Um corpo apareceu boiando na praia da Macumba, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1982. No bolso da bermuda estavam os documentos do jornalista Alexandre von Baumgarten, desaparecido havia 13 dias. Baumgarten foi visto pela última vez na manhã de 13 de outubro quando deixava o prédio em que morava. Havia saído com a esposa, Jeanette Hansen, para uma pescaria. O casal combinara de encontrar o barqueiro Manuel Valente Pires no cais da Praça XV: de lá zarpariam a bordo da traineira Mirimi para o mar aberto, próximo às ilhas Cagarras. O tempo estava fechado. Nunca mais foram vistos.
Três dias após a identificação no Instituto Médico Legal, Baumgarten foi enterrado como vítima de afogamento. Em janeiro de 1983, a versão mudou. Uma reportagem publicada na revista Veja revelou que Baumgarten fora assassinado com dois tiros na cabeça e um no tórax. O laudo do IML, assim como as cápsulas de bala que estavam alojadas em seu corpo, estava anexado ao inquérito arquivado na 16ª DP da Barra da Tijuca, que não investigou o crime até receber ordem da Justiça.
Reportagem de Caco Barcellos sobre a nova versão para a morte de Alexandre von Baumgarten, que teria sido assassinado como queima de arquivo, na ação chamada de Operação Dragão, Jornal Nacional, 05/04/1983.
Em fevereiro, a revista publicou um dossiê secreto, escrito pelo jornalista, em que ele denunciava a existência de um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo empresas privadas, o Serviço Nacional de Informação (SNI) e a revista O Cruzeiro (de que Baumgarten foi sócio), que funcionava como uma mídia de apoio ao governo. O dossiê foi enviado a dez pessoas e tinha a indicação no envelope de que só poderia ser lido em caso de desaparecimento ou morte do jornalista. O documento revelava que Baumgarten fora jurado de morte e acusava diretamente o general Newton Cruz, então chefe da Agência Central do SNI, de ser o autor da sentença.
O caso só começou a ser investigado com profundidade em 1985, quando o delegado Ivan Vasques, da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, assumiu o processo. Ele indiciou três militares pelo desaparecimento e morte das vítimas. Em 1992, todos foram absolvidos.
EQUIPE E ESTRUTURA
Caco Barcellos foi o primeiro jornalista da Globo a cobrir o Caso Baumgarten. Iniciante na televisão, Barcellos acompanhou o dia a dia das investigações desde o momento em que o assassinato de Baumgarten veio à tona, em fevereiro de 1983, até o fechamento do primeiro inquérito policial. O jornalista fazia reportagens para os principais jornais da rede, sempre que houvesse novidades. Para Barcellos, aquela cobertura foi importante porque, em tempos de ditadura, a Globo conseguiu “impor, aos poucos, aquele tipo de noticiário”. Ou seja, denúncia contra órgãos e funcionários do próprio governo.
Quando as investigações foram reabertas, em 1985, o repórter Leonel da Mata passou a fazer reportagens que iam ao ar em todos os telejornais. A testemunha Claudio Polila; o principal acusado, o general Newton Cruz, e o delegado Ivan Vasques frequentemente eram ouvidos por ele. Da Mata, inclusive, deu um furo de reportagem, quando, após uma ligação anônima, recebeu das mãos de um desconhecido o registro da traineira Mirimi, desaparecida no dia do sequestro. Na reportagem exibida no Jornal Nacional, em julho, da Mata entregava o documento ao delegado, para ajudar a elucidar o sumiço do jornalista.
Quando o caso atingiu Brasília, devido ao indiciamento de membros do SNI pela polícia, Ilze Scamparini registrou os principais acontecimentos, fazendo matérias para o Jornal Nacional, Jornal Hoje e Jornal da Globo.
Sônia Pompeu e Luís Cláudio Latgé também se envolveram na cobertura no caso, fazendo uma reportagem para o Fantástico, em setembro de 1985.
Em 1992, quando o general Newton Cruz foi a júri popular, acusado de planejar a morte de Alexandre von Baumgarten, o caso ocupou todos os telejornais da Globo.
