Em dezembro de 1996, foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal para apurar irregularidades na emissão de títulos precatórios (dívidas resultantes de sentenças judiciais). A fraude consistia na negociação dos títulos pelas prefeituras de vários municípios do país com o objetivo de arrecadar dinheiro.
O golpe foi descoberto, primeiramente, nos estados de Santa Catarina e Pernambuco, mas foi com o envolvimento da prefeitura de São Paulo que o escândalo ganhou destaque nacional. Com as investigações, logo apareceram documentos que comprovavam a ligação do então prefeito Celso Pitta com o esquema.
Reportagem de Carlos Tramontina sobre a denúncia de uma nota fiscal, em nome de Nicéia Pitta, paga pelo Banco Vetor, Jornal da Globo, 17/03/1997.
EQUIPE E ESTRUTURA
Participaram da cobertura os repórteres Sérgio Leo, Ana Paula Padrão, Paulo Henrique de Souza e Carlos Tramontina, que relembra a importância da Globo no episódio: “Nós denunciamos, afirmamos, sempre com base em fatos. Foi um período de altíssima efervescência jornalística para a praça de São Paulo. Com gigantescos resultados jornalísticos, e uma enorme redução do distanciamento da TV Globo em relação ao cidadão de São Paulo.”
O apresentador Chico Pinheiro entrevistou, para o Globo Repórter, a ex-primeira dama, Nicéia Pitta, que lhe revelou detalhes sobre o esquema de corrupção da administração de São Paulo.
Envolvimento do prefeito de São Paulo
A notícia sobre o envolvimento de Celso Pitta, então prefeito de São Paulo, no escândalo dos precatórios foi ao ar em 17 de março de 1997. O repórter Carlos Tramontina informou que a Polícia Federal havia encontrado uma nota do Banco Vetor em nome de Nicéia Pitta, na época mulher do prefeito. O documento, de março de 1996, apresentava o valor de R$ 2.600 para o pagamento do aluguel de um carro. O banco era apontado pela CPI como uma das instituições financeiras que mais lucraram com a compra e venda dos títulos públicos. Em seguida, começaram a aparecer outros documentos que envolviam os assessores mais próximos de Pitta.
Apesar de o tema ser complexo, era importante que a opinião pública entendesse do que se tratava. No caso, até o nome da CPI – “CPI dos Precatórios” – era um entrave ao entendimento. No dia 20 de fevereiro de 1997, a jornalista Ana Paula Padrão usou um dicionário para explicar aos telespectadores o significado de “precatório”, palavra até então praticamente desconhecida da maioria da população.
O Jornal da Globo de 26 de fevereiro mostrou o senador Roberto Requião, relator da CPI, falando que o “povo estava sendo roubado”. Em seguida, o repórter Sérgio Leo entrevistou Hélio Bastos, assessor legislativo, que afirmava o envolvimento do coordenador da Dívida Pública da Prefeitura de São Paulo, Wagner Batista Ramos, no esquema.
Dia 27 de fevereiro, foi a vez do Jornal Hoje mostrar o depoimento de Eduardo Campos, então secretário de Fazenda de Pernambuco, na CPI dos Precatórios. Ainda foi ao ar uma entrevista com o senador Espiridião Amin.
As instituições financeiras envolvidas no escândalo dos precatórios foram alvo de reportagens do Jornal da Globo do dia 28, assim como do Jornal Hoje do dia 5 de março: Vetor, Split, Paper e Bradesco.
Jornalismo de denúncias
Segundo o repórter Carlos Tramontina, a cobertura foi um marco no telejornalismo paulistano: “Nunca tínhamos feito uma cobertura de um período de administração pública daquela maneira. Jamais falamos de um prefeito como falamos daquela vez. Jamais fizemos tantas matérias denunciando falcatruas, má administração e desvio de dinheiro público. Foi um momento de aprendizado para nós. Denunciamos e afirmamos sempre com base em fatos.”
O Jornal Nacional noticiou que, no ano de 1994, quando Paulo Maluf era prefeito de São Paulo e Pitta seu secretário de Finanças, o município havia pedido quase um bilhão de reais ao governo federal para quitar dívidas judiciais. Mas os relatórios do Tribunal de Contas da prefeitura revelaram que apenas 30% desse dinheiro foram destinados ao pagamento das dívidas. A repórter Ana Paula Padrão informou que a CPI acusara o então coordenador da dívida pública de São Paulo, Wagner Baptista Ramos, de ser o criador da fórmula que aumentava os valores dos precatórios.
Em agosto de 1997, o relatório final da CPI concluiu que tinham sido emitidos títulos acima do valor dos precatórios devidos pela prefeitura de São Paulo. Essas operações foram idealizadas no Departamento de Dívida Pública da Secretaria de Finanças, durante a gestão de Paulo Maluf. A CPI indiciou 17 pessoas e 161 empresas pelo golpe.
