Por Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília


O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em sessão nesta quarta (14) — Foto: Antonio Augusto/STF

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou no sentido de invalidar, em parte, o trecho do Marco Civil da Internet que trata da responsabilidade das plataformas digitais sobre conteúdos de usuários.

O voto do ministro diverge, parcialmente, do que foi apresentado pelos relatores dos processos sobre o tema, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux (entenda os votos deles mais abaixo).

STF: Toffoli conclui voto e propõe que redes devem responder por conteúdos de usuários

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Barroso votou no sentido de que alguns conteúdos devem ser removidos apenas com ordem judicial. Entre eles, quando a postagem envolve crimes contra a honra — injúria, calúnia e difamação. Para outros delitos com danos individuais, os provedores podem agir com uma notificação da vítima ou de seus advogados.

"Considero legítimo que, em muitas situações, a remoção somente deva se dar após ordem judicial. Portanto, não eliminaria do ordenamento jurídico o art. 19. A remoção em caso de ofensa e crimes contra a honra não pode, a meu ver, prescindir de decisão judicial. Conteúdos relacionados à honra devem permanecer sob o regime do art. 19, sob pena de violação à liberdade de expressão", defendeu o presidente da Corte.

📲O artigo 19 do Marco Civil, tema em debate pelos ministros, estabelece que as plataformas digitais só serão responsabilizadas judicialmente por danos causados por conteúdos ofensivos se, depois de ordem judicial específica, não tomarem providências para retirar o material do ar.

O magistrado também concluiu que, em alguns casos, as empresas têm o "dever de cuidado" em manter o ambiente livre de "conteúdos gravemente nocivos".

O ministro Luiz Fux pediu a palavra para discordar do voto de Barroso.

"A nossa discordância é essa. Porque uma vez cometido o crime contra a honra, ele viraliza. E não tem como, ele viraliza. E é fomentado. A proposta que eu fiz foi de inverter o ônus. A plataforma retira, e ele judicializa pra recolocar, como elas têm feito hoje. A linha é tênue, mas quem tem que suportar o ônus dessa linha tênue é a plataforma. São as empresas mais ricas que têm, não é o particular, que vai ter de pagar pra tirar aquilo", afirmou Fux.

O ministro Fux disse ainda que a pessoa que tem a honra ofendida nas redes é o Davi contra o Golias das plataformas sociais.

"Ele é o Davi contra Golias. Ele é que tá enfrentando a plataforma, não é a plataforma que está tendo a obrigação de preservar os valores constitucionais", argumentou.

Após o voto de Barroso, o ministro André Mendonça pediu vista (mais dias para analisar o caso). Ele não afirmou quando pretende apresentar a manifestação, mas o Supremo entra em recesso a partir da próxima sexta-feira (20).

Pelo regimento, os ministros têm um prazo de 90 dias no caso do pedido de vista. O recesso judicial não conta para o período.

André Mendonça, ministro do STF — Foto: Reprodução

Entenda o voto de Barroso

O ministro também se posicionou contra a possibilidade de aplicar às plataformas a chamada responsabilidade objetiva.

Nesta modalidade, as empresas estão sujeitas à responder na Justiça por material publicado por terceiros mesmo que não haja uma comprovação de dolo ou culpa em sua conduta.

Para o ministro, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, precisa haver a comprovação de dolo ou culpa do provedor na situação.

Na prática, se forem acionadas na Justiça, as plataformas vão precisar provar que atuaram de forma adequada, depois de receber a notificação. Podem se eximir da culpa quando, ao receberem a comunicação, observarem que a postagem questionada não veicula crime, ou quando conseguem mostrar que atuaram para diminuir os danos.

Importância da regulação

Durante a leitura do voto, Barroso defendeu a necessidade de regulação das redes sociais, sob os aspectos econômico e de proteção de direitos autorais e de dados.

"É preciso regular as plataformas digitais do ponto de vista econômico, para tributação justa, para impedir dominação de mercado, para a proteção dos direitos autorais. E do ponto de vista da proteção da privacidade. É imperativa a disciplina da utilização desses dados", disse o ministro.

Segundo ele, o STF tem um compromisso histórico com a liberdade de expressão. "O que estamos discutindo aqui é a melhor forma de preservar a liberdade de expressão neste mundo em que ela corre risco", seguiu.

Marco Civil da Internet: Fux vota pela responsabilização das redes sociais e empresas de tecnologia pelo conteúdo que publicam

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Dever de cuidado

Barroso defendeu, ainda, a aplicação na atuação das empresas do chamado "dever de cuidado". Ou seja, os provedores devem guiar sua conduta dentro deste conceito, que envolve uma obrigação genuína de empenhar todos os esforços para prevenir riscos sistêmicos criados pelas publicações.

🔎Ou seja, as plataformas deverão tomar medidas para evitar as consequências negativas de seu modelo de negócio. Assim, o dever é de atuar com cautela para reduzir os riscos. 

Na prática, a responsabilidade das empresas não seria por cada postagem ilícita publicada, mas sim pela falha na obrigação de criar um sistema adequado para coibir circulação de conteúdos ilícitos. Devem, ainda, atuar diligentemente para reduzir os riscos.