PRIMEIRAS INFORMAÇÕES
Na noite do dia 2 de fevereiro de 1985, Luciana Villas-Boas, na bancada do Jornal da Globo, anunciou que a filha do jornalista Alexandre von Baumgarten, Patrícia, iria depor pela primeira vez na 16ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro, no dia seguinte. O caso fora reaberto pelo delegado João Kepler Fontenelle, ex-agente do DOI-CODI, a mando da Justiça.
“A primeira versão foi de que ele morreu afogado, depois, o Instituto Médico Legal esclareceu que o jornalista tinha levado três tiros. Da mulher de von Baumgarten, do barqueiro e da traineira em que viajavam, nem sinal até agora”, narrou Villas-Boas naquela noite.
O JG exibiu uma reportagem de Caco Barcellos, em que o delegado Fontenelle tentava explicar a confusão que acontecera na ocasião do enterro de Baumgarten. Segundo ele, havia dois cadáveres no IML no dia 25 de outubro de 1982, um morreu de afogamento, o outro, assassinado. Coincidência ou não, os laudos foram trocados. Apesar de Baumgarten ter sido enterrado como vítima de afogamento, a polícia já tinha o registro correto da perícia, mas nada fez para investigar o crime.
Repórter Caco Barcellos entrevista o delegado João Kepler Fontenelle sobre a dificuldade de identificar o corpo de Alexandre von Baumgarten, Jornal da Globo, 02/02/1983.
COBERTURA DIÁRIA
Caco Barcellos acompanhou a movimentação na delegacia entre fevereiro e maio de 1983. No dia 3 de fevereiro, entrevistou novamente o delegado Fontenelle após o depoimento da filha de Baumgarten, em matéria exibida pelo Jornal Nacional. Com seus óculos de aviador, Fontenelle estava sorridente e afirmou que Baumgarten tinha um comportamento “muito violento e fanfarrão”, por isso, poderia ter tido uma “morte eventual” – afastando a hipótese veiculada na mídia desde o dia anterior, de que teria sido morto a mando do governo militar. O porta-voz do SNI disse apenas que responderia a órgãos do governo e não à imprensa.
Em depoimento ao Memória Globo, Barcellos lembra que tinha acabado de chegar na Globo quando começou a apurar o caso. Ele conta que “não tinha experiência nenhuma em televisão, tinha dificuldades com a câmera”, mas percebeu que, quando conquistava alguma informação relevante, as dificuldades desapareciam. “Talvez tenha sido um dos primeiros crimes tornados públicos envolvendo militares”. A pressão da imprensa fez com que a polícia divulgasse boletins diários com as novidades a respeito do caso.
Repórter Caco Barcellos entrevista o delegado João Kepler Fontenelle sobre as investigações da morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, Jornal Nacional, 03/02/1983.
EXUMAÇÃO DO CORPO
No dia 5 de fevereiro de 1983, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem de Caco Barcellos em que o delegado Kepler Fontenelle afirmava não ter certeza de que o corpo enterrado era de Baumgarten. Hipótese rechaçada pela família. Um amigo do jornalista informou à imprensa ter ajudado a colocar o caixão de Baumgarten no rabecão.
Diante das dúvidas, a polícia lacrou o túmulo do jornalista, em São Paulo, como mostrou o Jornal Nacional do dia 8. Para encerrar o caso, o dentista de Baumgarten foi chamado para uma perícia após a exumação. “Acaba a dúvida. Em São Paulo, o laudo confirma: é do jornalista Alexandre von Baumgarten o corpo encontrado na praia do Rio, no dia 25 de outubro”, anunciou Cid Moreira, na bancada do JN, dia 16.
Além de ter ficado comprovado que a arcada dentária era a mesma que constava nos registros do dentista de Baumgarten, foi anunciado que ele teve vários dentes extraídos depois de morto.
Polícia manda lacrar o túmulo do jornalista Alexandre von Baumgarten em São Paulo, Jornal Nacional, 08/02/1983.
