Denise tem três filhas e é assessora executiva da Libbs — Foto: Arquivo pessoal
Mônica Matias tinha 38 anos quando engravidou de gêmeos, por inseminação, depois de uma jornada intensa de tentativas. Precisou se afastar do trabalho com 5 meses de gestação, por hemorragias, e, ao voltar da licença-maternidade, foi demitida.
“No fundo a gente até espera, mas não está preparada. Foi muito ruim porque eu estava cheia de expectativa. Você organiza sua vida para poder retornar. Contratei babá, estava prontíssima. Esse foi o maior baque”, diz.
Com anos de experiência na área de desenvolvimento humano organizacional, não demorou muito para Mônica receber uma nova proposta de emprego, em uma seguradora. Mas era numa função temporária de analista, e não gerente, como antes.
Alguns meses depois, o contrato temporário virou fixo. E a oportunidade que poderia ser sido vista como um passo para trás na carreira se transformou numa sequência de promoções até a cadeira de superintendente na Zurich.
“O que influenciou nos meus movimentos aqui dentro foi o meu 'background', os 24 anos de experiência, mas talvez esse misto da minha vida pessoal, maternal, com o profissional, tenha gerado para a empresa um sentido diferente de ‘uau, como você consegue dar conta de tudo isso?’”, afirma Mônica.
Mônica Matias é mãe de gêmeos e é superintendente em uma seguradora — Foto: Divulgação
A história de Mônica, que começou 6 anos atrás — a idade atual dos gêmeos —, está na contramão do que acontece com muitas profissionais que se tornam mães.
A conciliação das duas tarefas é um desafio até hoje. Em todo o mundo, 24% das mulheres abandonam o serviço em até um ano após o nascimento do primeiro filho, aponta o estudo “The Child Penalty Atlas”, publicado recentemente pela britânica "The Economist".
Seja no Brasil, na América do Sul, ou em contexto mundial, a linha que traça a presença das mulheres no mercado de trabalho cai abruptamente após a maternidade. E demora a subir (veja nos gráficos baixo e leia mais sobre o estudo ao fim da reportagem).
Como a maternidade afeta a carreira — Foto: Globonews
Mas algumas mulheres — e empresas — têm conseguido mudar esse destino. O g1 conta nesta reportagem as trajetórias das mães Denise, Kareline, Juliana e Kátia, além de Mônica, e como gestoras enxergaram nas profissionais que têm filhos uma potência.
Dos mais de 800 mães e pais ouvidos pela consultoria Filhos no Currículo, 98% dos entrevistados disseram ter desenvolvido alguma habilidade profissional a partir do cuidado com as crianças.
A pesquisa, feita em parceria com o Movimento Mulher 360, listou as competências mais citadas: paciência (74%), tolerância (57%), priorização (56%), empatia (51%), criatividade (49%), negociação (39%), agilidade (33%) e foco (28%).
Para Letícia Dami, diretora de dados da empresa de marketing Media Monks, em São Carlos (SP), “ter mães na equipe é só vantagem”.
“Elas se dedicam, são mais responsáveis”, diz. “Tem muitas mães líderes no meu time e a gente vê que elas são mais compreensivas, sabem conversar, acolher as pessoas no momento em que elas precisam."
“Um filho faz você ser mais resiliente, escolher as batalhas que você quer enfrentar. Então, pequenas coisas que antes me tiravam do sério não me tiram mais. Como líder de mães, hoje, eu percebo nitidamente a diferença no meu comportamento", confirma Mônica.
3 filhas a fizeram virar 'fera'
O foco foi uma das das "super-habilidades" que Denise Santos Ortega precisou desenvolver para trabalhar em home office enquanto as filhas gêmeas, de 6 meses, e a mais velha, de 9 anos, ficam no cômodo ao lado.
"Uma das habilidades que adquiri foi a de fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas bem feitas. E hoje tenho mais foco porque sei que deu 18h, 18h30, preciso parar. Tenho que dar conta de todo o meu trabalho no meu período", explica Denise, que tem ajuda de uma babá e da mãe.
Denise é assessora-executiva de uma empresa farmacêutica em São Caetano do Sul (SP) . Estava desempregada quando engravidou da primeira filha.
"Eu tinha sido demitida, aí até arrumar outro trabalho, me restabelecer para poder ter filho, iria demorar. Então, optei por ficar em casa e engravidar", conta.
Depois de um tempo, voltou a procurar emprego, mas, antes de conseguir a vaga na empresa onde atua hoje, inicialmente como secretária, sentiu que ser mãe poderia ser um obstáculo na busca.
"Fiz entrevista em uma outra empresa e a pessoa falou: 'Você tem uma filha de 1 ano, como você faz para prevenir para não ter mais?' Saí de lá chocada."
Denise tem três filhas e é assessora executiva da Libbs — Foto: Arquivo pessoal
Na Libbs, a experiência foi completamente diferente, segundo Denise, que teve as gêmeas quando já estava empregada havia alguns anos. "Fui me desenvolvendo dentro da empresa sendo mãe."
"No começo, foi difícil. Minha filha parou de falar comigo, de olhar para mim. Me excluía. Acho que, na cabeça dela, ela pensava: 'Minha mãe me abandonou'. Meu marido que a levava e buscava na escola. Eu saía cedo e chegava tarde", relembra.
"Mas a maternidade me deu um gás. Eu vivo pelas minhas filhas. Por elas, procuro melhorar. Quero que elas olhem lá na frente e falem: 'Minha mãe é fera'."