"No caso do dever de cuidado, você não sanciona uma situação específica. Você sanciona o seu comportamento não suficiente diligente para enfrentar aquele ponto", afirmou o ministro.

Algoritmos

O presidente ressaltou que o monitoramento do fluxo de informações não será feito por humanos, mas sim pelos algoritmos. Ele explicou que, neste contexto, não haverá 100% de acerto, ou seja, uma ou outra postagem pode passar pelo filtro de análise.

"Vai acontecer, pontualmente, de passar alguma coisa. O que se tem que aferir é se o esforço de impedir está sendo feito de maneira eficiente, não uma responsabilização pontual", salientou Barroso.

O presidente da Corte também explicou que a responsabilidade tem que ser verificada sobre o dever de evitar consequências negativas.

E acrescentou que, sempre que existir dúvida razoável das empresas sobre a licitude ou não de uma manifestação, deve-se esperar uma ordem judicial.

Pontos principais

No voto, o ministro propôs:

➡️o artigo 19 do Marco Civil da Internet, é parcialmente inconstitucional, porque protege de forma deficiente direitos fundamentais;

➡️em caso de crimes em geral, com danos individuais, as plataformas digitais devem retirar postagens a partir do momento em que recebem uma notificação extrajudicial, ou seja, uma comunicação da vítima ou de seu representante legal;

➡️nas situações de crimes contra a honra, ainda será necessária uma ordem judicial para retirar o conteúdo do ar;

➡️no caso de anúncios e impulsionamento, plataformas respondem por conteúdos ilícitos independentemente de notificação.

➡️em caso de algumas situações específicas, os provedores devem atuar, mesmo sem notificação, para evitar que as redes tenham conteúdos "gravemente nocivos".

Entre eles, estão: pornografia infantil e crimes contra crianças e adolescentes; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio e automutilação; tráfico de pessoas; atos de terrorismo, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado". Nestes casos, as empresas serão responsáveis quando houver falha sistêmica no dever de proteção, não apenas por um determinado conteúdo.

➡️apelo ao Congresso Nacional para a criação de um órgão regulador para o tema, independente e autônomo. Este órgão cuidaria de fiscalizar a publicação, pelas plataformas, de relatórios anuais sobre as medidas para verificar as postagens.

Voto de Luiz Fux

Na última quarta-feira (11), o ministro Luiz Fux apresentou seu voto.

Para o ministro, os provedores são responsáveis pelos conteúdos gerados por terceiros quando tiveram ciência "inequívoca" dos atos ilícitos. Isto é, foram informados por meios adequados e, mesmo assim, não removeram a postagem imediatamente.

De acordo com Fux, podem ser considerados conteúdos ilegais os que tratem de discurso de ódio, crime, racismo, pedofilia, incitação à violência, apologia à abolição violenta ao Estado de Direito e ao golpe de Estado. Nestas situações, considerou o ministro, há um dever de monitoramento ativo das redes sociais, ou seja, elas precisam agir para evitar os danos causados por estas publicações.

Quando a postagem for ofensiva à honra, à imagem e à privacidade (caracterizadores de crimes previstos na lei penal - injúria, calúnia e difamação), a responsabilidade civil destes provedores pode ocorrer se, havendo prévia notificação por eles por parte das vítimas e seus advogados, eles não tomarem a providência de retirar o material do ar.

Fux estabelece que as redes sociais "têm o dever de disponibilizar meios eletrônicos eficientes, funcionais e sigilosos para o recebimento de denúncias e reclamações de seus usuários que se sintam lesados".

Ministro Luiz Fux vota para que redes tenham responsabilidade por conteúdo de usuários — Foto: Supremo

Voto de Dias Toffoli

O primeiro a votar foi o ministro Dias Toffoli. O magistrado considerou que é inconstitucional a regra que prevê a responsabilidade por danos das redes sociais apenas quando não cumprem a ordem judicial de remoção de conteúdo.

O ministro propôs que as plataformas sejam consideradas responsáveis por uma publicação a partir do momento em que receberem uma notificação pedindo a retirada do conteúdo, por ser falso ou ofensivo.

Toffoli previu ainda algumas situações em que não será necessária a notificação extrajudicial para que as plataformas tomem providências. Ou seja, nestas circunstâncias, as big techs têm o dever de agir para evitar os danos. Dessa forma, se não fizerem isso, estão sujeitas à responsabilidade objetiva.

Esta é uma modalidade de responsabilidade aplicada em alguns casos específicos previstos na legislação, em que não é preciso comprovar que houve dolo ou culpa da empresa no episódio. Uma vez com a questão em discussão na Justiça, no caso concreto, a empresa pode provar que não teve participação, ou que não há relação de causa e efeito entre a irregularidade e suas atitudes.

Marco Civil da Internet

Os casos envolvem a aplicação de um trecho do Marco Civil da Internet. A lei, que entrou em vigor em 2014 funciona como uma espécie de Constituição para o uso da rede no Brasil — estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e empresas.

A questão envolve como as plataformas devem agir diante de conteúdos criados por usuários que ofendem direitos, incitam o ódio ou disseminam desinformação.

A Corte deverá aprovar uma tese, a ser aplicada em processos sobre o mesmo tema nas instâncias inferiores da Justiça.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há pelo menos 345 casos com o mesmo conteúdo aguardando um desfecho no Supremo.

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