OPERAÇÃO DRAGÃO
Em 21 março de 1983, o delegado Fontenelle deu a investigação por encerrada e entregou o processo à Justiça, como mostrou o Jornal da Globo daquela noite. No dia 4 de abril, o Jornal Nacional exibiu uma entrevista com o promotor Gerson Arraes, que passaria a acompanhar o caso. Em conversa com Caco Barcellos, o promotor informou que o inquérito seria devolvido à polícia, para que o SNI e todas as pessoas citadas no dossiê Baumgarten fossem ouvidas. Depois de um mês, o caso passou para as mãos do delegado Nils Kaufman.
Foi quando a polícia, pela primeira vez, cogitou a hipótese de assassinato por queima de arquivo. A hipótese veio à tona no dia 5 de abril de 1983, como noticiou o Jornal Nacional daquele dia. “Surge agora para a polícia investigar, uma nova versão para o crime, a Operação Dragão. A operação seria composta por cerca de oito homens, eles vieram de fora, de outros estados do Brasil e aqui no Rio de Janeiro tiveram apoio logístico. Conseguiram um barco e um helicóptero. A partir daí passaram para a ação”, informou Caco Barcellos na reportagem ao JN, que contava com uma simulação do dia do crime ilustrada. Segundo a reportagem, uma parte do grupo teria apanhado a mulher de Baumgarten e o barqueiro, a outra, o jornalista. Ele teria sido sequestrado, torturado e morto. A razão da tortura seria chantagem e documentos comprometedores que teria em seu poder.
Repórter Caco Barcellos entrevista o promotor Gerson Arraes que passaria a acompanhar as investigações da morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, Jornal Nacional, 04/04/1983.
A hipótese da Justiça seria embasada por um laudo do Instituto Médico Legal, que indicava que Baumgarten não tinha restos de alimento no estômago quando foi encontrado. O que indicaria que ele passou dias sem comer, antes de ser morto.
No dia 13 de abril, mais novidades. A polícia do Rio recebeu outros dois laudos do IML, que informavam que Baumgarten fora morto por duas armas diferentes e que, além disso, seu corpo permaneceu apenas três dias no mar. E não 13 – o que contrariava a possibilidade dele ter sido morto no dia de seu desaparecimento, conforme informou o Jornal Nacional.
Mesmo depois dos avanços, as investigações não apontaram suspeitos e, no fim do ano, o caso foi arquivado.
Reportagem de Caco Barcellos sobre dois laudos do Instituto Médico Legal recebidos pela polícia que afirmaram que o jornalista Alexandre von Baumgarten teria sido morto por duas armas de fogo diferentes, Jornal Nacional, 13/04/1983.
CASO REABERTO
Gravata borboleta, paletó alinhado e óculos com armação redonda. O delegado Ivan Vasques, da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, se tornou muito conhecido em 1985. Em fevereiro, reabriu o caso Baumgarten. Começou o processo quase do zero, já que seus antecessores sequer chegaram a ouvir os possíveis acusados do assassinato do jornalista da revista O Cruzeiro.
Em entrevista ao Jornal Hoje, no dia 8 de fevereiro, o delegado confessou que o tempo era seu principal inimigo. “Não é só a memória que enfraquece, mas a pessoa vai incorporando coisas que acha que viu”. Assim que assumiu o caso, o delgado criou o hábito de dar entrevistas diárias à imprensa.
Uma das primeiras medidas tomadas por Vasques foi de chamar para depor os militares apontados por Baumgarten de tramarem seu assassinato – naquele dossiê escrito em 1981. O general Newton Cruz foi o primeiro. Na reportagem de Caco Barcellos com Leonel da Mata para o JN de 29 de maio, o general declarou que a regra do SNI o isentava de depor sobre suas tarefas desempenhadas dentro do órgão e, portanto, não tinha muito o que dizer ao delegado. Newton Cruz jurava inocência e negava ter conhecimento de qualquer informação relacionada ao assassinato.