Um ‘MBA de negociação’ chamado Pietro
Kareline Bueno é engenheira e trabalha na Gerdau, em Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal
Na vida da Kareline Bueno, de Porto Alegre (RS), a linha da trajetória profissional não teve quedas após a maternidade. Em todo o tempo, ela seguiu trabalhando na Gerdau, multinacional brasileira produtora de aço.
Mas se, por um lado, a empresa não mudou, a profissional Kareline se transformou ao virar mãe, conta a engenheira.
"Quando eu voltei da licença-maternidade, eu sabia que não queria continuar sendo aquela Kareline. Eu sou de exatas, de engenharia, mas queria algo diferente. O puerpério tinha me tocado tanto, que eu precisava me comunicar de outra forma", diz.
Além das suas próprias funções comuns do trabalho, Kareline passou a fazer parte de programas de diversidade e de equidade de gênero que estavam se instalando na empresa.
E a relação com o time também mudou. "Eu sempre fui muito objetiva e o meu filho Pietro veio para me mostrar o quanto eu precisava modular essa comunicação. Agora, com a maternidade dupla, eu vejo na prática que preciso de tipos de comunicação diferentes para engajar os dois em alguma coisa."
“Eu brinco que larguei um doutorado em engenharia metalúrgica para me dedicar ao meu ‘MBA de negociação’, o Pietro, e que, quando eu achei que estava boa na coisa, entrei no pós-doc de desenvolvimento humano, a Lara.”
Segundo ela, essas habilidades também fizeram toda a diferença quando veio o desafio de liderar um projeto de um tema no qual ela nunca tinha trabalhado.
"O projeto foi um sucesso e eu não tenho dúvida de como a maternidade impactou. A forma como eu conectei as pessoas para trabalhar nesse desafio, o jeito de pedir ajuda, de fazer essa gestão, traçar as rotas para chegar no objetivo final", detalha.
Coragem de mudar
Juliana Duarte trabalha na Netfive, empresa de tecnologia em Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal
Para Juliana Duarte, a maternidade foi como um superpoder. Fonoaudióloga de formação, ela trabalhava na empresa do marido, na área de tecnologia, quando engravidou do primeiro filho. Mas, quando o menino tinha 2 meses, se separou e saiu do emprego.
"Aí vendi roupa, fiz de tudo, até que entrei numa pequena empresa de TI. Fiquei um ano e fiz um excelente trabalho. A gente começa a otimizar tempo porque não tem tempo a perder. A responsabilidade com o filho replica para a empresa, não tem margem para erro."
Depois dessa experiência, Juliana foi convidada para entrar na Netfive, empresa de tecnologia onde hoje é diretora comercial, em Porto Alegre (RS). "Viajo bastante, é uma loucura a minha vida, mas consigo conciliar tudo", diz.
Leonardo Oliveira, sócio-diretor da agência Blister, de publicidade e propaganda, em São Paulo (SP), conta que tinha certa preocupação ao contratar mães, mas que se surpreendeu justamente com a capacidade que elas têm de administrar o tempo.
"(As mães) Elas são mais efetivas, conseguem se planejar. Sabem que têm que dar o alimento para o filho, buscá-lo na escola e participar da reunião, e não perdem nenhum minuto de produtividade por causa disso."
Kátia Blume é cirurgiã-dentista em Novo Hamburgo (RS) — Foto: Arquivo pessoal
Ser mãe, no fim, também é ter a coragem de mudar. Na história da Kátia Blume, a maternidade foi o empurrão que faltava para tomar uma decisão que ela já cogitava há tempos na vida profissional.
Ela é cirurgiã-dentista em Novo Hamburgo (RS) e conta que costumava trabalhar cerca de 12 horas por dia, atendendo pacientes de vários planos de saúde. A vontade dela era fazer somente atendimentos particulares, mas ela tinha medo de não conseguir preencher a agenda.
Depois de ter filho, Kátia decidiu retomar aos poucos a rotina de trabalho. "Quando ele tinha 45 dias, eu ia no consultório e atendia um, dois pacientes por dia. E aí eu comecei a perceber que o meu faturamento era o mesmo de quando eu trabalhava 12 horas", relata.
"Foi o impulso que faltava para eu parar realmente de atender os convênios. Uma virada de chave na minha carreira", avalia. "Quando a gente é mãe, vem uma força de dentro. Parece que a gente faz as coisas com mais inteligência, pensa antes de agir. Não sei explicar. Eu agia de forma mais assertiva para captar mais pacientes particulares."
O que diz o 'Child Penalty Atlas'
O estudo “The Child Penalty Atlas”, publicado pela "Economist", estimou o impacto da maternidade nas carreiras das mulheres em até 10 anos depois do nascimento do filho.
O relatório foi feito por um grupo de pesquisadores da London School of Economics e da Universidade de Princeton, e reuniu dados de 134 países, que concentram 95% da população mundial.
Os gráficos revelam que as mudanças na situação profissional dos pais após o nascimento do primeiro filho recaem de maneira predominante sobre as mulheres.
Algumas mães retomam o trabalho em tempo integral após alguns meses ou anos, enquanto outras equilibram o cuidado dos filhos com empregos em meio período. Entretanto, muitas optam por não retornar ao mercado de trabalho mesmo após uma década.
A pesquisa foi baseada no trabalho de Claudia Goldin, economista de Harvard que recebeu o prêmio Nobel de economia em 2023 pela investigação sobre desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
*Colaborou Yoanna Stavracas, da GloboNews.
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