Mc Paiva, Ghdo7 e Brisola — Foto: Redes sociais/Reprodução
- "Salve, Rato".
- "É Rodrigo".
- "Do 06º de Santo André".
Era uma tarde de uma sexta-feira, 26 de fevereiro deste ano, quando as três mensagens piscaram no telefone de Henrique Alexandre Barros Viana, o Rato, dono da empresa Love Funk, uma das principais produtoras de funk de São Paulo.
Quem enviava as mensagens era Rodrigo Barros de Camargo, investigador de Polícia, do 6º DP de Santo André, no ABC Paulista.
- "Opa".
- "Já te retorno".
Apesar da resposta quase instantânea, a conversa parou por ali. E só foi retomada no dia seguinte, já com indícios de uma negociação criminosa, de acordo com a Polícia Federal.
No fim da manhã de sábado, Rato e o policial tiveram uma conversa rápida por telefone e marcaram um encontro na sede da Love Funk, na Zona Leste da capital paulista. Rato enviou a localização e uma foto da fachada para facilitar o encontro.
Pouco menos de meia hora depois, ele recebeu outra mensagem:
- "Tamo aqui embaixo".
Sede da Love Funk, em São Paulo — Foto: Google Street View/Reprodução
O que aconteceu no encontro, ninguém sabe. Mas uma nova mensagem enviada por Rodrigo para Rato, no mesmo dia do encontro, deu pistas aos policiais. Um arquivo de texto com a íntegra de um relatório de investigação, produzido pelo 6º DP de Santo André, sobre rifas supostamente ilegais promovidas em redes sociais. O alvo da apuração: Davi José Xavier Paiva, o MC Paiva, agenciado pela Love Funk desde 2022.
O relatório tem seis páginas e afirma que o acompanhamento das redes sociais de MC Paiva permitiu aos investigadores "constatar a prática da venda de quotas de rifas aparentemente em não conformidade com a lei de apostas".
E completa: "um aspecto fundamental do esquema é o uso de uma conta de demonstração, conhecida como conta DEMO, fornecida ao influenciador. Essa conta contém fundos fictícios, mas é usada para dar uma falsa sensação de credibilidade aos jogadores e convencê-los de que o sistema é legítimo". O relatório inclui prints de uma rede social de MC Paiva promovendo jogos e ostentando dinheiro.
No começo de março, Rato e Rodrigo voltaram a trocar mensagens.
- "Irmão, vc encaminhou a intimação para o Paiva?", perguntou Rodrigo.
- "Já falei com ele", respondeu Rato.
A conversa segue e Rodrigo cita outro MC investigado por divulgar rifas virtuais:
- "O GHdo7 colou aqui com um advogado que não falou nada e a gente também não falou no assunto. Aí vai pra frente".
E completou:
- "Vê se o no do Paiva não acontece a mesma coisa. Por que o Dr vai por o Gh pra derreter".
Para a Polícia Federal, uma alusão ao fato de que será dada continuidade às investigações, ao mesmo tempo em que aconselha Rato que não deixe acontecer o mesmo com o caso do MC Paiva.
"Resta claro que o investigador Rodrigo Barros de Camargo sugere um acordo a Rato, a fim de que as investigações contra MC Paiva não tivessem continuidade, envolvendo, no caso, o pagamento de vantagem econômica indevida (propina)", concluiu a Polícia Federal.
PF e MP investigam suposto pagamento de propina a policiais
As conversas foram descobertas depois da primeira fase da Operação Latus Actio, em março, que visou combater crimes contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro praticados por pessoas ligadas a empresas do ramo de entretenimento no estado de São Paulo. Foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão nas cidades de Guarujá, Itu, Indaiatuba e na capital paulista.
Num celular apreendido estavam as mensagens que você leu no começo desta reportagem. A análise das conversas embasou a segunda fase da Latus Actio, em dezembro. Desta vez, os alvos foram 3 policiais de Santo André – entre eles Rodrigo Barros de Camargo, que foi preso enquanto treinava em uma academia – e 3 MCs: MC Paiva, MC GHdo7 e Silas Rodrigues Santos, o MC Brisola.
Ao acolher os pedidos de busca e apreensão, a justiça entendeu que a investigação angariou informações que dão conta da possível participação de MC Brisola, MC Paiva e MC GHdo7 na prática de contravenção de exploração de jogos de azar, com rifas ilegais.
As buscas foram feitas nas cidades de São Paulo, Mauá, São Caetano do Sul, Mogi das Cruzes e São José dos Campos.
Alvo de operação da Polícia Federal, MC Paiva teve joias e carro de luxo apreendidos — Foto: Reprodução/TV Vanguarda
MC Paiva tentou quebrar telefones para evitar apreensão, afirma PF
Investigadores que cumpriram o mandado de busca e apreensão na casa de MC Paiva, num condomínio de alto padrão, em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, afirmam que o artista atirou os telefones celulares no chão, numa tentativa de inutilizá-los. Ele alegou que havia vídeos íntimos nos aparelhos. Ainda assim, os telefones e uma vasta lista de bens foram apreendidos.
Ao todo, foram quatro telefones celulares, uma Lamborghini, uma Range Rover, 11 colares (um deles, com a inscrição “magnata”, aparece sendo utilizado por Neymar Jr numa foto postada por MC Paiva), 3 anéis, 3 relógios, 3 pares de brincos, 2 pulseiras, 1 pingente, 1 abotoadura e 6 porções pequenas de maconha.
Quando pediu o mandado de busca e apreensão, a Polícia Federal justificou que não poderia especificar todos os bens a serem apreendidos. E lembrou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tratou da apreensão de bens em investigações de crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro e quadrilha.
Cantor Mc Paiva, em foto publicada em 21 de outubro de 2022 — Foto: Reprodução/Instagram
Outro lado
A defesa de Rodrigo Barros de Camargo informou que pediu à Justiça a revogação da prisão do policial civil por entender "não haver sido demonstrada a sua necessidade, haja vista não preencher os requisitos que autorizam a decretação da medida de exceção".
Disse também que apresentou à Justiça documentos que demonstram que o policial não tem qualquer relação com os fatos envolvendo o MC Brisola.
O g1 procurou Henrique Alexandre Barros Viana e a produtora Love Funk, mas ainda não obteve retorno. Também acionou os cantores Mc Paiva, Brisola e Ghdo7, que também não se manifestaram até a publicação.