Única brasileira da categoria, rapper vai ao Grammy Latino com clipe sobre a própria história: 'Para muitos, o 1º presente é uma arma'

🏆 A tentativa de vencer o prêmio mais importante da música será com o videoclipe da canção "Meu Karma", lançado em maio, que propõe uma reflexão sobre os impactos do acesso a armas de fogo e aliciamento para o crime de jovens da periferia. O ponto de partida da criação da rapper foi a própria história e vivências pessoais que teve na favela Vila Urubu Cansado, em Hortolândia (SP), onde cresceu.

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Em entrevista exclusiva ao g1, Mylaine Helena (a Jovem MK) explicou que o clipe foi gravado em abril deste ano, na comunidade de Heliópolis, em São Paulo (SP). Para a construção estética do video, ela e a produção utilizaram metáforas imagéticas e fizeram alusão à capa do álbum do grupo de rap Facção Central.

Apesar de se inspirar em acontecimentos da sua própria vida, como ter o pai preso quando criança e ser "presentada" com um revólver 38, a cantora reitera que a sua história retrata a realidade de inúmeras crianças e adolescentes do país.

"Para muitos jovens no Brasil, o seu primeiro presente não é uma boneca, não é uma bola de futebol, não é brinquedo. O primeiro presente é uma arma. E é dali que a criança passa a ver a maldade no mundo", relata a rapper.

A música e o videoclipe partem da narrativa de uma menina, que após ver o seu pai ser levado pela polícia, recebe uma caixa de presente na porta da sua casa, onde está um revólver. Em seguida, a criança passa a ver o crime como uma opção para sobreviver.

"Obviamente [a arma] não vem literalmente de graça. Ninguém pega e te dá um 'oitão', ninguém te dá presente. (...) Mas, para quem vem da favela, não tem nada e nunca ganhou nada, e quando é criança, não sabe diferenciar o errado do certo, a primeira oportunidade que a gente tem de ganhar dinheiro e encher a nossa geladeira, abraça", explica a cantora.

Além da retratação da sua história através da criança, Mylaine explicou que se utilizou cenas montadas para passar mensagens de uma maneira indireta e fez referências de outros trabalhos clássicos do rap que também fazem crítica à "violência armamentista" dentro de comunidades e periferias.

O que pode significar uma criança em frente a uma mão gigante? No clipe da rapper, significa um pedido de socorro.

"É como se a criança tivesse olhando e pedido de socorro. E essa é a mensagem que a gente quer passar. As vezes, a criança tá pedindo socorro e não quer viver a realidade que está vivendo, quer ter um futuro melhor, e quer estudar e trabalhar dignamente", explica

A simbologia também está eternizada no punho da cantora, que tem uma imagem semelhante tatuada em seu braço.

A cantora também inseriu a imagem de uma pomba branca baleada em meio a comunidade, uma alusão à capa do álbum 'Direto do Campo de Extermínio', lançado em 2003 pelo Facção Central.

Assim como no 'Meu Karma', as músicas do grupo de rap também faziam uma reflexão sobre o aliciamento ao crime e a violência via armas de fogo, em faixas como "Hoje Deus Anda de Blindado" e "A paz é uma pomba branca".

Ainda que Jovem MK fosse muito nova à época do lançamento do disco - atualmente ela tem 23 anos - o trabalho do Facção Central esteve nos seus fones de ouvido e caixas de som. "Ouvi muito na minha infância, fez parte da minha vida", conta a cantora.

Nas últimas cenas do clipe, assim como Jovem MK, a criança não ingressa na vida do crime. Para representar essa decisão, o revólver dissolve no ar dentro da caixa de presente.

"A arma evaporando do presente, que aparece no final do filme, é reflexão de que graças a Deus eu escolhi a música, ao invés de escolher a arma que me presentearam", conta

Aos 12 anos, Mylaine Helena escreveu sua primeira música — um funk — ao lado de seu pai. E, aos 15, escreveu a sua primeira letra de rap e começou a frequentar batalhas de rima.

Nove anos após iniciar no gênero, Jovem ML teve reconhecimento internacional pelo trabalho que revisita sua história e fez a sua primeira viagem para fora do país até Miami, para a premiação do Grammy Latino.

*Sob a supervisão de Marcello Carvalho