Por Memória Globo

Frame de vídeo / Globo

Em 1992, foi iniciada uma licitação para a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. A construtora Incal venceu a licitação. Três anos depois, o Tribunal de Contas da União fez um comunicado à Comissão de Orçamento do Congresso de que havia irregularidades na obra. A construção foi abandonada em 1998 e custou mais de 230 milhões de reais; desse valor, 169 milhões foram desviados por um esquema liderado pelo juiz Nicolau dos Santos Neto. O caso, que se tornou um dos crimes mais conhecidos de corrupção no país, veio à tona em 1999, durante a CPI do Judiciário, instalada no Senado para investigar denúncias de irregularidades nos tribunais.

EQUIPE E ESTRUTURA

O escândalo da obra superfaturada do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo foi destaque no jornalismo da Globo, principalmente no Jornal Nacional e no Jornal da Globo, que exibiram, quase diariamente, matérias sobre o caso.   

Reportagem de Marcos Losekann sobre as irregularidades na obra da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 27/04/1999.

Reportagem de Marcos Losekann sobre as irregularidades na obra da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 27/04/1999.

AS PRIMEIRAS DENÚNCIAS

As primeiras denúncias contra Nicolau dos Santos Neto partiram do seu ex-genro, Marco Aurélio de Oliveira. Na reportagem de Marcos Losekann, exibida no Jornal Nacional em 22 de abril, Marcou Aurélio, sem mostrar o rosto, contou como o sogro esbanjava seu dinheiro e revelou a existência de contas do juiz no exterior. O patrimônio que Nicolau acumulara em tão pouco tempo – e que incluía um apartamento de luxo em Miami, uma mansão na praia do Guarujá (SP) e uma frota de carros importados – levantou suspeitas de desvio do dinheiro público.

As irregularidades na construção da nova sede do prédio do TRT paulista foram apresentadas pelo JN em 27 de abril de 1999. Além de imagens da obra inacabada e abandonada, a matéria, também de Losekann, mostrava que a construtora não seguiu o projeto original. Não havia, por exemplo, espaço para os aparelhos de ares-condicionados, nem mesmo tomadas para computadores, como estava previsto na planta. Uma prova do superfaturamento era o trabalho do vidraceiro na fachada do prédio que custou 560 mil e não 2,6 milhões como fora declarado.

Em abril de 2000, acusado de remessa ilegal de recursos ao exterior e lavagem de dinheiro, Nicolau dos Santos Neto teve sua prisão preventiva decretada. Mas o juiz conseguiu escapar da operação da Polícia Federal e ficou foragido por mais de sete meses. O Fantástico do dia 30 de abril exibiu uma foto de Nicolau dos Santos Neto, sob o título Desaparecido, e o telefone da polícia de São Paulo caso alguém tivesse qualquer pista sobre o paradeiro do magistrado.

Reportagem de Marcos Losekann sobre as acusaçõs contra o juiz Nicolau dos Santos Neto feitas por seu ex-genro, Jornal Nacional, 22/04/1999.

Reportagem de Marcos Losekann sobre as acusaçõs contra o juiz Nicolau dos Santos Neto feitas por seu ex-genro, Jornal Nacional, 22/04/1999.

LUIZ ESTEVÃO, O PRIMEIRO PARLAMENTAR CASSADO PELO SENADO FEDERAL

“O fim da impunidade no Senado: Luiz Estevão perde o mandato por quebra de decoro parlamentar”, anunciou Fátima Bernardes na escalada do Jornal Nacional do dia 28 de junho de 2000.

O senador Luiz Estevão, também envolvido no escândalo do TRT de São Paulo, recebia cheques da construtora Incal, responsável pela obra, e era o maior beneficiário do desvio do dinheiro do TRT-SP. Ele perdeu o mandato e foi acusado de estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica, peculato e corrupção passiva. Luiz Estevão foi o primeiro parlamentar a ser cassado pelo Senado Federal por falta de decoro. Sem imunidade, o ex-senador poderia ser preso, o que aconteceria no dia seguinte.

Ainda no dia 28 de junho, uma matéria de Caco Barcellos revelava mais um absurdo: os prédios inacabados do TRT seriam leiloados por um preço equivalente a menos de cinco por cento do dinheiro público investido na obra.

Reportagens de Delis Ortiz e Caco Barcellos sobre a cassação do mandato do então senador Luiz Estevão e sobre as irregularidades nas obras da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 28/06/2000.

Reportagens de Delis Ortiz e Caco Barcellos sobre a cassação do mandato do então senador Luiz Estevão e sobre as irregularidades nas obras da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 28/06/2000.

Comentário de Arnaldo Jabor sobre as irregularidades nas obras da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 30/06/2000.

Comentário de Arnaldo Jabor sobre as irregularidades nas obras da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 30/06/2000.

Imagens de Luiz Estevão sendo levado para a Superintendência da Polícia Federal de São Paulo foram exibidas no Jornal Nacional do dia 29 de junho. O ex-senador foi preso por ameaça à ordem pública e coação à testemunha, e não por sua ligação com a obra superfaturada do TRT. Estevão, no entanto, recorreu à decisão da Justiça e ficou preso por pouco tempo.

