Enquanto melhorias em indicadores macroeconômicos brasileiros ainda não parecem ter impulsionado o consumo interno do que é produzido pela agropecuária catarinense, para o mercado externo, o ano que vem deve ser de cautela. Como a redução no indicador anual de inflação impactou mais os combustíveis e menos a alimentação, o consumo interno ainda patina.
Com uma produção agroindustrial robusta, de cinco principais produtos exportados por Santa Catarina neste ano, três vêm do agro: carne de aves, carne suína e soja. De acordo com dados compilados pelo Observatório da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), no acumulado até outubro, as exportações de carnes de aves representaram 15,70% do valor total comercializado ao exterior em 2022, carne suína 10,80% e soja 6,08%.
China, Arábia Saudita, Rússia, Canadá e México estão entre os maiores compradores de carne de aves catarinense. Para carne suína, China, Rússia, Chile, Estados Unidos e Argentina estão entre os países com maiores participações. Para a soja, China, Irã e Paquistão são grandes compradores.
O agronegócio representa quase 70% das exportações catarinenses e 30% do Produto Interno Bruto, segundo a Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural.
O que deve impactar a produção agro no ano que vem
A continuidade da guerra da Ucrânia e a perspectiva de desaceleração ou até uma recessão global são apenas alguns dos pontos que devem afetar as exportações para o final deste ano e 2023. Pablo Bittencourt, consultor econômico da Fiesc, detalha que com inflação em alta após preços em escalada e problemas energéticos catalisados pela guerra, os países adotaram políticas monetárias contracionistas, o que tende a diminuir a renda e o consumo.
"Uma recessão é uma queda da renda per capita mundial. Salvo grandes modificações derivadas da guerra da Rússia, ela deve ficar mais restrita a países desenvolvidos, Estados Unidos e Europa, sendo importante ponderar que EUA estão em pleno emprego e Europa também tem bons níveis", reforça o economista.
Com juros mais altos em países desenvolvidos, os agentes econômicos priorizam esses mercados para comprar ativos em moedas que são referência, como o dólar, o que pode depreciar moedas dos demais países, incluindo eles o Brasil.
Se a taxa de juros está subindo no mundo todo, as pessoas deixam de consumir e empresas de investir. Com o consumo caindo, os preços das commodities, que o Brasil e Santa Catarina exportam muito, tendem a apresentar queda também. Os preços de alimentos, que são muito explicados pela demanda de grandes países consumidores, devem ser impactados por esses motivos. Aqui em Santa Catarina, vimos que o preço da exportação da madeira, por exemplo, já está caindo, e deve continuar em nível mais baixo até o final do primeiro semestre.
As exportações, de forma geral, ainda não recuaram, pois os produtores vendem conforme contratos firmados há cerca de seis meses, reforça Bittencourt. O especialista pondera que, mesmo que os valores apresentem queda, os volumes de soja e carnes, que representam parcela de extrema importância para o estado catarinense, não devem cair tanto. O momento seria de encontrar novos mercados para conseguir manter a capacidade de exportação.
O preço tende a cair mais rápido, mas o volume não necessariamente. Por mais que a gente exporte bastante para países de renda mais alta, temos crescido para países de renda média, que também contam com grandes populações. A partir desse cenário, tudo depende de como Santa Catarina vai conseguir atacar mercados que não vão ser afetados por essa crise. A capacidade do empresariado de ampliar sua base de mercado é um fator importante. A demanda por proteína vai continuar crescendo em outros países, com rendas mais baixas, pois quando a renda cresce, a demanda por proteína também é elevada.
Produção de carnes deve “andar de lado”
O estado responde por 55% dos embarques brasileiros de carne suína e é o maior produtor do país. Para a carne de frango, é o segundo maior produtor. José Antônio Ribas Jr, presidente do Sindicato das Indústrias da Carne e Derivados no Estado de Santa Catarina (Sindicarne), concorda que todos os indicadores de 2023 trazem percepção de conservadorismo. O ano de 2023 deve ser difícil e sem grandes ganhos, com grãos pressionando os custos. Para o mercado interno, mesmo com queda no indicador anual do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e elevação do Produto Interno Bruto (PIB), esses fatores ainda não são suficientes para aumentar a demanda pelos produtos e o consumidor já atingiu um “teto” para os preços, avalia o dirigente.
