Filmaço O dia que te conheci; André filma lindamente a contingência, mas segundo o sub species de um pas de deux entre pés enamorados, como dos vivazes e auráticos olhos dos objetos, a que restitui a presença por inervação poética; é como tudo na vida, com este plus de inquietude, estranheza e fascínio que é a pátina encantatória da grande arte: eles trabalham, lascam o dedão do pé na calçada, transam, como possivelmente vão se esquecer um do outro ou…

Diante do último Miguel Gomes, Grand tour, sou tomado por uma emoção ambivalente; de fato, sua dimensão documental me recorda outro rapsodo fantasista de peso, o Misterioso objeto de Apichatpong: tudo adquire, para estes olhos atentos para a alteridade de balé místico dos corpos e paisagens orientais, uma pátina de sagrado ( Malebranche: a atenção é a prece natural da alma): nesta infra-estrutura sólida e plasticamente impecável, Gomes me lembra Marker e o Eustache das duas Rosières; mas a superestrutura…

Aproveitei o fds para maratonar pela terceira vez um dos meus favoritos Fassbinder, Berlin alexanderplatz ; a foto já de saída nos situa num projeto de gênio: o de impor à luz chapada da televisão o lusco fusco bruxuleante de um filme kammerspiel em cores, como tudo o mais ( roteiro, personagens, estrutura, tudo revelado em seu cenário e diapasão afetivo no primeiro capítulo: o stream of consciouness do joyce alemão, doblin, devidamente mapeado pelas desilusões balzaquianas do zeitgeist da…

Em uma entrevista a um jornal francês, Albert Serra deu "satisfações" do estado das coisas dos corpos mostrados em seu Liberté: "Mas, escuta, se fossem corpos perfeitos seria um filme pornô!" ou coisa assim; mas não se trata, nunca se trata de beleza cosmética no caso de se filmar o interdito do fantasma, como neste belíssimo Vento Seco que eu revi ontem; Lourcelles nos fala em um texto sobre Bauer do contracampo no cinema primitivo como choque frontal: a epifania…

O gênio de Bellocchio é ( era; o Seqüesto do papa é uma pá de cal, filme de um academicismo crasso; mas temos o vídeo, e podemos rever Os olhos na boca, Sbatti il mostro, A hora da religião) a digressão, aliciada por um senso único da performance, que alia a Ideia dialética de Brecht à fisicalidade pazza de um Meyerhold, um Artaud: em Sbatti, revisto hoje em cópia muito melhor, há uma cena tremenda, que como a porta do…

Na época fascista dos telefones brancos- comédias cor-de-rosa que foram o equivalente dos filmes americanos pós-código Hayes, sem é claro o gênio da screwball-, o cinema italiano foi realista até o limite do naturalismo: o cinema, arte da resistência; mas se resiste multiplamente: contemporaneamente ao neo-realismo resistiu-se também segundo uma chave decadentista, com os filmes caligrafistas: a ruína, sob todas as suas dimensões, era o leitmotif deste cinema, como a forma balada da andança foi o do neo-realismo; em anos…

Coppola, arfante elefante branco no climatério da decadência, mira Hitler, um filme da Alemanha e Falstaff e acerta em Aronofsky e Iñárritu; o roteirista secreto, que não ousa dizer seu nome, de Megalopolis é o arquiteto que desenhou para Hitler os croquis da Berlim nazista, Albert Speer ( isto é uma blague, é claro, mas o terrível é que, no contexto neo-clássico da épica aqui descrita, é verossímil): tudo é grandiloquente, vultoso, estertórico, glorioso, absconditus, Jugendistil-art-déco, para ao cabo nada…

O fantasma do paraíso de De Palma ( 1974), até hoje inédito para mim, é certamente um filme menor no contexto dos gloriosos 70 maneiristas, mas mesmo sob a égide do chavão paródico consegue ser expressionante espécime de espetáculo lúgubre: De palma parece entender como ng o decadentismo do habitante dos bastidores do rock horror show, o seu refoulé doloroso: tudo para o mundo íntimo do fantasma é perda, ruína, devastação, catarse desolada: o genial é que De Palma consegue…

Em sua monstruosa mimetização das síndromes de ansiedade ( objeto) e dos tropos ( formas) que converteram o nosso mundo, res hodierna, em um clip sem alma de proporções tantálicas, A substância se parece muito com os filmes igualmente repugnantes de Harmony Korine: como criticar o universo achatado e bulímico dos comerciais de margarina com um comercial de margarina neo-expressionista que dura torturantes 2 horas e vinte? suas grandes angulares, sua câmera lenta calculada para picos de ansiedade me dão…

Revisto hoje, parallax view, obsessivamente estilizado ( o que torna o irreal alucinógeno da paranoia politica supra_real, como um pesadelo de diagonais e paralelas a bout de souffle: that's the man) e assombrado por elipses que convertem o veículo ideal para um pop star tentado pelo insert televisivo no ideal para o jornalista democrata a ser assassinado em um crescendo diabolicamente inspirado para a hipótese conspiratória ubiqua: o rio, a briga exangue no bar, o teste para a parallax, todos…

Eu não me emendo; tentatica frustrada de dar nova chance, agora ancorado em fassbinder, ao frívolo ozon de gotas d'água em pedras escaldantes; o filme começa austeramente decoupado ( uma virtude), low profile como um suicídio calculado com midazolam, e estabelece de chofre a arqui cumplicidade entre senhor e escravo ( ou, sob o ponto de vista erótico, entre sádico e masoquista, sendo em fassbinder o masoquismo que estrutura tudo, do sexual ao social e econômico, mas ozon, em seu…

Os gregos conheciam o amor ágape antes de eros, como o kairos antes do cronos: um Noli me tangere da alma infensa à subserviência do corpo, uma pura transparência, irisada de invisível; tem gente reclamando que a obra-prima Descanse em paz ( Noruega, 2024) é lenta demais: perderam o andante da eternidade, seu motor imóvel lancinante; aqui, depois de uma síncope elétrica ( como, aliás, no Frankenstein de Whale), os mortos queridos voltam ao ser: mas permanecerão os mesmos, depois…