Raissa Ferreira’s review published on Letterboxd:
A reinvenção do conto de fadas que é Anora, vem com um olhar para as classes típico da filmografia de Sean Baker, com protagonistas que vivem na estigmatização e são personagens além das temáticas, sem que suas existências estejam automaticamente ligadas a uma condenação, piedade ou idealização. Ani (Mikey Madison), trabalhadora do sexo, é contextualizada logo de cara pelo ambiente em que exerce sua função, mas ainda que as luzes neon atestem alguma beleza glamurosa ao seu redor, seu emprego é colocado pela encenação como qualquer outro, categoricamente rotineiro, com regras, funções e repetições atreladas a cada peça que faz a roda daquele sistema girar. Do ciclo em que seu corpo é ferramenta essencial para ganhar o capital, até o espaço comum em que é apenas mais uma pessoa vagando entre uma jornada de trabalho e o descanso em um bairro afastado, em que claramente as muitas notas colocadas nos finos fios de sua calcinha não são suficientes para garantir nenhum conforto além do básico, Anora é apenas uma mulher que luta para garantir sua sobrevivência. A gata borralheira sugada pelo mundo capitalista já teria dificuldades para sonhar com uma história de princesa, mas em sua condição de trabalhadora do sexo, objetificada não somente por sua natureza enquanto mulher, mas também pela profissão, teria Ani alguma chance de viver um conto de fadas entre as luzes neon e o cinza da cidade grande? E se o aparecimento do herdeiro oligarca russo (Mark Eydelshteyn) não tem lá muita semelhança a um príncipe encantado, não é à toa, nesse globo de cristal criado por Baker todo homem será patético e esperar qualquer maturidade que os retrate além de meros garotos é um delírio que apenas uma mulher sem nenhuma expectativa de final feliz pode se apegar para garantir a chance de uma vida melhor.