"O mercado interno está bastante complicado neste momento, tendo em vista que o poder aquisitivo caiu nos últimos anos e o consumidor não está consumindo mais alimentos. O que vimos foi um certo incremento na suinocultura, pois o bovino se tornou uma carne cara, abrindo espaço no prato do consumidor", afirma Ribas Jr.
Além da perspectiva para uma desaceleração global, a Ásia também passa por problemas econômicos em virtude de uma política extremamente restritiva contra a covid-19 na China, que dura até hoje. Nas últimas semanas, o governo chinês promoveu algumas flexibilizações, mas o gigante asiático ainda está longe de ter crescimento econômico e consumo dentro dos padrões considerados de normalidade.
O cenário de exportações continua pouco otimista, com expectativa de manutenção de volumes realizados em 2023 e grandes riscos quanto aos preços de cotações internacionais e oscilações na moeda, visto que o real já sofreu alterações nas últimas semanas com risco político e fiscal. Santa Catarina possui como vantagem a produção com mais valor agregado e maior foco em exportação. No entanto, a volatilidade do dólar e o mercado internacional podem afetar os resultados da balança comercial catarinense. O presidente do Sindicarne aponta duas variáveis como contraponto: a flexibilização do mercado chinês, que começou a liberar novas plantas, e a situação sanitária no restante do mundo. Ribas Jr lembra que países da Europa, Ásia e os Estados Unidos vem enfrentando problemas que são distantes de Santa Catarina nesta área.
A recessão pode nos tirar de alguns mercados, mas a China precisa comprar. Além disso, com a menor disponibilidade de alimentos diante de problemas sanitários, o Brasil pode compensar a queda de alimentos de outros países.
A estimativa é que o Brasil produza 14,3 milhões de toneladas de frango em 2023 e, deste montante, com exportação de cerca de 5 milhões de toneladas, por volta de 22% teria como origem o estado catarinense. Para a suinocultura, a projeção é manter a produção em cerca de 5 milhões de toneladas, com destinação ao mercado externo de um milhão de toneladas ao ano. Desse montante, entre 22% e 23% seriam de produção catarinense, segundo o Sindicarne.
De janeiro a outubro deste ano, o estado catarinense embarcou 1,41 milhão de toneladas de carnes (suínos, frangos, perus, patos, marrecos e bovinos), gerando receitas que passam de US$ 3,1 bilhões. O número representa uma alta de 11,6% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Ministério da Economia, com informações analisadas pelo Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola (Epagri/Cepa).
Guerra pressionou preços, que começam a se estabilizar
As commodities são cotadas no mercado internacional e a projeção de preços afeta a importância que o produtor rural dá a determinada lavoura. Se o foco é o mercado externo, quanto mais valorizados os preços, maiores os lucros para a produção realizada.
A guerra na Ucrânia teve forte impacto nos preços das commodities agrícolas neste ano. Desde o início do conflito, em fevereiro, as cotações internacionais foram às alturas e depois passaram por uma estabilização.
Por exemplo, no caso do milho, os contratos futuros em Nova York estavam cotados por volta de US$600 no início de janeiro, mas passaram de US$800 em abril e maio. Em outubro e novembro, passaram a rondar entre US$650 e US$700. O contrato de soja futuro, que começou o ano em US$750, chegou a ultrapassar US$1300 em março, mas hoje ronda US$800. A soja passou por uma movimentação parecida, com um forte boom no início da guerra. Enquanto os contratos futuros cotados nos Estados Unidos estavam por volta de US$1300, passaram de US$1700 no pico e hoje estão por volta de US$1400.
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