19/11/2016 08h43 - Atualizado em 19/11/2016 08h43

Polícia examinará pacientes de clínica psiquiátrica denunciada no RJ

Visita conjunta de Ministério Público e Polícia Civil foi realizada nesta quinta.
Donos responderão por maus tratos e uso de medicamentos vencidos.

Henrique CoelhoDo G1 Rio

Depois de passar semanas amarrada, paciente foi transferida após 20 anos internada (Foto: G1)MP e Polícia Civil investigam condições de pacientes em casa de saúde em Niterói (Foto: G1)

 

A Polícia Civil do Rio vai fazer exame de corpo de delito em todos os pacientes da Casa de Saúde Alfredo Neves e no Instituto Frederico Leomil, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Esta semana, o G1 mostrou que a unidade mantinha pacientes amarrados a camas ou a bancos na Casa de Saúde Alfredo Neves. Além disso, a unidade tinha péssimas condições de higiene.

O Ministério Público e a polícia realizaran nesta quinta-feira (17) uma vistoria na Casa de Saúde Alfredo Neves e no instituto. O trabalho identificou uma série de irregularidades no local, desde insalubridade das dependências até negligência com os pacientes.

Os exames ficarão a cargo da 77ª DP (Icaraí), que também vai apurar denúncias de maus tratos e checar se as medicações apreendidas no local, com data de validade vencida, estavam sendo administradas aos pacientes. O Ministério Público aguarda audiência especial para debater a proposta de desinstitucionalização apresentada no Plano de Ação Preliminar, que retiraria os atuais 70 pacientes do local.

A vistoria foi realizada no dia seguinte à matéria do G1 que revelou que 11 pacientes da Casa de Saúde Alfredo Neves morreram até o fim de outubro, segundo dados obtidos pela equipe de reportagem, seja na própria casa de saúde ou após serem transferidos para outras unidades.

Segundo o delegado titular da 77ª DP, Robson Costa, a promotora Marcelle Navega, da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde, foi desacatada pela esposa do dono da clínica, Sérgio Martins. A Polícia vai apurar maus tratos dos pacientes. Segundo ele, a perícia de local já foi feita, mas a delegacia aguarda os resultados . Os donos da clínica não foram presos em flagrante. Mesmo assim, responderão a inquérito policial pelos crimes de maus tratos, com pena de 2 meses a um ano, e também por ter em depósito mercadoria imprópria para consumo, que prevê pena de 2 a 5 anos.

Histórico
A clínica, por meio de seu advogado, negou a informação de que 11 pacientes da instituição morreram em 2016, mas não deu mais detalhes. Todas as informações sobre o estado dos pacientes, segundo George Vieira, foram passadas para a Fundação Municipal de Saúde e a Prefeitura de Niterói. Procurada para falar sobre as imagens registradas na unidade, a clínica não respondeu até o fechamento da reportagem.

Três pacientes já foram transferidos para o Hospital Municipal Carlos Tortelly, também em Niterói, e outros três receberam alta desde que a Fundação Municipal de Saúde passou a fazer visitas ao local. Uma paciente foi transferida para o hospital Psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói, depois de o Ministério Público ter tomado ciência de seu caso.

A Prefeitura de Niterói afirma que os repasses vêm sendo feitos às instituições, sendo que o último foi realizado em outubro. No entanto, de acordo com o site do Fundo Nacional de Saúde, que repassa os recursos do SUS para unidades particulares que mantenham vínculos com o Ministério da Saúde, não houve pagamentos para as duas unidades em 2016. Elas possuem CNPJs diferentes, mas funcionam no mesmo endereço, na Rua Doutor Sardinha, número 164.

Relatos
Fontes que entraram em contato com o G1 mostraram as fotos e contaram que as condições do local incluem "camas de ferro enferrujadas, colchões velhos rasgados, banheiros imundos, teto com pedaços despencando exibindo a fiação elétrica e a tubulação hidráulica".

“Os pacientes têm traços claros de desnutrição, alimentação inadequada e negligência. Todos eles praticamente têm quase todos os dentes podres, problemas na pele. Um deles tinha um problema de protusão do reto, quando o ânus fica para fora do corpo. Questionados sobre isso, os profissionais disseram: 'Ah, ele sabe como botar no lugar'”, afirmou um agente de saúde mental que esteve no local.

O tratamento psiquiátrico, segundo outra fonte que esteve no local, também é deficiente.

“Hoje em dia é lei que haja uma equipe multidisciplinar. Mas não existe. Há uma terapeuta ocupacional que vai para lá uma vez por semana, quando vai. É muito raro. E não há qualquer encorajamento para levar os pacientes para casa. A maioria está lá há 15, 20 anos”, explica.

Um dos casos chocou os agentes de saúde mental. Uma paciente de 54 anos, com quadro da esquizofrenia, foi transferida para o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, após mais de 20 anos internada na unidade em Santa Rosa. Segundo a coordenação de saúde do hospital, ela chegou com uma situação clínica "bastante complicada". Até a transferência, a paciente estava com cerca de 30 quilos e utilizando fraldas o dia inteiro. Ela comia amarrada à cama.

"Ela me dizia: 'Me tira daqui. Me dá comida'", contou um dos agentes que teve contato com a paciente.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Niterói foi alertada sobre a situação das duas unidades.

"Esse problema já se arrasta há anos e é uma vergonha para a cidade que continue. As administrações municipais mudam e aquelas pessoas continuam abandonadas lá. Nem monstros mereceriam o tipo de tratamento. Já denunciei várias vezes na Câmara Municipal, mas nem prefeitura, nem a Justiça parecem se sensibilizar com essa situação" , disse o vereador Renatinho (PSOL) – presidente da Comissão.

Casa de saúde mental tem atualmente 71 pacientes internados em Niterói (Foto: G1)Casa de saúde mental tem atualmente 70 pacientes internados em Niterói (Foto: G1)
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