Condenação de Maluf e Pitta
“Condenado, em primeira instância no escândalo dos precatórios, o prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Ele não deverá perder o mandato, poderá continuar no cargo até o julgamento final, que pode demorar cinco anos. Mas, se a sentença for confirmada, Pitta pode ficar oito anos inelegível”, informou o Jornal Nacional do dia 23 de dezembro de 1997.
Em março de 1998, Pitta e Maluf foram condenados à perda dos direitos políticos, acusados de improbidade administrativa. O prefeito de São Paulo ainda teve a perda do mandato acrescida à sua pena e os bens bloqueados pela Justiça. A condenação, no entanto, só seria aplicada quando o caso fosse julgado em última instância, o que poderia levar cinco anos – tempo suficiente para Celso Pitta terminar sua gestão na prefeitura de São Paulo.
Ambos os acusados recorreram da sentença, como noticiou o Jornal Nacional do dia 5 de março de 1998: “Celso Pitta e Paulo Maluf contestam na justiça o relatório da Polícia Federal sobre os precatórios. Eles consideram o pedido de prisão temporária uma manobra política.”
Em 1999, por três vezes chegou-se a pedir a abertura do processo de impeachment de Celso Pitta, mas o prefeito conseguiu sair ileso em todas. Em julho do ano seguinte, a Câmara de Vereadores de São Paulo rejeitou mais um pedido de impeachment. Celso Pitta, que também se encontrava envolvido nas investigações da Máfia dos Fiscais foi afastado da prefeitura em duas ocasiões, em março e maio de 2000, em decorrência de denúncias feitas por sua ex-mulher, Nicéia Pitta, ao repórter Chico Pinheiro. Nos dois casos, no entanto, voltou ao cargo beneficiado por recursos judiciais.
Entrevista exclusiva
Na entrevista, que foi ao ar no Globo Repórter de 10 de março de 2000, Nicéia Pitta revelou que o prefeito tinha comprado o voto dos vereadores para encerrar a CPI da Câmara que apurava a máfia dos fiscais. Ainda confirmou que o ex-marido sabia da emissão ilegal dos títulos públicos e revelou novos nomes envolvidos no escândalo dos precatórios.
Entrevista exclusiva de Chico Pinheiro com Nicéia Pitta sobre os escândalos de corrupção envolvendo o ex-marido Celso Pitta, Globo Repórter, 10/03/2000.
“A câmara de Vereadores de São Paulo rejeitou hoje o pedido de impeachment do prefeito Celso Pitta. Ele era acusado de 11 irregularidades”, anunciou o JN do dia 12 de julho de 2000. Apenas 22 vereadores votaram a favor da impugnação do mandato do prefeito, quando o mínimo necessário era de 37 votos.
Em novembro de 2001, foi decretada a prescrição dos crimes de responsabilidade e falsidade ideológica que teriam sido cometidos por Paulo Maluf. O ex-prefeito completara 70 anos em setembro, e a lei prevê que a pena de septuagenários seja reduzida à metade, assim como o prazo prescricional. Com isso, Maluf estava livre das acusações desde novembro de 2000 e não poderia mais ser julgado por aqueles crimes, segundo a juíza Adriana Pillegi de Soveral, da 8ª Vara Criminal Federal.
Contas no exterior
Em 2004, mais um escândalo envolvendo o nome de Paulo Maluf foi noticiado. Uma matéria do repórter César Tralli, exibida no Jornal da Globo em 7 de maio, mostrou extratos bancários comprovando a existência de contas milionárias do ex-prefeito de São Paulo na Suíça. A reportagem destacava ainda que os documentos liberados pela Justiça em Genebra revelavam que o político transferira boa parte desse dinheiro para seu filho. Maluf negou todas as acusações.
Celso Pitta e Wagner Baptista Ramos, contudo, continuaram respondendo a processo pelo desvio de 600 milhões de reais da prefeitura de São Paulo para o pagamento de precatórios.
Em julho de 2006, o ex-prefeito foi denunciado pelo procurador da República Rodrigo de Grandis, do Ministério Público Federal em São Paulo, pelos crimes de corrupção passiva, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e organização criminosa. Em fevereiro de 2008, Celso Pitta e Wagner Baptista Ramos foram condenados pela Justiça Federal a dois anos e dois meses de prisão em regime semi-aberto, cada. Celso Pitta faleceu de câncer intestinal em 20 de novembro de 2009.
Em 10 de outubro de 2012, o então deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) foi condenado a devolver aos cofres públicos R$ 21,3 milhões referente aos prejuízos de operações financeiras com os títulos da dívida pública do Município de São Paulo.
Reportagem de César Tralli sobre a quebra de sigilo bancário de Paulo Maluf, que fazia movimentações financeiras na Suíça, Jornal da Globo, 07/05/2004.
FONTES
Depoimento concedido ao Memória Globo por: Carlos Tramontina (27/1/2004); Jornal Nacional (17/03/97, 22/12/97, 23/12/00, 05/05/98, 26/03/00, 24/03/00, 25/03/00, 27/03/00, 25/05/00, 26/05/00, 13/06/00, 14/06/00, 12/07/00, 04/05/04); Globo Repórter (10/03/2000). |