Em 24 de junho de 1985, o coronel Dickson Grael, em depoimento espontâneo ao delegado Ivan Vasques, forneceu outros nomes de militares possivelmente envolvidos no assassinato. A reportagem de Leila Cordeiro para o Jornal Hoje reiterou a existência da Operação Dragão, denunciada em 1983, apontando os coronéis Ary Pereira e Ary Aguiar, como dois dos envolvidos. Assim como o sargento Roberto Fábio, coronel Paulo Malhães e outro conhecido como Guimarães, que posteriormente seria identificado como Ailton Guimarães.
O BAILARINO JILÓ
Na madrugada do dia 13 de outubro de 1982, o bailarino Claudio Polila estava sentado num degrau baixo do cais da Praça XV quando testemunhou um sequestro. Pelo menos foi o que ele defendeu até o último dia de sua vida. Jiló, como ficara conhecido no submundo das danceterias baratas no Rio de Janeiro, estranhou quando um grupo de homens armados conduziu um casal à traineira ancorada a 17 metros de seus olhos. Ao todo, Jiló viu seis pessoas. Para não ser flagrado, ele se escondeu, mas continuou espiando a movimentação até a embarcação partir.
Acuado e sem muitas palavras, o bailarino – epilético e, por isso, pensionista da Aeronáutica por invalidez – apareceu pela primeira vez na televisão no dia 12 de março de 1983, quando deixava a 16ª DP após prestar depoimento. Em reportagem exibida no Jornal Nacional, Polila afirmava que o casal Baumgarten não chegou sozinho à Praça XV naquele dia. Nesta época, Polila reconheceu o agente do SNI Mozart Belo e Silva como um dos envolvidos no sequestro.
Em 1985, Polila voltou à imprensa com a reabertura do caso pela Polícia Civil. Ele reconheceu o general Newton Cruz como uma das seis pessoas que estiveram no cais da Praça XV naquela noite, como mostrou a reportagem de Caco Barcellos para o JN no dia 29 de maio.
O bailarino Claudio Polila, conhecido como Jiló, presta depoimento no Rio e Janeiro, como testemunha do caso da morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, Jornal Nacional, 12/03/1983.
Informação exclusiva
Uma ligação anônima levou o repórter Leonel da Mata a ter acesso ao registro da traineira Mirimi. A traineira, desaparecida desde o dia 13 outubro de 1983, pertencia ao barqueiro Manuel Pires, também sumido no dia do sequestro. Em reportagem exibida no Jornal Nacional e, depois, no Jornal da Globo no dia 4 de julho de 1985, da Mata conta que recebeu o documento das mãos do funcionário de um posto de gasolina próximo ao cais. O documento teria sido entregue a ele por uma fonte anônima. Depois, o jornalista passou o registro à polícia, para ajudar nas investigações. A embarcação, no entanto, nunca foi encontrada, assim como os corpos de Jeanette Hansen e Manuel Pires.
Desde que voltou a ser “figurinha carimbada” da mídia, Polila foi ameaçado mais de uma vez. Em 8 de setembro de 1985, quando o delegado Ivan Vasques anunciou que indiciaria Newton Cruz por participação no assassinato, o bailarino recebeu ameaças anônimas por telefone, como mostrou a reportagem de Sonia Pompeu para o Jornal Nacional. Em 19 de setembro, Polila foi ao Hospital da Aeronáutica para fazer um tratamento, mas misteriosamente foi dopado e acordou em um hospício. Foi salvo após ligar escondido para o delegado Ivan Vasques, que enviou policiais ao local, conforme mostrou o Jornal Hoje e o Jornal Nacional daquele dia. Além disso, no dia 2 de outubro, enquanto caminhava na praia do Flamengo, o dançarino escapou de uma tentativa de homicídio, como mostrou o Jornal Nacional. De dentro de um Fusca, homens armados dispararam contra o dançarino, em plena luz do dia. Polila rolou pelo chão e foi salvo pelo segurança do Palácio do Catete, que acabou trocando tiros com os criminosos.
Naquele ano, houve um esforço dos advogados de defesa dos militares acusados em denegrir a imagem de Polila. Segundo o próprio general Newton Cruz, o dançarino não era um “homem sério” e, por isso, o que dizia não tinha fundamento. Ao contrário, o delegado Ivan Vasques atestou a coerência dos depoimentos de Polia em todo o processo.