O comentário de Arnaldo Jabor exibido naquela noite no JN questionava a fiscalização do Tribunal de Contas sobre o orçamento da obra do fórum trabalhista de São Paulo: “Os tribunais de contas só analisam os números depois dos roubos feitos? E antes? Quem autorizou esse orçamento original? Quem fiscalizou? Ninguém. Esse crime não tem rosto, é invisível. É um crime dentro da lei. É uma tradição generalizada no dia a dia da burocracia desleixada e corrupta. O Brasil gastou 231 milhões e só vai recuperar 16. Quem paga a diferença?”

O APARTAMENTO DE MIAMI APRESENTADO COM EXCLUSIVIDADE

Um dos destaques da cobertura da Globo foram as reportagens realizadas por Caco Barcellos e o repórter cinematográfico Marco Antônio Gonçalves em Miami em agosto de 2000. Os dois viajaram aos Estados Unidos para mostrar o apartamento de luxo que Nicolau dos Santos Neto, na época foragido, havia comprado na cidade. Em um cartório na Flórida, o repórter descobriu que o imóvel havia sido vendido para uma empresa sem sede conhecida em Miami. Caco Barcellos tentou obter alguma informação sobre a venda e descobriu que era mais um golpe do juiz.

“Nossa tarefa era tentar mostrar o apartamento de luxo, avaliado em quase dois milhões de dólares, que o juiz Nicolau havia comprado em Miami com o dinheiro desviado do Brasil. Ele havia dito que o apartamento não era mais dele, tinha sido vendido para uma empresa. Eu fui à Justiça americana porque tinha achado estranha a compra, a posição das duas empresas, a compradora e a vendedora. Um advogado especialista nessa área descobriu que as duas empresas tinham sede numa das ilhas de paraísos fiscais e, na verdade, havia uma grande semelhança entre elas, o que me fez suspeitar de que ambas fossem empresas fantasmas criadas pelo juiz. Eu tive certeza disso porque a suposta compradora do apartamento tinha um escritório em Miami, para o qual eu telefonava. Tinha uma secretária que atendia e eu fazia perguntas estratégicas, queria saber qual o produto que a empresa vendia, quantos funcionários trabalhavam lá, e ela não sabia me informar. Descobri o endereço, fui até lá diversas vezes, mas ninguém atendia.”, conta o jornalista. As desconfianças aumentaram quando os funcionários e o próprio síndico do prédio disseram não saber da venda do apartamento. O juiz continuava pagando o condomínio e recebendo correspondências em seu nome.

Reportagem Caco Barcellos, com imagens de Marco Antônio Gonçalves, sobre a suposta casa na Flórida do juiz Nicolau dos Santos Neto, Jornal Nacional, 07/08/2000.

Reportagem Caco Barcellos, com imagens de Marco Antônio Gonçalves, sobre a suposta casa na Flórida do juiz Nicolau dos Santos Neto, Jornal Nacional, 07/08/2000.

O mistério só foi desvendado depois que a equipe da Globo entrou no prédio com a ajuda de um marceneiro brasileiro, José Carlos dos Santos, que fizera uma reforma no apartamento de Nicolau. “O plano era entrar como se fôssemos companheiros de trabalho do marceneiro, para não chamar a atenção de ninguém. E como o horário para os serviços no prédio se encerrava às 17h, tínhamos 45 minutos quando o homem concordou em nos levar até lá. Entramos de carro até a garagem, onde fizemos o desembarque das pastas e sacos das ferramentas, entre elas a nossa câmera. Impressionados com o luxo do apartamento, gravamos sem parar, com destaque para os objetos pessoais do juiz: as correspondências com o nome dele, as fotografias dos parentes nas paredes. E cada detalhe reforçava a nossa convicção de que o apartamento ainda era dele e a venda não passava de uma manobra de advogados, para enganar a Justiça e evitar o confisco do seu patrimônio, construído com o dinheiro público.”, explica Caco Barcellos.

Inicialmente, a reportagem estava sendo produzida para ser exibida no Jornal da Globo. Mas acabou rendendo pauta também para o Jornal Nacional. No dia 7 de agosto de 2000, Fátima Bernardes convidou o telespectador a conhecer um dos imóveis mais comentados dos últimos anos no Brasil , cujo proprietário ninguém sabia exatamente quem era.

O Jornal da Globo daquela noite anunciou uma visita de “encher os olhos”. Com imagens diferentes das que foram exibidas no JN, a reportagem mostrava, com mais detalhes, a sofisticação do apartamento num dos condomínios mais caros de Miami, o Bristol Tower. Uma curiosidade foi a música que ilustrou a matéria, que parecia ter sido escolhida especialmente. “Tivemos muita sorte ao descobrir uma peculiaridade na cozinha. Eu queria mostrar o sistema de comunicação interno do apartamento, que era moderníssimo: bastava apertar um botão na parede para acionar os microfones e alto-falantes embutidos nela. E, por acaso, acabei tocando no botão que acionava o sistema de som. E aí começou a tocar uma música do Noel Rosa, da coleção de CDs do juiz, que parecia escolhida especialmente para a sonorização da reportagem. A música fala da história de um malandro que pede desculpas e promete devolver o dinheiro que havia roubado de alguém. Ninguém acredita que foi sorte minha. ‘Você foi lá e colocou a música’, dizem. E foi sorte.”, revela Caco Barcellos.

