Por Marcus Passos, g1 Pará — Belém


  • Pacto Interinstitucional Pró-Equidade Racial foi criado pelo Tribunal de Contas do Estado em maio de 2024;

  • Até 25 de novembro, ao menos 29 órgãos estaduais, federais e entidades da sociedade civil assinaram o pacto;

  • Iniciativa tem como objetivo transformar as instituições do Pará em agentes ativos na luta contra o racismo.

Pará tem o 2º maior número de negros do país. — Foto: Divulgação/Secretaria Estadual de Cultura

Ao menos 29 órgãos estaduais, federais e entidades da sociedade civil se juntaram, por meio de um pacto, para combater o racismo no Pará. A iniciativa pretende fomentar a promoção da equidade racial no segundo estado com a maior proporção de negro do Brasil.

Instituído em 10 de maio deste ano, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PA), o Pacto Interinstitucional Pró-Equidade Racial possibilita que as instituições participantes atuem em rede, com ações pedagógicas e orientadoras, para promover a igualdade de oportunidades.

Para Karoline Bezerra Maia, primeira promotora quilombola do país, do Ministério Público do Estado do Pará – uma das instituições participantes do pacto, o racismo é uma prática que deixa as pessoas à margem dos seus direitos.

Que a sociedade e o Estado possam caminhar juntos, se articular, fazer parcerias, para que a gente possa chegar naquele mundo que está ali na Constituição, onde todos são iguais perante a lei, homens e mulheres, pretos e brancos, quilombolas e indígenas. Onde todos tenham os seus direitos, suas garantias respeitadas
— Promotora Karoline Bezerra Maia.

A promotora de justiça, lotada no município de Brasil Novo, no sudoeste do Pará, nasceu no quilombo Jutaí, localizado na cidade de Monção , no oeste do Maranhão.

Karoline Bezerra Maia, primeira promotora de Justiça de origem quilombola do país

Karoline Bezerra Maia, primeira promotora de Justiça de origem quilombola do país

Segundo o órgão de Contas do Pará, a meta é terminar o mês de novembro com a adesão de 32 instituições parceiras, a partir da inclusão da Equatorial Energia, Universidade Federal Rural da Amazônia e Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá.

Esta é uma das reportagens da série voltada ao Dia da Consciência Negra. A série aborda a baixa adesão a políticas públicas de Estado destinadas à promoção da igualdade racial, os mecanismos de inclusão racial na educação superior e como o Estado pode atuar com ações de combate ao racismo. Nesta reportagem você vai ler mais sobre:

Segundo estado mais negro do Brasil

Entre os motivos para criar o Pacto, de acordo com o TCE-PA, foi para que a Corte de Contas não se restringisse à atuação fiscalizatória, de fiscalizar as despesas públicas estaduais, mas que pudesse atuar conjuntamente na indução das políticas públicas.

[A política] tem como princípio basilar combater a desigualdade racial por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias, visando a eliminação do racismo estrutural na sociedade brasileira e, em especial, no Pará, onde se situa o segundo maior contingente de pessoas negras do Brasil
— TCE-PA

Dados do Censo nacional de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), colocam o Pará com a segunda maior proporção de habitantes negros do país.

No estado, 79,64% da população se autodeclara negra (somatório de pretos e pardos), percentual inferior apenas para a Bahia, com 79,68% dos habitantes negros.

Confira abaixo a distribuição por cor/raça dos 8.120.131 milhões de habitantes do Pará:

População por cor ou raça do Pará
No estado 79,64% da população se autodeclara negra
Fonte: Censo IBGE de 2022

Diante de um estado de maioria negra, o Pacto Interinstitucional tem como objetivo transformar as instituições do Pará em agentes ativos na luta contra o racismo, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos.

Para Nilma Bentes, uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) – outra instituição participante do pacto, os problemas envolvendo os negros não são apenas uma questão da população negra, mas da sociedade brasileira.

A questão da equidade racial não depende somente dos negros, os brancos conscientes têm também que adotar atitudes com relação a isso
— Ativista Nilma Bentes.

Mulheres com turbantes em evento de comemoração ao Dia da Consciência Negra. — Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

De acordo com o Ministério da Igualdade Racial, o “Pará possui uma significativa população negra que enfrenta desafios específicos, como desigualdades de acesso a serviços básicos, educação e segurança”.

A pasta ministerial afirma ainda que a classificação do estado, como a segunda unidade federativa com maior população negra do país, é relevante para orientar políticas públicas.

“Esses dados são essenciais para embasar programas e ações voltados à promoção da igualdade racial na região”.

Confira os 10 estados com maior percentual de pessoas negras do país:

Estados com maior percentual de pessoas negras do Brasil
Somatório de pretos e pardos
Fonte: Ministério da Igualdade Racial/Informe MIR - Monitoramento e avaliação

Inspiração

Desde a implementação, em maio, o pacto vem promovendo ações, programas, projetos e outras iniciativas, abordando a diversidade, inclusão e equidade racial; e a conscientização e desarticulação do racismo.

