Greve dos caminhoneiros - 2018

A Globo começou a cobrir em todos os telejornais e GloboNews a crise logo nos primeiros dias. O agravamento da situação levou a emissora a abrir a grade de programação e sustentar transmissões ao vivo, por mais de dez horas, entre os dias 26 e 28 de maio. À medida que o tema foi se impondo como relevante para a rotina do país, ele passou a ser abordado em diversos momentos. Chegou, inclusive, a impactar a própria programação da emissora -- nos dias 28 e 29 de maio, por exemplo, o ‘Globo Esporte’ não foi exibido. Em São Paulo, Ivan Moré apresentou as notícias esportivas no estúdio do ‘SP1’.

Ao Memória Globo, a então diretora de Jornalismo da emissora, Silvia Faria, contou que as equipes, “espalhadas por todos os estados e dezenas de cidades, sabiam da necessidade de ter rigor absoluto ao dar informação sobre a greve, de nunca especular sobre desabastecimento, bloqueios planejados e ameaças constantes de novas paralisações. Mantivemos o compromisso de mostrar o movimento que acontecia diante das nossas câmeras, para que a sociedade tirasse suas próprias conclusões e tomasse suas precauções.”

Já em 18 de maio, a classe anunciou que faria greve por tempo indeterminado, a partir do dia 21 (segunda), caso o governo não reduzisse a zero a carga tributária sobre o diesel. A escalada dos preços, muitas vezes diária, era motivada por uma mudança de política da Petrobras para acompanhar o mercado internacional. No próprio dia 18, a empresa anunciou um novo reajuste: para a gasolina, o aumento foi de 1,8%, como mostrou reportagem do ‘Jornal Hoje’.

A ameaça se tornou realidade de fato no dia 21. O telespectador pôde acompanhar o começo da movimentação desde a manhã, no 'Bom Dia Brasil'.

No 'Jornal Nacional', reportagem de André Luiz Azevedo mostrou como caminhoneiros realizaram bloqueios nas principais estradas de 20 estados e do Distrito Federal. Além de explicar a dinâmica dos aumentos dos combustíveis, o repórter mostrou como a carga tributária representa 29% do valor que chega à bomba. Daí o protesto dos motoristas.

O 'Jornal da Globo' já traria informações de bastidores e reações de ministros. A repórter Giovana Teles contou que o então presidente Michel Temer se reuniu com cinco ministros, mas a conversa foi inconclusiva. Para alguns, não havia brecha para diminuir impostos. Em seguida, reportagem de Sandra Passarinho mostrou como foi o primeiro dia de paralisação.

Já no segundo dia de greve, a preocupação do governo mudou de patamar. É o que conta a repórter Zileide Silva, no ‘Jornal Nacional’. Ela mostrou que o governo fez um acordo para zerar um dos impostos sobre o diesel. E Petrobras reduziu preços nas refinarias. Mas o presidente da estatal, Pedro Parente, deixou claro em entrevista que isso foi consequência do cenário internacional daquele dia, e que a política da empresa não iria mudar. Enquanto isso, o impacto já era sentido em várias frentes. Os combustíveis para aviões, por exemplo, não conseguiam chegar a seus destinos.

Mais cedo, o ‘Edição das Dez’ da GloboNews dedicou mais de nove minutos à greve. Do estúdio, a apresentadora Aline Midlej conversou com repórteres na entrada do Porto de Santos – totalmente obstruída --, no Rio Grande do Sul e em Goiás, mostrando as reivindicações dos motoristas, os perigos para caminhoneiros que tiveram que pernoitar nas estradas, e o desabastecimento em supermercados.

No terceiro dia da greve de caminhoneiros, 23/5, o ‘Bom Dia Brasil’ abriu espaço para Miriam Leitão fazer uma análise da negociação entre governo, Congresso e Petrobras. A comentarista ainda chamou atenção para o fato de o Brasil depender muito de sua malha rodoviária, “um erro antigo do país”.

O ‘Jornal Nacional’ mostrou que a Petrobras tentou uma trégua, anunciando redução no diesel, de 10%, por 15 dias. Como se veria nos dias seguintes, medidas temporárias não foram suficientes para convencer os caminhoneiros. Enquanto isso, o efeito da paralisação seguia se alastrando pelo país. Litros de leite foram jogados fora, após não chegarem aos seus destinos. Várias cidades tiveram menos ônibus circulando, e cirurgias começavam a ser adiadas por falta de material para os procedimentos. A AGU conseguiu nove liminares para liberar rodovias federais.