Em 20 de junho de 1996, Polila foi encontrado morto em um valão em Caxias, como denunciou o Jornal Nacional. Tinha marcas de espancamento e facadas. O delegado responsável pelo caso levantou a hipótese de “queima de arquivo”, mas testemunhas informaram que Polila foi executado por traficantes após uma briga em que defendeu um amigo.
MILITARES ACUSADOS
No dia 20 de setembro de 1985, o delegado Ivan Vasques colocou frente a frente os coronéis da reserva do Exército, Francisco Homem de Carvalho (ex-membro do SNI) e Dickson Grael, que poderiam ser fontes importantes para o Caso Baumgarten. Após a acareação, Vasques revelou à imprensa o nome de cinco homens suspeitos de participar no sequestro e morte de Baumgarten, Jeanette Hansen e Manuel Pires, conforme apontou a reportagem de Leonel da Mata para o Jornal Nacional daquele dia.
Dickson Grael disse à polícia ter conhecimento dos fatos a partir de uma confissão feita por Homem de Carvalho cinco meses antes. Os suspeitos seriam o general Newton Cruz, os coronéis Ary Aguiar Freire e Ary Pereira; o tenente-coronel Paulo Malhães e o sargento Roberto Fábio. Além destes militares ligados ao SNI, foi apontada a participação do ex-capitão Ailton Guimarães, oficial do DOI-CODI, que se tornou contrabandista, em 1973. Homem de Carvalho negou tudo. Mesmo assim, Newton Cruz foi indiciado: na semana seguinte, foi fichado e prestou um novo depoimento na delegacia.
Em outubro, uma nova fonte surgiu para esquentar o caso. Preso em Brasília, por envolvimento na morte do jornalista Mário Eugênio, o ex-cabo do Exército David Antônio do Couto declarou à procuradora geral da Justiça Militar, Nadir Faria, ter informação de quatro pessoas envolvidas no assassinato de Baumgarten. Seriam eles o coronel Sávio Costa, que ocupava a segunda seção do Exército no comando militar do Planalto; o sargento Paulo Roberto Fábio, um major de codinome Marcos, e o coronel Arídio de Souza Filho, como mostrou a reportagem de Ilze Scamparini, exibida no Jornal Nacional, no dia 18 de outubro. Todos negaram envolvimento no caso.
Em dezembro de 1987, o juiz do 1º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro enviou três militares a julgamento pelo sequestro e morte de Baumgarten: Newton Cruz, Carlos Alberto Duarte da Silva e Mozart Belo da Silva.
LAVAGEM DE DINHEIRO
ntre setembro de 1979 e julho de 1980, Alexandre von Baumgarten foi dono da editora Baumgarten/ O Cruzeiro. Atolado em dívidas, o jornalista abriu mão de seu projeto, passando a empresa para o nome de outra pessoa. Segundo Baumgarten afirmou no dossiê, escrito em 1981, esta mudança foi forçada por membros do SNI. Em 1983, O Cruzeiro decretou falência, condição que foi revogada em setembro de 1984 pelos advogados da empresa, que acharam irregularidades no processo. Neste momento, vieram à tona documentos fiscais da editora. A reportagem de Isabela Assumpção para o JN do dia 2 de julho de 1984 mostrou que os papeis registravam a movimentação suspeita de grandes quantias de dinheiro. Muitas notas fiscais eram assinadas por Jeanette Hansen. Em entrevista, um dos advogados da editora afirmou que “O Cruzeiro era uma máquina de lavar dinheiro”.
NEWTON CRUZ ABSOLVIDO
Em 1 de julho de 1992, o general da reserva Newton Cruz e o ex-agente do SNI, Mozart Belo e Silva, foram absolvidos em júri popular, em julgamento que durou cerca de 30 horas. Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo transmitiram as principais notícias do processo, desde o início, no dia 30 de junho.
