Na madrugada do dia 2 de junho de 2002, o jornalista da Globo Tim Lopes foi morto enquanto realizava uma reportagem sobre abuso de menores e tráfico de drogas em um baile funk na favela da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro. O repórter foi sequestrado, torturado, “julgado” e executado por traficantes liderados por Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco. O crime chocou a população e foi encarado como um cerceamento à liberdade de imprensa.
Tim Lopes decidiu fazer a reportagem depois de receber denúncias de moradores da região de que suas filhas estavam sendo obrigadas por traficantes a participarem dos bailes funks.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura do assassinato de Tim Lopes em 2002, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
O jornalista já havia feito uma reportagem em favelas cariocas no ano anterior. Junto com uma equipe formada por Cristina Guimarães, Flávio Fachel, Tyndaro Menezes e Renata Lyra, ele produzira três matérias especiais, intituladas Feira das Drogas, que denunciavam a ação de traficantes, a céu aberto, na favela da Grota, nos morros da Mangueira e da Rocinha e nas ruas da Zona Sul do Rio. A série, que foi exibida pelo Jornal Nacional em agosto de 2001, recebeu o Prêmio Esso de Telejornalismo e o Prêmio Líbero Badaró.
O assassinato de Tim Lopes, um dos mais experientes e respeitados repórteres da Globo, foi um dos momentos mais dramáticos já vividos pelo jornalismo da emissora. Até que o corpo fosse achado ou identificado, a Globo e a família de Tim tiveram que tratar o caso como desaparecimento ou sequestro. Já em 3 de junho, um corpo foi encontrado carbonizado, mas o reconhecimento só poderia ser feito dias depois, através de testes de DNA.
EQUIPE E ESTRUTURA
O Jornal Nacional cobriu intensamente o fato, através de seus repórteres da Editoria Rio – André Luiz Azevedo, Ari Peixoto, Arnaldo Duran, Eduardo Tchao, Vinícius Dônola, Lilia Telles e Edney Silvestre. Durante a primeira semana, alguns deles acompanharam as investigações da Polícia do Rio, chegando a subir o morro durante as buscas ao corpo de Tim Lopes. As reportagens exibidas apontavam para a existência de um poder paralelo que dominava as favelas cariocas. Foi dado destaque também às manifestações de diferentes associações de jornalistas do Brasil e do mundo, que exigiam, primeiro, o esclarecimento do caso, a identificação do corpo e, depois, a punição dos assassinos do repórter.
Através do Jornal Nacional, a família de Tim Lopes também manifestou sua dor. A viúva do jornalista, Alessandra Wagner, ainda antes da identificação do corpo, implorou pela libertação do marido e pediu o empenho de todos os poderes e amigos na sua localização em um depoimento que foi ao ar durante o Jornal Nacional do dia 6 de junho. Naquele dia, também foi divulgada uma carta escrita pelo filho do repórter, Bruno, de 19 anos, que pedia pela vida do pai.
A CONFIRMAÇÃO
Depois de uma semana de investigações, no dia 9 de junho, a Polícia do Rio atestou o que todos já suspeitavam: Tim Lopes fora executado por traficantes da favela da Vila Cruzeiro. Tão logo a informação foi oficialmente confirmada, TV Globo divulgou um comunicado, assinado por Carlos Henrique Schroder, então diretor da Central Globo de Jornalismo.
Como era domingo, coube ao Fantástico divulgar a informação. O apresentador Zeca Camargo começou o programa daquele dia com a frase: “A notícia que o Jornalismo da Rede Globo não gostaria de dar foi, afinal, confirmada na tarde deste domingo”.
No dia seguinte, o Jornal Nacional foi dedicado à memória de Tim Lopes. Durante todo o telejornal, foram exibidos pequenos depoimentos de amigos do repórter – entre eles, os jornalistas Marcelo Leite, Ricardo Leitão, Amauri Ribeiro e Elenice Bottari – precedidos sempre da vinheta “O colega Tim”. Cerca de 25 minutos do noticiário daquele dia foram dedicados ao assunto. William Bonner leu um texto como se estivesse conversando com o repórter brutalmente assassinado. O apresentador encerrou o telejornal com aplausos. Ao fundo, na redação, toda a equipe de preto, em pé, também aplaudiu.
Notícia da morte de Tim Lopes em reportagem de André Luiz Azevedo, Fantástico, 09/06/2002.
Homenagem a Tim Lopes no Jornal Nacional, 10/06/2002.
Naquele mesmo dia, uma comissão do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, apontada para acompanhar as investigações, divulgou uma carta aberta à população com o título: “Por que Tim estava lá?” A carta dizia:
“Nós, jornalistas do Rio de Janeiro, estarrecidos com o que fizeram com Tim Lopes, julgamos conveniente trazer à sociedade brasileira o seguinte esclarecimento. Nos últimos dias, muitos de nós ouvimos nas ruas e até mesmo de fontes comentários de que Tim teria sido irresponsável por estar numa favela dominada pelo tráfico nas condições em que estava. Ou mesmo que teria sido levado a isso por seus chefes. A essas pessoas, que talvez desconheçam a rotina de nosso trabalho, lembramos que a realidade do tráfico de drogas nos morros só é conhecida de todos, e muitas vezes inclusive da polícia, porque jornalistas vão lá para contar. Ao longo de sua carreira, Tim Lopes fez isso mais de uma centena de vezes. Em muitas delas, como na que resultou em sua morte, foi convocado pelos próprios moradores das favelas, onde a imensa maioria é de gente honesta e trabalhadora. Pedimos ainda que a morte de Tim não seja pretexto para mais uma onda oportunista de declarações e manifestações para que se faça com seus algozes o que fizeram com ele. Que a sociedade brasileira não dê ouvido a vozes inconsequentes, que apenas estimulam o conflito entre pobres e não-pobres, como se não fôssemos todos reféns da violência. Com certeza, não seria esta a vontade de Tim, jornalista que, acima de qualquer mandamento, prezava, valorizava e defendia os direitos humanos.”
A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO
Apenas um mês depois do assassinato do repórter, no dia 5 de julho, um exame de DNA confirmou que os restos mortais encontrados pela polícia num cemitério clandestino no alto da favela da Grota eram de Tim Lopes. Os 41 fragmentos de ossos que passaram por análise no laboratório da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pertenciam a pelo menos três outras pessoas não identificadas até então. No dia 7, Tim Lopes foi enterrado, na presença de parentes, amigos e autoridades.
Em 7 de agosto, a polícia encerrou o inquérito sobre a morte de Tim Lopes, indiciando nove pessoas da quadrilha de Elias Maluco pelo crime. Os traficantes foram acusados de homicídio qualificado, formação de quadrilha e ocultação de cadáver. Dos nove, cinco já estavam presos naquele momento, mas Elias Maluco ainda se encontrava em liberdade.
No inquérito – que teve alguns trechos divulgados no Jornal Nacional daquele dia –, o inspetor Daniel Gomes, da 22a DP, afirmava que Tim Lopes, “no afã de efetuar melhores imagens dos traficantes, se colocou muito perto do perigo, não vislumbrando a diferença da emoção para a razão, fato que ocasionou a sua detenção e morte”.
O apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, leu nota oficial da Globo criticando o resultado das investigações. A Globo fez questão de esclarecer que Tim Lopes, como repórter investigativo, evitava aparecer no vídeo, não podendo, portanto, ser reconhecido pelo público. A emissora também ressaltou ser um absurdo colocar em dúvida os reais propósitos do jornalista, afirmando ainda que mais grave era a tentativa de imputar ao repórter a culpa pelo seu próprio assassinato.
A reportagem sobre a conclusão do inquérito exibida repercutiu rapidamente nos diferentes setores da sociedade. Logo depois de assistir à matéria, a governadora Benedita da Silva suspendeu o inspetor Daniel Gomes e exonerou seu superior, o delegado Sérgio Costa Falante.
No dia seguinte, mais uma vez o apresentador William Bonner leu um editorial sobre o caso. Dessa vez, elogiou a ação enérgica e imediata da governadora do Rio em relação às conclusões do inquérito. Encerrou dizendo que a ação do governo do estado dava esperanças de que a parte boa da polícia venceria aquela luta.
A PRISÃO DE ELIAS MALUCO
Nos três meses seguintes, a Globo acompanhou a caça ao traficante Elias Maluco, liderada pela cúpula da segurança do Rio de Janeiro. Durante esse período, só o Jornal Nacional produziu e apresentou 470 reportagens sobre o poder paralelo dos traficantes do Rio de Janeiro, num total de 17 horas e 20 minutos de informação.
A notícia da prisão de Elias Maluco depois de uma operação policial na favela da Grota foi dada pelo Jornal Nacional no dia 19 de setembro. A reportagem de Eduardo Tchao explicou que a polícia chegou ao esconderijo do bandido após uma denúncia anônima. A matéria também mostrou trechos de uma conversa telefônica entre Elias Maluco e um informante e imagens do traficante algemado.
