'A raiz de uma mangueira' — Foto: Divulgação
Desde que foi publicado, aqui neste blog, o texto "A raiz de uma mangueira", tenho recebido mensagens surpreendentes e preciosas de leitores pedindo indicação de livros que nos ensinem mais à respeito da cultura afro-brasileira.
São, em sua maioria, mensagens vindas de gente branca que não têm contato com o estes livros. Culpa, a meu ver, das grandes redes de livrarias (que não à toa estão se extinguindo) que vendem suas vitrines às grandes editoras (que teoricamente podem pagar e pouco se interessam sobre o assunto.
E culpa também, claro, de nossa crítica literária, um tanto inculta, defasada e indisposta a ceder espaço em suas páginas de cultura para algo que não seja mais do mesmo ou aquela charlatã "erudição de seminarista", que no passado tanto deu fama a nomes como Paulo Francis.
A verdade é que o Brasil não dará certo enquanto não formos eruditos em nós mesmos. Em nossa mitologia, nossa filosofia e nossas origens.
A verdade é que o Brasil não dará certo enquanto não soubermos o que é Exu.
(Nota do autor: o Brasil deu certo e dá certo todos os dias desde sua fundação. É o país que mais bem trata a sua elite)
Mas não será aqui, que vai-se ensinar o que é, por exemplo, Exu. Não dá-se o peixe. Ensina-se a pescar. Então prepara o Control C + Control V, que aqui vai uma lista de livros que irão tirá-lo um tantinho dessa ignorância desafricanizada.
Exu e o Mentiroso - Rogério Athaíde e Clara Zúñiga - Para começar, um livro infantil. Crianças geralmente são mais inteligentes que adultos. Elas são o futuro. E essa fabula sobre a divindade Exu, que quer dizer "o que não tem começo nem fim", "o infinito", em iorubá, é praticamente um "explicando Exu para quem precisa que se desenhe".
Na Casa de Meu Pai - A África na filosofia da cultura - Premiadíssima compilação de ensaios do filósofo contemporâneo Kwame Antony Appiah. Depois deste livro, você nunca mais vai cometer erros como "Eu adoro comida africana". A África é um continente com dezenas de países e culturas diferentes entre si. Não é um único lugar onde se produz um único tipo de música, de culinária ou dança.
Cumbe/Angola Janga - Marcelo D'Salete O mais reconhecido quadrinista brasileiro no momento é negro. E produz graphic novels que se passam no Brasil da época da escravidão. Em técnica, não se compara a nenhum gibi da Marvel ou DC. Em história e dramaturgia então, é um outro planeta. Aqui, a indicação de duas obras gigantescas.
Angola Janga, que conta a história de Zumbi dos Palmares. E Cumbe, que ganhou um dos prêmios Eisner, o Oscar dos quadrinhos, no ano passado. É o triunfo do mundo nerd brasileiro. Mas como a relação do mundo nerd especificamente brasileiro com os negros se dá em mensagens de ódio em fóruns escondidos, D'Salete não é um nome consagrado.
Um Defeito de Cor - Ana Maria Gonçalves - As mais de 900 páginas deste romance contém mais erudição do que as quase 1500 páginas de "A Lanterna na Popa", livro de memórias de Roberto Campos, outro tipo de intelectual que exibe a tal "erudição de seminário", tão ignorante da sabedoria do mundo.
Ana Maria Gonçalves constrói seu "Um Defeito de Cor" como um portal para a luz que brilha fora de uma senzala. Corrige nossa História, nosso passado, por optar por um ponto de vista não aprendeu não eurocêntrico. O Brasil deu um grande passo quando este livro foi publicado. A TV Globo se prepara para transformar o livro em série. Será outro grande passo para a TV brasileira.
O Candomblé Bem Explicado: Nações Bantu, Iorubá e Fon - Ode Kileuy e Vera de Oxaguiã - Falando em TV, tornou-se assunto uma frase dita dita dentro da casa do Big Brother Brasil por um dos participantes do jogo. "Eu tenho medo de votar no fulano porque ele mexe com esse trecos... as Oxuns dele".
O equivalente a alguém dizer: "Tenho medo de sicrano porque ele mexe com esses trecos... as Nossas Senhoras Aparecidas dele". Assim mesmo, no plural, chamando Nossa Senhora de "esses trecos". A segunda frase teria causado escândalo nacional. Nesse livro, escrito após intensa pesquisa por uma mãe de santo e sua filha de santo, o nome já explica. Uma obra urgente. Há hoje perseguição aos que professam no brasil religiões afro-brasileiras. Há violência. Há desrespeito. Não que a raça humana seja lá conhecida por respeitar as escolhas do outro, mas retroceder, jamais.
O Bebedor de Vinho de Palmeira - Amos Tutuola - Esqueça Harry Potter, Senhor dos Anéis, As Crônicas de Nárnia. Esqueça até mesmo Alice no País das Maravilhas. Toda a literatura fantástica é cópia da primeira literatura fantástica que surgiu no mundo, ainda pré-escrita: mitos iorubás. Mitos transformados na história de um herói sem nome rumo a terra dos mortos. O nigeriano Amos Tutuola nos apresenta, sem saber, nos anos 50, o que o ocidente iria chamar, uma década depois, de "pisicodelia".
Porque para o ignorante, tudo o que ele não sabe explicar racionalmente é da ordem da loucura. E a própria loucura algo inferior à sanidade. E os próprios conceitos de loucura e sanidade algo concreto e definitivo. Loucura é isso, sanidade é aquilo, ponto.
As certezas são encontradas apenas nas mais ignorantes cabeças.
Precisamos falar de Exu, essa divindade que é e não é e talvez seja ou não. Que bagunça todas as nossas certezas. Que, fazendo isso, nos torna sábios.
Precisamos falar de Exu, esse conceito tão sofisticado quanto os princípios de causalidade e acaso na física moderna de Bohn. Essa ideia tão refinada quanto a geometria fractal de Mandelbrot.
Precisamos falar de Exu. Precisamos, precisamos e precisamos.
Porque, antes de qualquer coisa, somos uma sociedade que de tudo precisa.
Que infinitamente precisa.
Então, comecemos com Exu.
Comecemos com o Infinito.