Espécie é conhecida por construir dois ninhos distintos — Foto: Renato Rabe
Para ser um observador de aves, ao contrário do que muita gente pensa, não é preciso se aventurar por ambientes inóspitos e distantes. É claro que cada região tem aves características. Algumas espécies são endêmicas, ou seja, só ocorrem em um ou outro lugar. Mas é possível observar aves até nas cidades mais populosas.
E foi justamente sem sair do trabalho que consegui fazer a interessante observação de uma espécie bem comum, mas extremamente curiosa: a cambacica (Coereba flaveola), também conhecida como sebinho ou mariquita. É um passarinho que canta o dia inteiro e é bem provável que você já o conheça. Visitante assíduo de flores produtoras de néctar, seu principal alimento, ele frequenta jardins e até varandas de apartamentos, desde que tenham vasos floridos.
Amplamente distribuída no país, ave gosta de frequentar as garrafinhas dos beija-flores — Foto: Acervo Terra da Gente
Sem poder parar no ar, como os beija-flores, a cambacica costuma se agarrar na base das garrafas com água e açúcar, disputando a bebida com os mestres de voo. Também se pendura na ponta dos ramos, furando a base das flores para "cortar caminho" até o néctar.
Pois bem, em busca de inspiração para escrever esse artigo, resolvi tomar um café na área de lazer de meu trabalho. Nela, havia um quiosque coberto de piaçava para dar sombra. E também para proteger da chuva, uma vez que, apesar de rústica, a piaçava é bem impermeável. Justamente nessa cobertura pousou minha inspiração: uma cambacica!
Bastante apressada, mal pousava, a ave já retirava com o bico um pedaço de piaçava, levado num voo também acelerado. Rapidamente de volta, ela repetia a operação com a mesma urgência. Não foi difícil encontrar o ninho, a pouco mais de vinte metros de distância do quiosque. Cronômetro na mão, constatei: em apenas um minuto, a afobada cambacica realizou quatro vôos, levando fibras de piaçava para a sua construção.
Cambacica foi flagrada retirando material para ninho — Foto: Carlos A. Coutinho
Até aí, nenhuma surpresa, afinal, na primavera e no verão a maioria das espécies de aves se ocupa com as instalações para receber a futura prole.
No entanto, essa espécie tem uma característica interessante. Constrói dois tipos de ninho, um de reprodução, onde normalmente o casal trabalha junto, e outro para descansar e se proteger da chuva, normalmente feito por apenas um indivíduo. O ninho de reprodução é mais elaborado e o casal leva em média uma semana para construí-lo. Já o de descanso e pernoite é feito em poucas horas.
No caso observado, o ninho era para descanso e pernoite e ficou pronto no mesmo dia. Bastante simples, como o construtor, mas bem eficiente como abrigo nessa época de chuvas pesadas. No mundo das aves a simplicidade está sempre presente. E nós, observadores, podemos aprender até mesmo com uma simples cambacica. O que era cobertura de proteção para os homens virou um ninho seguro para o passarinho.
A maioria das aves constrói seus ninhos com palhas. Nesta data comemoramos o Natal, o nascimento do menino Jesus, que por sinal aconteceu numa manjedoura, um cocho de animais cheio de palha – provavelmente feno – mas simples como um ninho de ave.
E, assim como a pequena cambacica pode transformar a palha em ninho, o espírito natalino pode também transformar nossos corações – muitas vezes secos de esperança – numa manjedoura onde o Cristo possa renascer e brincar. Quem sabe uma brincadeira simples como a de contemplar a vida num voo ou no cantar de um passarinho.