jayce’s review published on Letterboxd:
comentei na saída do cinema pro meu namorado o quanto o design do set me irritou. digo, ele não era feio - nem a iluminação, por sinal - mas eles pertencem a um outro universo; a ideia de transformar os locais extremamente reais do primeiro filme em versões assustadoramente falsas de si, e compensando a esquisitice com estilização (vide as linhas tortas que as compõem) seria ok talvez em outro filme, a fim de recontextualizar o que era feito antes, mas acredito que é uma ideia muito falha em cima do Auto original. penso eu que mostrar o sertão como algo fantasioso vindo de um cenário antes tão real acaba alienando o mundo de que aquelas vivências são reais, quase como se o sertão agora não passasse dessa fantasia didática sobre seca, votos de cabresto, e religião como forma de obter poder - que é o que esse filme é, no exterior. se você não podia gravar um Auto autenticamente sertanejo... por que gravar? é tão óbvio que está confinado a gravações de estúdio, que nenhuma decisão artística pode remendar a falta.
talvez no fundo você possa argumentar que é sobre o poder da amizade, ou da fé, mas essas coisas aqui não passam de um ponto conveniente para a narrativa chegar no ponto que precisa chegar. o Auto original não é marcante porque era um slide dos sofrimentos do Nordeste disfarçado de comédia... coisa que esse novo não é, também. na verdade, essa sequência é só um slide didático, como mencionei antes, que apenas passa pelos pontos para provar à platéia que está ciente, não porque tudo aquilo é relevante. você não pode nem argumentar que é porque João Grilo não é o personagem para esses momentos dramáticos, é porque simplesmente não existe um personagem pra isso, muito menos um momento dramático que alcance os ápices do original. por que mostrar uma história sólida que se passa no sertão não é o suficiente? a própria solidez da narrativa permitiria passar por vários dos pontos importantes levantados sem parecer que foram escritos grosseiramente. deixe a comédia fazer o trabalho por você, mas não deixe ela escrever o filme sozinha.
então é, o filme não tem qualquer primor dramático, e joga fora sua importância na representação do interior nordestino em nome de uma versão fantasiosa que não posso nem chamar de expressionista, considerando o pouco que expressa. e sua decisão teatral na iluminação, aliás, casada com referências ao cinema como forma de documentário, exposição, denúncia - e mesmo piscadelas sobre o filme anterior - não se comparam ao ritmo do original, que mesmo sendo originalmente teatral, se traduziu em tela com uma cadência muito mais gostosa mas ainda com um quê suficiente pra dar pé para a fantasia. de quebra, também achei a edição do novo um tanto apressada e cacofônica.
com isso, acho que podemos concluir que até a "novidade" só fez mal ao filme, mas entendo que não queriam fazer igual ao original para não convidar comparações gratuitas. a questão é que nenhuma novidade consegue segurar esse vazio cultural no centro dele... ao menos eu admito que eu achei bem engraçadinho. usando as palavras do meu pai... achei "comercial".