Até quem nunca conheceu a alma gêmea na infância, mudou para o outro lado do mundo, se casou com outra pessoa e passou dias delicados com o antigo "amigo" décadas depois vai encontrar algum aspecto de "Vidas passadas" para se identificar.
O recém-indicado a melhor filme no Oscar 2024 estreia nesta quinta-feira (25) nos cinemas brasileiros gabaritado pelo roteiro afiado (e indicado) da diretora estreante Celine Song e atuações sensíveis encabeçadas por Greta Lee ("The Morning Show").
Ambas inclusive mereciam concorrer a melhor direção e melhor atriz, mas um ano com grandes trabalhos nas duas categorias deixaram muitos merecedores de fora (a dupla no topo da lista, sem dúvida).
"Vidas passadas" carrega o coração do público nas mãos da primeira à última cena e, por mais que o aperte às vezes e deixe um sabor amargo em seu desfecho real até demais, provoca uma catarse deliciosa na inevitável reflexão "e se?" na cabeça do espectador.
Assista ao trailer de "Vidas Passadas"
O fantasma do que não foi
"Vidas passadas" conta a história de dois amigos que criam uma forte conexão durante a infância na Coreia do Sul até que a família da jovem (Lee) se muda para os Estados Unidos.
Separados pela distância e pelos sentimentos que nutrem um pelo outro mesmo tão longe, eles se afastam e seguem suas próprias vidas.
20 anos depois, uma visita dele (Teo Yoo) obriga o casal que nunca foi a refletir sobre as pessoas que se tornaram, o fantasma de um relacionamento inexistente e o futuro – e onde o marido americano e bem-intencionado (John Magaro) dela se encaixa nisso.
Dois viram três viram quatro
O roteiro de Song é um primor. De longe a melhor coisa do filme e um dos melhores de 2023 – se não o melhor.
A breve introdução da infância dos dois amarra um pouco o ritmo, mas serve como uma carga emocional necessária a uma trama que lida tanto com bagagem.
Leem Seung-min e Moon Seung-ah como os jovens protagonistas de 'Vidas passadas' — Foto: Divulgação
O filme decola mesmo com o aumento da distância dos dois, física e emocional, e a forma como costura as mudanças pelas quais ambos passam separados. As idas e vindas entre os protagonistas deixa claro: essa é uma história de amor, mas a vida segue em frente.
O reencontro é, claro, a apoteose. Na tela, Song apresenta sempre no mínimo um trio desconfortável formado por ela, ele e a tensão quase sólida de sentimentos que nunca foram concretizados.
"Vidas passadas" ainda ri da noção de que três é demais e acrescenta o marido dela como quarto elemento.
Em um momento, ele brinca que em um filme seria o vilão branco que deixa os protagonistas separados. Sem a sensibilidade da diretora e das atuações de Lee e Magaro, a cena poderia ser uma metalinguagem cansada. Com eles, cria uma terrível simpatia pelo personagem.
O triunfo de um coração partido
Teo Yoo, Greta Lee e John Magaro em cena de 'Vidas passadas' — Foto: Divulgação
Não há reviravoltas. Não há surpresas. Não há explosões ou grandes efeitos especiais.
"Vidas passadas" triunfa e emociona como uma janela para sentimentos e situações bem reais (por mais que interpretadas por um casal que de fato parece formado por estrelas de cinema).
Quando um olha para o outro como cachorro com fome e disfarça, ou quando uma mão se aproxima da do outro quase que por força magnética, é possível sentir a dor por trás.
A história geral pode ser diferente, mas os momentos são familiares para qualquer um que já teve o coração partido.