O agravamento da crise pode ser observado pelo tempo que o tema ocupa nos telejornais. No quarto dia consecutivo de greve, o ‘Jornal Nacional’ abriu a escalada e dedicou os dois primeiros blocos ao assunto, com um time grande de repórteres: Alberto Gaspar, Pedro Bassan, Cesar Menezes, Júlio Mosquera, Helder Duarte, Zileide Silva, César Galvão e Giovana Teles. Naquele momento, um levantamento do G1 mostrou que apenas um estado brasileiro, o Amapá, não tinha bloqueios em estradas.

Naquela noite, uma coletiva de imprensa reuniu quatro ministros, e atrasou tanto para começar que estava acontecendo durante o ‘JN’, fazendo com que Giovana Teles entrasse ao vivo duas vezes para explicar as medidas anunciadas. Entre elas, a extensão dos 10% de desconto no valor do diesel de 15 para 30 dias, com a promessa de que a União faria a compensação financeira à Petrobras.

No ‘Jornal das Dez’, na GloboNews, os comentaristas foram unânimes em destacar a fragilidade do governo nas negociações. Para Merval Pereira, Temer errou ao negociar antes de as estradas serem desbloqueadas. Natuza Nery, Gerson Camarotti e João Borges também analisaram a situação.

O 'Profissão Repórter' também dedicou um episódio ao tema. Em 30 de maio, o programa dividiu as equipes para acompanhar duas situações: a paralisação da rodovia Régis Bittencourt, que liga o sul do país à capital paulista, e os efeitos da falta de abastecimento no maior porto da América Latina, na Baixada Santista.

As medidas apresentadas pelo governo até ali pareciam não surtir efeito para uma desmobilização geral. A repórter Giuliana Morrone falou sobre isso em seu depoimento ao Memória Globo: "Teve um episódio em que o governo achou que tinha ganhado a parada que reuniu lá alguns sindicalistas fez uma proposta só que não se deu conta, faltou inteligência no governo, digo serviço de inteligência mesmo, para acompanhar, para monitorar isso que até eu estava fazendo que era (ver) nas redes sociais como é que os caminhoneiros estavam lidando com isso. Eles não aceitaram proposta e o movimento ficou mais... Ficou agravado ainda.”

Com isso, no começo da tarde do dia 25 o ex-presidente Temer anunciou que tropas federais estavam autorizadas a agir para desobstruir vias. Para isso, assinou a Garantia de Lei e Ordem (GLO) para possibilitar que, até 4 de junho, essas forças removessem os bloqueios.

A medida fez o número de bloqueios cair de cerca de 900 para 500, como mostrou o ‘Jornal da Globo’.

Na GloboNews, o ‘Jornal das Dez’ recebeu no estúdio, em Brasília, o ministro da Segurança Pública Raul Julgmann. Ele explicou que a Polícia Federal investigou e constatou a prática de locaute: “Trata-se de um movimento criminoso de tirar proveito de uma reivindicação legítima para tumultuar. Patrões interessados em manter suas margens de lucro, e não defender os caminhoneiros autônomos”. Segundo o ministro, 20 empresas haviam sido chamadas para depor e prestar contas.

Para Zileide Silva, a dificuldade dessa cobertura foi o fato de não haver uma liderança específica, além dessa mudança de percepção da população ao longo do tempo: “Aí você tem também a própria reação da população, no primeiro momento a população toda fica a favor dos caminhoneiros. Quando você tem o locaute muda essa percepção, porque aí eles estão sendo usados pelos empresários para conseguir uma série de reivindicações. Então tinha essa solidariedade, as pessoas levavam comida, sabonete para os caminhoneiros, depois você tem a manipulação, o movimento sendo manipulado, os caminhoneiros sendo manipulados e a gente tendo que dar tudo isso.”

O fim de semana chegou sem uma solução definitiva. Reportagens como a do ‘Jornal Nacional’ do dia 26/5 mostram que diversos serviços estavam com prazo apertado para seguirem mantendo a rotina, caso da coleta de lixo, das merendas escolares, das ambulâncias e dos ônibus.

Os telejornais locais também mostraram os dramas das cidades. O ‘SPTV 1’ mapeou os prejuízos em bares e restaurantes, por exemplo.

No ‘Jornal da Globo’, Arnaldo Jabor aproveitou sua crônica de sábado para comentar a greve dos caminhoneiros. Ele fez um paralelo com as manifestações de Junho de 2013, afirmando que havia ali muito ódio contra “tudo isso que está aí”.

Domingo foi o sétimo dia de paralisação, mas ninguém descansou. Representantes dos caminhoneiros autônomos que se reuniram com Temer do Palácio do Planalto afirmaram que aprovaram as medidas propostas e orientaram a categoria a encerrar a greve. Foram elas: redução de R$0,46 no preço do litro do diesel por 60 dias, e uma medida provisória isentando pagamento de pedágio para eixos de caminhões vazios.

