09/11/2015 19h52 - Atualizado em 09/11/2015 21h22

Santa Casa comprou equipamentos de empresa 'fantasma', diz denúncia

Hospital de São Carlos apura caso e entrou na Justiça contra fornecedor.
Máquinas custaram R$ 2,5 milhões; endereço da Prote-news não existe.

Do G1 São Carlos e Araraquara

Equipamentos que podem salvar vidas viraram alvo de suspeitas na Santa Casa de São Carlos (SP), principal hospital da cidade. Documentos apontam indícios de que máquinas de R$ 2,5 milhões foram compradas de uma empresa que não existe fisicamente e que os preços pagos estariam acima dos praticados pelo mercado, conforme mostrou a reportagem exclusiva do Jornal da EPTV 2ª edição, desta segunda-feira (9). O hospital apura o caso e acionou a Justiça contra o fornecedor.

A revelação veio de uma correspondência anônima enviada ao comerciante Marcos Palermo, que perdeu o filho de 5 anos depois de uma cirurgia e acusa o hospital de negligência. Ele contou que, depois da morte de Noah, recebeu uma carta com as notas dos equipamentos comprados pela unidade de saúde.

Essas notas vieram via Correios para mim, de uma forma anônima, e pediram para eu apreciá-las, aí comecei um processo investigatório"
Marcos Palermo, comerciante que fez a denúncia

“Essas notas vieram via Correios para mim, de uma forma anônima, e pediram para eu apreciá-las, aí comecei um processo investigatório”, afirmou.

Palermo realizou pesquisas na internet sobre a empresa que vendeu as máquinas e ficou surpreso com os resultados sobre a fornecedora. “Dois fatos. Um deles foi a inexistência da empresa física e o outro, o valor. O valor não condiz com o preço de mercado dos equipamentos”.

Entre 2013 e 2014, a Santa Casa gastou R$ 2.546.574 em equipamentos como monitores, mesas cirúrgicas e cardioversores, que controlam batimentos cardíacos. Desse valor, R$ 499 mil foram disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante, um total de R$ 2.047.574, foi pago com verba do próprio hospital.

Endereço da empresa Prote-news apresentado em documentos não existe (Foto: Reprodução/EPTV)Endereço da empresa Prote-news apresentado em
documentos não existe (Foto: Reprodução/EPTV)

Buscas em Carapicuíba
As notas fiscais mostram que os produtos foram vendidos pela Prote-news Comércio de Equipamentos Hospitalares Ltda. De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídicas da Receita Federal e da ficha da Junta Comercial do Estado de São Paulo, a empresa pertence a Mauro Goularte Neves e está sediada na Rua Nelson Rodrigues Campos, 360, em Carapicuíba, mas ninguém na vizinhança conhece a revendedora de revendedora de produtos hospitalares.

“Não, nunca ouvi falar”, disse a dona de casa Rosa Vieira, que mora na via há 30 anos. Não há nenhuma casa, nenhum prédio comercial com o número 360 e a Prefeitura de Carapicuíba confirmou que a Prote-news nunca existiu na cidade.

Não existe nenhuma autorização junto à Vigilância Sanitária"
Carolina Pinto, diretora da Vigilância

“Não existe nenhuma autorização junto à Vigilância Sanitária dessa empresa para vender produtos hospitalares”, afirmou a diretora do órgão no município, Carolina de Oliveira Pinto. “Nada consta, nem junto à Vigilância Sanitária e nem junto à Secretaria de Receita e Rendas”, complementou, informando que se trata de uma empresa fantasma.

Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que a Prote-news também não tem autorização para vender equipamentos médicos, o que é exigido na legislação.

Para a advogada Andrezza Coli, especialista em tributos, não foi à toa que a empresa declarou um endereço falso nas notas fiscais. “É bem provável que eles tenham se formatado assim para deixar de fazer o recolhimento tributário e, assim, burlar as regras fiscais, burlar o Fisco, e deixar de levar recursos para os cofres públicos”.

Coordenadora da Vigilância em Carapivuíba diz que empresa é fantasma (Foto: Ely Venâncio/EPTV)Diretora da Vigilância em Carapicuíba diz que
empresa é 'fantasma' (Foto: Ely Venâncio/EPTV)

Empresário
No cadastro da Junta Comercial, a informação é de que Mauro Goularte Neves também mora na Rua Nelson Rodrigues Campos, só que em São Paulo. Segundo os Correios, porém, não existe essa via na capital.

Outras informações dão conta de supostos endereços do empresário. Um dos pontos indicados foi um hotel, mas a atendente informou que não havia um cadastro com esse nome.

A reportagem também recebeu a informação de que existiria na capital outra sede da Prote-news, mas encontrou apenas uma empresa que presta serviços de contabilidade para a revendedora de equipamentos, como emissão de notas fiscais. “Estão comigo já vai fazer uns 18 meses, já, que eles estão aqui. Aqui eles usam como escritório, mas o endereço no contrato mesmo é outro”, disse um representante do escritório.

Questionado sobre o endereço em Carapicuíba não existir, o contador disse que foram apresentados todos os documentos necessários e que a situação é estranha.  “Ah, eu não sei. Se você abrir, abrir uma empresa para mim, me dá a sua conta de luz, eu não vou atrás para ver se você está lá”.

Ele revelou ainda que o dono da Prote-news mora em Goiás e não visita seu escritório com frequência. “Eu o vi neste ano aqui umas duas vezes só”, contou. Procurado também pelo telefone, o empresário não atendeu e não retornou as ligações.

Não tínhamos conhecimento, simplesmente verificamos
a sua legalidade no estado
e no âmbito federal e é o necessário, os equipamentos
estão aí, com nota fiscal"
Antonio Morillas Júnior, provedor

Santa Casa
Depois da denúncia, a Santa Casa abriu uma auditoria para apurar as compras. O provedor do hospital informou que entrou na Justiça contra a fornecedora e que desconhecia a necessidade de autorização da Anvisa para uma empresa vender produtos hospitalares. “Essa informação nós estamos obtendo agora e será objeto até, se possível ainda, de um aditivo nessas ações para pedir a exibição dessa autorização por parte da Anvisa”, disse Antonio Valério Morillas Júnior.

Questionado pela reportagem se faltou cuidado ao fechar um negócio milionário com uma empresa irregular e que usa endereço falso, Morillas disse que o hospital fez o procedimento que era necessário. “É um fato de que nós tomamos conhecimento depois. Não tínhamos conhecimento, simplesmente verificamos a sua legalidade no estado e no âmbito federal e é o necessário, os equipamentos estão aí, com nota fiscal, e através da auditoria nós esperamos agora esclarecer todos esses fatos”, ressaltou.

Santa Casa de São Carlos (Foto: Aline Ferrarezi/G1)Santa Casa de São Carlos apura suspeita de compra irregular de equipamentos (Foto: Aline Ferrarezi/G1)

 

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