Caco Barcellos ainda teve acesso a fitas de vídeo feitas pelo próprio juiz Nicolau dos Santos Neto, nas quais ele mostrava seu patrimônio em momentos íntimos com sua família. Segundo o repórter, os comentários do juiz revelavam, de forma única, o orgulho e o fascínio dele pela fortuna conquistada com o dinheiro dos brasileiros.

As fitas estavam com o marceneiro José Carlos dos Santos, que, além de cedê-las, concordou em dar uma entrevista exclusiva a Caco Barcellos contando sua relação com o juiz e explicando de que forma o ajudou a se desfazer de alguns de seus bens depois que o escândalo do TRT veio à tona. A reportagem foi exibida no Jornal Nacional no dia 11 de agosto de 2000. O Fantástico do domingo seguinte, exibiu novamente essas imagens das fitas

A PRISÃO NOTICIADA EM PRIMEIRA MÃO PELO JN

Nicolau dos Santos Neto, que ficou conhecido como Lalau, se entregou em 8 de dezembro de 2000, depois de passar sete meses foragido. A notícia foi dada em primeira mão pelo Jornal Nacional. O repórter César Tralli, que durante esse período acompanhou as investigações da polícia para localizar o juiz, conta que o JN já estava no ar quando recebeu um telefonema do delegado da Polícia Federal de São Paulo informando que, enfim, haviam capturado Nicolau dos Santos. A prisão do juiz foi anunciada por William Bonner.

Após o término do JN, César Tralli entrou ao vivo durante a programação da emissora, direto da Superintendência da PF de São Paulo, para onde o juiz estava sendo levado. A reportagem completa sobre a prisão de Nicolau dos Santos Neto foi ao ar no Jornal da Globo daquela noite.

William Bonner anuncia a prisão do juiz Nicolau dos Santos Neto, acusado de liderar um esquema de corrupção que desviou 169 milhões das obras da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 08/12/2000.

William Bonner anuncia a prisão do juiz Nicolau dos Santos Neto, acusado de liderar um esquema de corrupção que desviou 169 milhões das obras da sede do TRT de São Paulo, Jornal Nacional, 08/12/2000.

CONDENAÇÃO DE NICOLAU DOS SANTOS NETO

Em 28 de junho de 2002, a dois dias da final da Copa do Mundo, quando o Brasil se consagraria pentacampeão mundial, o Jornal Nacional noticiou a condenação de Nicolau dos Santos Neto a oito anos de prisão por lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Os outros réus – o ex-senador Luiz Estevão e os empresários Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Teixeira Ferraz, donos da Incal, – foram absolvidos.

Em julho de 2003, o Jornal Nacional informou que uma liminar havia concedido prisão domiciliar para o juiz , que alegava sofrer de depressão e pressão alta. Em janeiro de 2007, Nicolau dos Santos Neto perderia o direito de cumprir sua pena em casa. Depois de seis dias na cadeia, no entanto, o juiz aposentando retornou à sua casa.

Apenas no dia 3 de maio de 2006, na véspera da prescrição de alguns crimes, os envolvidos em um dos maiores escândalos de corrupção da história recente do Brasil foram condenados. César Tralli falou ao vivo, no Jornal Nacional daquela noite, direto do Tribunal Federal de São Paulo. Naquele momento, ainda não havia terminado o julgamento, mas o repórter informou que a decisão final deveria sair antes da meia-noite, em tempo de evitar a prescrição dos crimes.

Reportagem sobre a liminar que autorizou a prisão domiciliar do juiz Nicolau do Santos Neto, Jornal Nacional, 19/07/2003.

Reportagem sobre a liminar que autorizou a prisão domiciliar do juiz Nicolau do Santos Neto, Jornal Nacional, 19/07/2003.

A sentença saiu a poucas horas antes do processo ser extinto por recurso de prazo e foi anunciada por William Waack no Jornal da Globo: Nicolau dos Santos Neto foi condenado a 26 anos por estelionato, corrupção e peculato, além de ter de pagar uma multa de 1,2 milhão de reais; Luiz Estevão, Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Teixeira Ferraz foram condenados por estelionato, corrupção, formação de quadrilha, falsificação de documento e peculato. Estevão e Monteiro de Barros receberam pena de 31 anos de prisão; e José Eduardo Teixeira, 27 anos e oito meses. Os três, que ainda foram condenados a pagar uma multa em dinheiro, puderam recorrer em liberdade.

Os condenados recorreram da sentença, mas, em junho de 2012, o Superior Tribunal de Justiça manteve, por unanimidade, a condenação do ex-senador Luiz Estevão e dos empresários Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Teixeira. Na ocasião, o STJ também negou o pedido da defesa do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto para que fosse admitido recurso especial contra sua condenação.

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