À primeira vista, "Tár" é um filme difícil, denso e cansativo. Até a poderosa atuação de Cate Blanchett, que tem tudo para garantir o terceiro Oscar da australiana, contribui para a sensação de falta de esperança e de que o fim está longe.
Com mais de duas horas e meia de duração, está mesmo. Mas a atriz e o roteiro do diretor Todd Field ("Pecados íntimos"), que não subestima o público com respostas fáceis ao longo da queda da genial e abusiva protagonista, fazem valer cada minuto.
O filme sobre uma maestro fictícia, que estreia nesta quinta-feira (26) no Brasil com seis indicações ao prêmio da Academia de Hollywood, transita por cinebiografia, suspense psicológico e drama com habilidade, sem nunca entregar exatamente a qual gênero pertence.
No fim, depois de uma longa exposição sobre relações de poder, sexismo, arte e toques de hipocrisia, a obra recompensa o espectador com uma conclusão sem julgamentos e desapaixonada – mas igualmente apaixonante.
'Tár': assista ao trailer
Conhecendo Lydia Tár
O filme acompanha Lydia Tár (Blanchett), uma maestro que claramente dispensa apresentações. Ela é mais do que a única mulher a comandar uma das mais respeitadas Filarmônicas do mundo, a de Berlim, mas também uma das poucas pessoas ganhadoras dos quatro maiores prêmios das artes dos Estados Unidos (Emmy, Grammy, Oscar e Tony).
Casada com a primeira violinista da orquestra (Nina Hoss) e prestes a lançar um livro e a gravar a única sinfonia de Mahler que lhe falta, a condutora começa a história no ápice de uma carreira repleta de realizações.
A condição elevada da protagonista serve para aumentar o tamanho de sua inevitável queda – e a tensão é construída pela incerteza de como ela acontecerá.
Discussões indigestas
De certa forma, a direção de Field (que conseguiu sua primeira indicação ao Oscar na categoria) é reflexo da personalidade de Tár, com um olhar desapegado sobre a obra, mas extremamente controlador. Cada cena é orquestrada com destreza pelo cineasta, que mantém uma distância calculada de cada sequência.
Depois de apresentar a personagem com um começo mais arrastado, o americano dá algumas pistas sobre seu destino, sem nunca apelar para respostas fáceis ou conclusões previsíveis – o que por diversas vezes confunde o público, mas aumenta a recompensa do final.
Nas mãos do diretor e de Blanchett, Tár se mantém sempre uma entidade fria e quase infalível, mas, ao mesmo tempo, muito humana em seus muitos defeitos.
Com isso, o filme constrói seu ensaio sobre a velha discussão de pessoas horríveis com obras incríveis e sobre como a admiração e o ego podem desequilibrar relações da mesma forma que o poder.