Na tarde de domingo, Faustão aproveitou a presença de Almir Sater e Renato Teixeira em seu programa para dar seu recado aos caminhoneiros: “O mesmo povo que entende o drama de vocês é o povo que não pode pagar por isso”, afirmou o apresentador. Mais tarde, o ‘Fantástico’ mostrou que houve panelaços em várias capitais no momento do pronunciamento do ex-presidente Michel Temer em cadeia nacional.

O ‘Fantástico’ de 27 de maio exibiu ainda outras várias reportagens especiais sobre o assunto. Em uma delas, um repórter do programa conseguiu entrar num grupo de conversa no WhatsApp e acompanhou as combinações ao longo da semana. Com a ameaça de o governo botar o exército nas ruas, as orientações eram de se render, mas não tirar os caminhões das pistas. Havia espaço também para fake news.

Outra reportagem acompanhou duas viagens, na véspera e naquele dia, com produtos para realização de hemodiálise e combustível de aviões. A segunda precisou de escolta policial.

Diretor do ‘Fantástico’, Bruno Bernardes se lembra da tensão dessa cobertura. “Tinha um risco muito grande para a segurança. (...) Como a gente não conseguia ir aos bloqueios a gente teve que inventar formas de cobrir", comentou ele.

Um ponto alto lembrado por Bruno foi a reportagem de Marcos Losekann sobre a vida dos caminhoneiros. Por uma particularidade: o pai do repórter, Ary Losekann, era caminhoneiro, e ao longo da vida levou o filho, ainda criança, várias vezes nas viagens a trabalho. Só ao fim da reportagem, ele revela o parentesco. “A gente pensou: existe esse bloqueio que está causando um grande transtorno no país, mas a gente não pode criminalizar também a figura do caminhoneiro que tem, que tinha um pleito ali. Aí a gente encontrou esse formato”, contou Bruno em depoimento ao Memória Globo.

“Eu acho que aqui no Brasil a gente ainda não tinha se dado conta do uso de redes sociais para mobilização de pessoas e os efeitos foram desastrosos. Então um papel nessa história da nossa função social foi explicar inclusive a política de preços, em determinado momento a gente recebeu no Bom Dia, Brasil o ministro da Fazenda, a gente chegou lá e, e deu uma prensa nele: 'E aí, como é que vai fazer, como é que vai resolver, como é que faz em relação ao frete?', porque a situação foi uma das mais graves da história recente que a gente teve, o risco de abastecimento.” Neste trecho de depoimento, Giuliana Morrone lembra por que insistiu para o que o ministro da Fazenda fosse ao estúdio do jornal matinal, em Brasília, “coisa que não acontecia há muito tempo”, o que demonstrava a gravidade da situação.

Mais uma segunda-feira de paralisação, e dessa vez ficou claro que a greve dava uma guinada rumo à politização. Mesmo após ter os principais pedidos atendidos, muitos caminhoneiros seguiam parados, e líderes indicavam pautas além da redução do diesel. No ‘Jornal Nacional’, o presidente da Associação Brasileira de Caminhoneiros, José da Fonseca Lopes, fez uma denúncia: garantiu “que não é mais o caminhoneiro que está fazendo greve”. Segundo ele, estava havendo forte interferência de grupos políticos no movimento grevista, a fim de derrubar o governo.

Àquela altura, alguns setores já conseguiam contabilizar seus prejuízos. Por exemplo: 70 milhões de aves morreram nas granjas por falta de ração.

Na terça-feira, nono dia de paralisação, o movimento começa finalmente a perder força, enquanto cresce o número de denúncias de consumidores sobre cobranças abusivas nos postos de gasolina.

A acusação realizada no dia anterior pelo presidente da Associação de Caminhoneiros reverbera no governo. Em reportagem do ‘Jornal Hoje’, ministros afirmam que há pessoas infiltradas no movimento grevista. Carlos Marun, ministro da Secretaria de Governo, conta que sete pessoas foram presas no Maranhão por esse motivo.

O ‘Jornal Nacional’ ainda dedica bastante tempo ao assunto, mostrando que aos poucos os serviços voltam a ser normalizados. Mas a principal matéria repercute a tentativa de infiltrados em atacar a democracia brasileira. Caminhões com mensagens "Intervenção militar já", vistos nas estradas, geraram reação enfática de todos os setores da sociedade civil. Inclusive do então ministro do GSI, Sérgio Etchegoyen, que diz que “isso é assunto do século passado”.

Nos dias 30 e 31, as reportagens já dão o tom de encerramento dos bloqueios pelo país.

Foi uma cobertura importante para provar que a emissora podia dar conta da complexidade da crise gerada por aquela greve no Brasil. Nas palavras de Fátima Baptista, chefe de redação da GloboNews: