♰’s review published on Letterboxd:
Memoir of a Snail reafirma o talento singular de Adam Elliot em capturar as fraquezas humanas em escala miniaturizada. Em sua "clayografia" mais melancólica desde Mary and Max, Elliot narra a vida de Grace Pudel, uma mulher cuja trajetória solitária é moldada por traumas familiares e uma obsessão aparentemente inócua por caracóis. Sob a superfície de sua narrativa simples, reside uma análise profunda sobre o peso das escolhas e a casca de proteção que todos construímos ao longo da vida.
A marca registrada de Elliot, o stop-motion artesanal, é mais do que um recurso técnico; é uma declaração artística. Cada imperfeição visível na modelagem e textura dos personagens parece ecoar as falhas da própria Grace, interpretada com nuances devastadoras por Sarah Snook. A trilha sonora, pontuada pela voz grave de Nick Cave, eleva as cenas mais introspectivas, enquanto a dublagem de Kodi Smit-McPhee como Gilbert, o irmão gêmeo, adiciona uma camada de humor seco e melancólico que equilibra a densidade emocional da história.
Os temas de isolamento, arrependimento e aceitação são trabalhados com a sutileza de um mestre que entende que o que não é dito muitas vezes fala mais alto. Grace e seus caracóis não são apenas metáforas de nossas jornadas pessoais; são testemunhas silenciosas da passagem do tempo, da perda e da resiliência que emerge mesmo nos momentos mais escuros.
A estética monocromática, interrompida ocasionalmente por salpicos de cores simbólicas, é um lembrete visual da monotonia da solidão e da beleza ocasional que emerge mesmo em terrenos áridos. É impossível assistir Memoir of a Snail sem se sentir desconfortavelmente visto; Elliot nos obriga a olhar para nossas próprias cascas e as rachaduras que escondemos.
Com sua estreia triunfante em Annecy e um Cristal Award em mãos, Memoir of a Snail não é apenas uma animação; é uma meditação sobre a vida em todas as suas formas brutas e frágeis. Um trabalho essencial que solidifica Adam Elliot como um dos contadores de histórias mais compassivos do cinema contemporâneo.