Fundadora da Casa do Poeta de Canoas, Maria conta que escreve desde jovem e pretende escrever uma biografia — Foto: Arquivo Pessoal/Luciele Oliveira
Durante a formatura do curso de letras da Universidade LaSalle, em Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre, no último sábado (17), uma das alunas estava especialmente feliz: aos 83 anos, Maria dos Santos Rigo finalmente conquistou seu diploma universitário, após seis anos de dedicação à primeira graduação.
"Velhice é só por fora. A gente pode se conservar jovem", diz a recém-formada.
Aposentada como industriária, mãe de três filhos e viúva há 30 anos, Maria decidiu entrar na graduação já na terceira idade por causa de uma paixão: a literatura. Fundadora da Casa da Poesia de Canoas, instituição que incentiva e forma leitores, ela conta que escreve desde a infância, e já lançou até um livro.
"Foi para agregar ao que eu já gostava de fazer. Como eu já escrevia e tinha interessa pela literatura, decidi ir para a faculdade para desenvolver mais. Foi muito bom, proveitoso para a minha escrita", comenta.
Quando decidiu ingressar no curso, dona Maria conta que chegou a ouvir de alguns familiares e conhecidos que não conseguiria chegar ao final, que desistiria e não concluiria o curso. Mas o que aconteceu foi o contrário: até em dias de chuva, a aluna não perdeu aula. "Só quando fiquei doente é que faltei um ou dois dias", conta.
Na apresentação do trabalho de conclusão de curso, obteve a nota 9 com um projeto sobre o escritor canoense Antônio Canabarro Tróis Filho. O próximo passo da formada em letras é escrever a biografia do autor. "Mas isso vai demorar, uma biografia demora anos, não é assim de uma hora pra outra", pondera.
Outro plano é voltar mais uma vez para a sala de aula: ela que cursar história.
Estagiária aos 80 anos
Maria cumpriu o estágio obrigatório do curso de licenciatura em escolas de ensino fundamental e médio e também na Universidade Aberta para a Terceira Idade (Unati), projeto do próprio LaSalle.
"As pessoas me perguntavam: 'Tu vai trabalhar?', e eu dizia: 'Olha, trabalhar sei que não vou, mas eu vou participar. Vou escrever. Não vai ser em vão'", diz ela. A experiência conquistada em sala de aula servirá para a escritora promover palestras de forma voluntária.
De 2013 a 2019, dona Maria conviveu com colegas e professores das mais diversas idades: em sala de aula, estudava com pessoas de 20 e poucos anos e também com aqueles já passando dos 60. Com todos, garante ela, tanto ensinou quanto aprendeu.
"Fui muito bem aceita. Com os novos a gente aprende também. Não é porque a pessoa tem idade que ela não aprende", diz.
Por exemplo, a tecnologia: Maria conta que não usava "quase nada" no computador. Na universidade, aprendeu a baixar os trabalhos e imprimi-los para ler. "Hoje em dia todo mundo lê no celular, mas eu não consigo. Preciso imprimir para ler", comenta.
Maria iniciou sua primeira faculdade prestes a completar 80 anos, e agora planeja escrever biografias e voltar a estudar mais uma vez — Foto: Portho Sul
Escrever na terceira idade
Mais do que novos hábitos, a graduação trouxe uma dimensão maior para uma paixão cultivada desde a infância. E que, garante ela, fica muito mais fácil depois da aposentadoria: a escrita.
"Acho que a terceira idade é uma entrada para a gente escrever. Quem tem vontade de escrever e não conseguiu, na terceira idade é bom para desenvolver o conhecimento", comenta ela.
"A pessoa que tem vontade tem que fazer. A gente só consegue fazendo, né? E se tiver dúvida, tenta. Pelo menos tu tentou. Pior é ficar em dúvida, 'ah eu deveria ter feito...'", aconselha.
Supletivo e vestibular
Dona Maria precisou cursar supletivo para comprovar que já tinha o Ensino Médio, que em sua época ainda se chamava segundo grau, concluído há décadas, quando ainda morava em Triunfo. No mesmo ano, foi aprovada no vestibular. Tinha 77 anos.
“Comecei com duas cadeiras. Meus filhos me incentivaram muito. Meu filho me trazia de carro para algumas aulas e minha filha me auxiliava com alguns trabalhos, já que devido à idade eu tinha algumas dificuldades”, lembra.
Se pudesse ter feito faculdade ainda durante a juventude, Maria não tem dúvida de que optaria pelo curso de letras. Para a professora Lúcia da Rosa, coordenadora do curso da Unilasalle, ela pode ser considerada um exemplo de amor à literatura.
“Respeitada e admirada por colegas e professores, é um orgulho para nós que a Maria conquiste este diploma. Ela é irrequieta, persistente e... enfim, é poeta!”