Na ocasião, o ex-chefe da agência central do SNI era acusado de sequestro, homicídio qualificado e ocultação do cadáver do jornalista Alexandre von Baumgarten. O bailarino Cláudio Polila era a única testemunha de acusação. Cruz foi o primeiro militar desde o golpe de 1964 a ir a júri popular. Foi absolvido por 7 votos a 1, por ausência de provas.
COMISSÃO DA VERDADE
Em 21 de março de 2014, uma figura que passou despercebida no inquérito arquivado do assassinato de Alexandre von Baumgarten veio à tona. A convite da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, o coronel da reserva Paulo Malhães prestou um depoimento de mais de três horas na sede do Arquivo Nacional, no qual admitia ter praticado tortura e cometido assassinatos durante a ditadura militar. Malhães assumiu ter atuado na Casa da Morte, em Petrópolis, e contou em detalhes o quê os torturadores faziam para tornar uma vítima, irreconhecível, conforme mostrou o Jornal Nacional daquele dia.
Além disso, Paulo Malhães acusou o coronel Freddie Perdigão – morto nos anos 1990 –, de ter assassinado Alexandre von Baumgarten e jogado seu corpo ao mar, em 1982. Ato que considerou desastroso, já que o Exército, segundo ele, não costumava descartar suas vítimas deste modo. Esta versão sobre o caso contrariou a perícia na época. Segundo Malhães, Perdigão teria perseguido a traineira Mirimi na Baía de Guanabara, matado o jornalista e afundado a embarcação.
Reportagem de Carlos de Lannoy sobre o depoimento do coronel reformado do exército Paulo Malhães na comissão da verdade, Jornal Nacional, 21/03/2014.
Reportagem de Carlos de Lannoy sobre o coronel reformado Paulo Malhães, encontrado morto no seu sítio na baixada fluminense após prestar depoimento na comissão da verdade no Rio de Janeiro, Jornal Nacional, 25/04/2014.
O depoimento do coronel poderia ser solicitado novamente para maiores esclarecimentos, segundo afirmaria o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, no mês seguinte, ao Jornal Nacional. Só que no dia 25 de abril Paulo Malhães foi encontrado morto em seu sítio na Baixada Fluminense. A reportagem de Carlos de Lannoy para o JN daquela noite mostrou que o militar da reserva permaneceu durante nove horas como refém de bandidos, que estavam supostamente à procura de armas de sua coleção. Os bandidos reviraram a casa e levaram objetos de valor. A polícia concluiu que Malhães foi vítima de latrocínio, conforme mostrou a reportagem de Bette Lucchese para o RJTV – 2ª edição, exibida no dia 30 de junho de 2014.
FONTES
Folha de S. Paulo 28/10/1982. Isto É, Como morreu Baumgarten, 24/4/2004. O Estado de S. Paulo, Coronel revela assassino de jornalista ligado ao SNI, 25/3/2014. Veja 26/01/1983; 2/2/1983; Fantástico08/09/1985; Jornal da Globo 02/02/1983, 03/02/1983, 08/03/1983, 21/03/1983, 23/05/1983,30/05/1985, 04/06/1985, 11/06/1985, 04/07/1985, 26/07/1985, 30/06/1992. Jornal Hoje08/02/1985, 30/05/1985, 24/06/1985, 29/06/1985, 07/08/1985, 19/09/1985, 30/06/1992; Jornal Nacional 03/02/1983, 04/02/1983, 05/02/1983, 07/02/1983, 08/02/1983, 09/2/1983, 16/02/1983, 17/02/1983, 04/03/1983, 12/3/1983, 04/04/1983, 05/04/1983, 13/04/1983, 29/05/1985, 04/06/1985, 02/07/1985, 03/07/1985, 04/07/1985, 11/07/1985, 29/07/1985, 06/08/1985, 07/08/1985, 07/09/1985, 09/09/1985, 16/09/1985, 17/09/1985, 19/09/1985, 20/09/1985, 02/10/1985, 03/10/1985, 18/10/1985, 24/10/1985, 11/11/1985, 06/01/1986, 30/06/1992, 20/06/1996, 21/03/2014, 25/04/2014. |