Soul of the Desert

Soul of the Desert

48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Um tanto decepcionado com este filme que, vencedor da Queer Lion no Festival de Veneza deste ano, era um dos que eu mais aguardava na mostra. 

Georgina é uma existência fascinante e um documentário sobre ela tinha tudo para ser excepcional. Deste filme, elogio sem medo apenas sua belíssima fotografia. O recorte dado é bastante contemporâneo: a luta das pessoas trans pela retificação de seus documentos de identidade, e aqui com o agravante de ser da etnia indígena Wayúu, ou seja, mantidos à distância da burocracia ocidental por uma acentuada e calculada exclusão do acesso aos seus direitos.

Porém, o resultado final é incômodo. Grande parte porque, aos moldes da fotografia e do audiovisual humanitários dos anos 1980 a 2000, a exploração da miséria aqui beirou o extrativismo cruel: Georgina sempre estará colada às imagens de seca, solidão, aridez, morte, carcaça… Que a não aceitação por alguns de seus pares de sua identidade seja tema, é evidente a relevância. Mas a potência de sua identidade e de sua força o acolhimento comunitário por outros, nada é dito. Como Georgina se construiu entre os seus? Como ela é amada por aqueles que estão com ela? 

Aliás, qual a construção social e mitopoética da diferença de gêneros entre os Wayúu? O que Georgina rompeu ao quebrar as normas de seu entorno? Basta a referência ocidental sobre transidentidades?

Não bastasse isso, o documentário, altamente roteirizado, achou de bom tom reconstruir um momento pavorosamente traumático de sua vida por finalidades narrativas e estéticas. 

Exploração da miséria humanitária e construção de uma narrativa de transidentidade que não rompe o sofrimento do ponto de vista de pessoas cis, Georgina tem breves segundos de fala para que ela possa apresentar por ela mesma quem é ela. Uma pena. No final do filme, o incômodo da solidão e da questão burocrática que permeiam sua história e que o filme denuncia estão lá e são interessantes e importantes de serem mostrados, mas eu queria abraçar Georgina e dizer que sinto muito pela forma que o filme a tratou.

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