ônibus 174, Fantástico, 18/06/2000.

Reportagem de Fernando Molica com Rodrigo Pimentel, na qual o oficial da Polícia Militar faz revelações sobre a ação da polícia e os erros do soldado que disparou contra Sandro do Nascimento no sequestro do ônibus 174, Fantástico, 18/06/2000.

Ainda naquele domingo, o repórter André Luiz Azevedo acompanhou o trajeto do ônibus, desde a saída do coletivo, ainda de madrugada, da delegacia, até seu retorno à garagem após mais um dia de viagem pelas ruas da cidade. Em vez de 174, o veículo passou a circular com o número da linha 176.

COBERTURA AO VIVO

Enquanto a Globo News ficou no ar, sem interrupções, ao vivo, com imagens dramáticas do episódio, a Globo manteve sua programação normal, inserindo flashes em seus intervalos comerciais. Por receio de que o sequestro terminasse com um desfecho violento (o que de fato ocorreu), a empresa preferiu não deixar a transmissão ao vivo ininterrupta na TV aberta, para evitar que o público fosse surpreendido por imagens impactantes. A decisão foi revista mais tarde pelo então diretor da Central Globo de Jornalismo, Evandro Carlos de Andrade. Ele determinou, pouco após o episódio, que coberturas de fatos prolongados, que causassem expectativa, deveriam ser mantidas no ar sem interrupções, e que caberia às famílias em casa tomar precauções. Decidir pelo público os limites do acesso à informação – argumentou na ocasião – seria uma forma de censura.

A nova política foi posta em prática em agosto do ano seguinte, quando o apresentador de TV e empresário Silvio Santos teve a casa invadida e foi mantido refém por Fernando Dutra Pinto, o mesmo sequestrador que raptara sua filha Patrícia Abravanel uma semana antes. A experiência de mudar a grade de programação em função de uma cobertura ao vivo contínua serviu de know-how para a transmissão de outro fato importante ocorrido apenas uma semana depois: os atentados de 11 de setembro de 2001.

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