Naquele dia, Bonner leu outro editorial dizendo que exigir a prisão dos assassinos de Tim, com a persistência com que todo o Brasil exigiu, não era reivindicar um privilégio. Todo assassinato tem que ser punido. Mas a persistência foi também o reconhecimento de que quando se mata um jornalista o que se pretende é calar toda a sociedade.
Reportagem de Eduardo Tchao sobre a prisão de Elias Maluco, principal traficante responsável pelo assassinato de Tim Lopes, 'Jornal Nacional', 19/09/2002.
O JULGAMENTO
A Globo cobriu o julgamento de todos os envolvidos na morte de Tim Lopes. Os sete assassinos foram condenados em 2005. Elias Maluco recebeu uma sentença de 28 anos e seis meses. Elizeu Felício de Souza (Zeu), Reinaldo Amaral de Jesus (Cadê), Fernando Sátyro da Silva (Frei), Cláudio Orlando do Nascimento (Ratinho) e Claudino dos Santos Coelho (Xuxa) foram condenados a 23 anos e seis meses. Ângelo Ferreira da Silva (Primo) recebeu uma pena menor, de 15 anos.
Depois do julgamento, o jornalismo da Globo passou a monitorar a situação dos bandidos na prisão, com matérias que eram exibidas em diferentes telejornais. O crime foi considerado hediondo, e a legislação não admitia progressão de pena em casos como esse. No entanto, em 2006, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a proibição do benefício. Com isso, em maio do ano seguinte, um dos assassinos, Elizeu de Souza, conseguiu passar para o regime semiaberto e, ao obter na Justiça o direito de visitar a família, fugiu da cadeia.
Da mesma forma, em 7 de fevereiro de 2010, Ângelo Ferreira da Silva também fugiu da penitenciária onde estava preso. Ele saiu supostamente para trabalhar durante o dia, mas não voltou. Em 20 de agosto, após a divulgação do cartaz do Disque-Denúncia oferecendo recompensa por informações sobre sua localização, o criminoso se entregou à polícia.
O paradeiro de Zeu, no entanto, continuava desconhecido, quando, em 8 de agosto de 2010, o Fantástico exibiu uma reportagem impactante, que mostrava o bandido circulando pelo conjunto de favelas do Complexo do Alemão. Ele carregava um fuzil e tinha uma pistola na cintura. À luz do dia, comandava livremente diversos pontos de venda de drogas.
Mas, no dia 28 de novembro, quando a polícia militar, com o apoio das Forças Armadas, ocupou os Complexos do Alemão e da Penha, Zeu foi capturado. Com sua prisão, os assassinos de Tim Lopes estavam todos novamente na prisão. Por uma ironia do destino, a cobertura da TV Globo da ocupação e implantação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) nas favelas do Rio contou com a participação de Bruno Quintela, filho de Tim Lopes.
Em 18 de dezembro de 2010, oito anos e meio após a morte de Tim Lopes, a comunidade onde o jornalista foi morto pode realizar, com segurança e liberdade, uma missa em sua memória.
REPORTAGENS
Reportagem de Tim Lopes e Flávio Fachel sobre a feira livre das drogas no conjunto de favelas do Alemão, da série que foi ao ar no Jornal Nacional, 03/08/2001.
Notícia da morte de Tim Lopes em reportagem de André Luiz Azevedo, Fantástico, 09/06/2002.
Homenagem a Tim Lopes no Jornal Nacional, 10/06/2002.
Perfil de Tim Lopes narrado por Hélter Duarte, RJTV, 19/09/2002.
Reportagem de Eduardo Tchao sobre a prisão de Elias Maluco, principal traficante responsável pelo assassinato de Tim Lopes, Jornal Nacional, 19/09/2002.
FONTES
Depoimento concedido ao Memória Globo por: Ali Kamel (29/07/2002, 21/05/2007 e 26/03/2012), Ana Paula Araújo (05/09/2011), André Luiz Azevedo (03/11/2003 e 05/09/2011), Ari Peixoto (28/12/2011), Carlos Henrique Schroder (15/12/2003), César Seabra (05/01/ 2004), Fátima Bernardes (07/05/2007 e 27/08/2007), Luiz Cláudio Latgé (12/03/2007), Márcio Gomes (07/11/2011 e 14/11/2011), Marcos Losekann (28/05/2009), Renato Ribeiro (29/10/2007 e 10/12/2007), Roberto Kovalick (12/01/2012), William Bonner (19/01/2004); Fantástico, 09/06/2002, 07/07/2002, 08/08/2010; Jornal Nacional, 06/06/2002, 10/06/2002, 05/07/2002, 07/08/2002, 08/08/2002, 19/09/2002. |