Dois produtos foram lançados dentro do TCE-PA e estão disponíveis online. Um é a Cartilha Antirracista, elaborada pelos discentes e docentes do projeto Letramento Racial, coordenado pela professora Sandra Guimarães, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

A cartilha diz que o letramento racial consiste, em todo processo educativo formativo que promove a construção, no sujeito, da capacidade de identificar e reconhecer práticas racistas no âmbito de sua cultura e vida cotidiana.

O pensamento vai ao encontro do que é defendido pela ativista e engenheira agrônoma Nilma Bentes. Para ela, a educação é fundamental no combate ao racismo e as escolas devem tratar disso.

“A gente tem trabalhado para criar espaços dentro das secretarias de Educação para que essa questão seja colocada, não só para a população urbana como rural”.

O outro produto é o Manual de Boas Práticas Pró-Equidade Racial, organizado pela procuradora do TCE-PA, Hellen Brancalhão, e os integrantes do projeto Letramento Racial.

O manual se propõe a ir além do discurso e ser uma ferramenta de ação para promover a equidade racial nos ambientes institucionais, abrindo caminho para novas práticas organizacionais de curto, médio e longo prazo.

g1 em 1 Minuto - Pará: reportagens falam sobre consciência negra no Pará

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Ações práticas de cidadania

O Pacto Interinstitucional é resultado de uma política maior do TCE-PA, lançada em fevereiro de 2024: a Política Pró-Equidade Racial. A criação dos dois instrumentos tem como referência outras iniciativas e políticas públicas.

Uma delas é o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, lançado em 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A adesão ao pacto conta com apoio de 100% da Justiça Estadual, Eleitoral, do Trabalho, Federal, Militar e Tribunais Superiores.

Outra referência para a implementação do pacto está nos estatutos da Igualdade Racial, de âmbito federal, criado em 2010, e estadual, instituído em 2021.

Segundo levantamento do Ministério da Igualdade Racial, dos sete estados da Região Norte, apenas o Pará tem um Estatuto da Equidade Racial.

Na avaliação da pasta, este instrumento é um marco importante na promoção dos direitos da população negra na região, por buscar garantir a efetivação da igualdade racial e a defesa dos direitos raciais individuais, coletivos e difusos.

Essas inspirações contribuíram para a formatação de muitos dos objetivos listados pelo Pacto Interinstitucional, como o que propõe contribuir com ações sobre a importância da representatividade racial, por meio de cotas raciais em concursos públicos, processos seletivos e contratações.

Questionado pelo g1 sobre o percentual atual de membros e servidores negros no quadro funcional do TCE-PA, o Tribunal informou que o sistema de dados pertinentes à raça está sendo organizado para atender as diretrizes da Política Pró-Equidade Racial.

O órgão informou ainda que o concurso público lançado em abril deste ano já contou com a reserva de vagas para pessoas negras. Ao todo, 85 candidatos negros foram aprovados, segundo o TCE.

Para a primeira promotora quilombola do país, essas ações são importantes por fazer com que certos grupos tenham representação nos espaços de poder.

Eu vejo como importante [essas iniciativas porque] outras pessoas, outras meninas quilombolas, que não tinham direito, não tinham nenhuma oportunidade de esperançar, de sonhar, já conseguem sonhar com seu futuro, consegue sonhar com as suas possibilidades
— Promotora Karoline Bezerra Maia.

Karoline Maia é a primeira quilombola a se tornar promotora de Justiça no Brasil. — Foto: Reprodução / ANPR

Confira abaixo todos os signatários do Pacto Interinstitucional Pró-Equidade Racial:

  • Governo do Estado do Pará
  • Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa)
  • Tribunal de Contas da União (TCU)
  • Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-PA)
  • Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA)
  • Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA)
  • Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)
  • Instituto Rui Barbosa (IRB)
  • Ministério Público de Contas do Estado do Pará
  • Ministério Público do Estado do Pará
  • Ministério Público de Contas dos Municípios
  • Ministério Público Federal
  • Ordem do Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB-PA)
  • Secretária Municipal de Cidadania e Direitos Humanos (SEMCDH - PMB)
  • Secretária de Igualdade Racial e Direitos Humanos do Estado do Pará
  • Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup)
  • Secretaria de Estado de Educação (Seduc)
  • Universidade do Estado do Pará (Uepa)
  • Universidade Federal do Pará (UFPA)
  • Defensoria Pública do Estado (DPE-PA)
  • Defensoria Pública da União (DPU-PA)
  • Agência Brasileira de Inteligência (Abin-Superintendência Estadual Pará)
  • Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa)
  • Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu)
  • Movimento Afrodescendente do Pará (Mocambo)
  • Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa)
  • Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará - CREA
  • Universidade da Amazônia (Unama)
  • Associação de Magistrados do Estado do Pará (Amepa)

Sobre a série voltada ao 'Dia da Consciência Negra', leia também:

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