Na noite de 17 de agosto de 1987, uma segunda-feira, os brasileiros se despediram de um de seus maiores poetas. Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro, em decorrência de insuficiência respiratória.
Com a saúde debilitada desde o final de 1986, quando sofreu um infarto, Drummond acompanhou a doença e a morte de sua única filha, Maria Julieta, vítima de câncer. A tristeza da perda assolou o poeta mineiro, cujos versos atravessaram diferentes gerações da literatura brasileira no século XX.
Cid Moreira recita 'E Agora, José?', de Carlos Drummond de Andrade, um dia após a morte do poeta, Jornal Nacional, 18/08/1987.
O POETA DE SETE FACES
Nascido em 1902 na cidade de Itabira, Minas Gerais, Drummond usou a terra natal como inspiração em diversas de suas obras. Em 1919, o jovem Carlos mudou-se para Belo Horizonte, depois para Nova Friburgo (RJ) e, de lá, retornou ao estado, estudando farmácia em Ouro Preto e Belo Horizonte.
De volta à capital mineira, em 1923, conheceu Mário e Oswald de Andrade (com quem compartilhava o sobrenome, por coincidência), que visitavam a cidade e o puseram em contato próximo com a poesia modernista. Mário de Andrade, inclusive, seria seu amigo de correspondência até o fim da vida. Ainda em Belo Horizonte, trabalhou no jornal Diário de Minas e frequentava o Café Estrela, ponto de encontro de uma geração de poetas e escritores que incluía Milton Campos, Aníbal Machado, João Alphonsus de Guimaraens e Pedro Nava. Com eles, em 1925, fundou A Revista, uma das mais importantes publicações literárias do estado a divulgar o modernismo.
Drummond ingressou no serviço público em 1928, como redator de órgãos oficiais do setor de educação. Mudou-se de vez para o Rio de Janeiro, então capital federal, em 1934, trabalhando como chefe de gabinete do primeiro ministro da Educação brasileiro, Gustavo Capanema, seu antigo colega de escola. Casado desde 1925, viveu uma tragédia pessoal quando o único filho homem que teve, Carlos Flávio, morreu apenas meia hora depois de nascer. Maria Julieta viria no ano seguinte e se tornaria uma das grandes companheiras do pai ao longo da carreira. Nos anos 50, já era considerado um dos principais poetas do Brasil.
EQUIPE E ESTRUTRA
A Globo levou ao ar uma série de homenagens ao poeta em sua programação. Apresentadores, atores e jornalistas expressaram o respeito e a importância de Carlos Drummond de Andrade ao ler trechos de seus poemas ao vivo, no ar. Foram eles: Paulo José, Tônia Carreiro, Leilane Neubarth, Cid Moreira, Pedro Bial, Leila Cordeiro.
MORRE O POETA
No dia 17 de agosto, a Globo noticiou o falecimento de Carlos Drummond de Andrade, ocorrido às 20h45, primeiro no Jornal da Globo, depois no 'RJTV – 3ª Edição'.
No dia seguinte, a morte do poeta foi destaque na programação da emissora, e diversos telejornais preparam matérias especiais. O Jornal Hoje, por exemplo, exibiu um perfil de Drummond, que foi homenageado com a leitura de suas obras por atores como Paulo José e Tônia Carrero.
Os telejornais locais daquele dia também reprisaram uma entrevista de Drummond à emissora, em 1977. Nomes como Mário Quintana, Afonso Arinos de Mello Franco, Burle Marx, Austregésilo de Athayde, Thiago de Mello e Cyro dos Anjos comentaram a perda. E outros jornalistas da rede, como Pedro Bial e Leila Cordeiro, também recitaram poemas de Carlos Drummond de Andrade.
No 'RJTV – 2ª Edição', a apresentadora Leilane Neubarth recitou no ar um trecho de José, um dos poemas mais famosos de Drummond – conhecido pela indagação do verso inicial, 'E agora, José?'.
O 'Fantástico' que se seguiu à morte de Drummond prestou homenagem com diferentes interpretações de poemas. A mímica Lina do Carmo interpretou 'Falta Pouco'; Milton Nascimento cantou 'Canção Amiga' e Walmor Chagas recitou 'Menino Chorando na Noite'.
Leda Nagle apresenta o perfil de Carlos Drummond de Andrade, após a morte do poeta, Jornal Hoje, 18/08/1987.
E AGORA, JOSÉ?
Em 18 de agosto, o 'Jornal Nacional' levou ao ar uma edição especial em homenagem a Drummond. Depois de o jornal dedicar dois blocos inteiros à vida e obra do escritor, incluindo textos seus declamados por jovens atores da Globo, o apresentador Cid Moreira quebrou o protocolo, levantou-se da bancada e, de pé, leu o poema José que terminou com um toque especial.
“Quando o Carlos Drummond de Andrade morreu, fizemos um ‘boa noite’ diferente. No final do jornal, sussurrei: ‘E agora, José?’ Senti vontade de fazer aquilo, e fiz. E ninguém esperava isso. Fizeram uma fila para me cumprimentar, e até hoje me sinto honrado. O Alexandre Garcia, o Paulo Henrique Amorim, o Armando Nogueira, enfim, todo mundo fez fila para me abraçar. ‘Que jogada!’, disseram. Tenho isso dentro de mim”, relembra o apresentador Cid Moreira.
POEMAS ERÓTICOS
A jornalista Leilane Neubarth, que já havia recitado 'E agora, José?', voltou a proclamar seus versos: “Por ocasião da morte do Drummond, o editor-chefe do Jornal da Globo me chamou para ler uns poemas eróticos do Drummond. Ele me encontrou no corredor e falou: ‘Leilane, acho que é a sua cara. Você aceita ler uns poemas inéditos do Drummond, para a gente botar no Jornal da Globo?’ Aceitei, toda feliz; qualquer desafio sempre me emocionou muito. E quando ele me deu os poemas, eram eróticos e explícitos. Então, eu me lembro que fiquei muito assustada: ‘Minha Nossa Senhora do Céu, como vou falar isso para uma câmera?’ Foi uma sensação muito engraçada. A lembrança que eu tenho foi a de que ficou muito bom. As pessoas viram e vieram comentar: ‘Nossa, que ousadia!’ Foi uma ousadia que deu certo”.
O POETA EM FOCO
A Globo prestigiou a importância de Drummond em diversas ocasiões. Em 1977, fez com ele um Globo Repórter mostrando sua trajetória em Belo Horizonte. Em outra entrevista, no mesmo ano, Drummond falou sobre sua amizade com o poeta pernambucano Manuel Bandeira. Outro amigo do autor mineiro foi homenageado por ele em 1980, quando Drummond recitou versos de Vinicius de Moraes por ocasião de seu falecimento. Em 1981, foi entrevistado no Jornal Hoje e falou de sua obra e sua vida.
Cinco anos antes de sua morte, Drummond tinha sido tema de uma série de programas e reportagens comemorativas, por ocasião de seu 80º aniversário. Amigos, críticos e outros escritores, como Otto Lara Resende e Affonso Romano de Sant’Anna, falaram das obras e da relevância do poeta mineiro para a cultura nacional.
Trecho do Globo Repórter sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade, 04/01/1977.
Drummond recita poema de Vinicius de Moraes, por ocasião de sua morte, Jornal da Globo, 09/07/1980.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Leilane Neubarth (29/05/2002) e Cid Moreira (22/03/2000); MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional – a notícia faz história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004; Fantástico (23/08/87); Jornal Hoje (18/08/87); Jornal Nacional (18/08/87); Jornal da Globo (17/08/87, 18/08/87); RJTV (17/08/87). |