Barcos no lago Poopo, na Bolívia, região afetada pelas mudanças climáticas — Foto: Reuters/David Mercado
Terminou ontem, dia 9 de fevereiro, o prazo simbólico para fortalecer os planos de combate global às mudanças climáticas sob o Acordo de Paris. Este Acordo foi conseguido em 2015, na cidade francesa, pelos representantes dos líderes reunidos na Conferência das Partes pelo Clima (COP21). E houve, na época, uma ruidosa comemoração. O mundo parecia ter se dado conta da necessidade de rever práticas comerciais, de trabalho, de produção, de extração dos bens naturais, em prol de uma melhor qualidade de vida não só desta, como das próximas gerações.
O prazo, volto a dizer, é simbólico e não há sanções para quem não cumprir. As nações interessadas, verdadeiramente, em pôr em prática as mudanças, deveriam ter apresentado às Nações Unidas, até o dia 7 de fevereiro, as Contribuições Determinadas Nacionalmente (CDN), uma espécie de lista de intenções. Este rol de atitudes representaria algo no qual se comprometeriam políticos e empresários cobrados pela sociedade civil, que os apoiaria e ajudaria a fazer mudanças. Mundo ideal, aqui estamos nós.
Agora, vamos à realidade: apenas três nações apresentaram planos climáticos atualizados nove meses antes do início da cúpula de novembro em Glasgow (COP26), segundo o site Climate Home News: Ilhas Marshall, Suriname e Noruega fizeram o dever de casa, mas só eles.
Em vez disso, o mundo do “business as usual” continua. Recebi, por exemplo, mensagens de ambientalistas preocupados com a chegada ao Brasil de uma fábrica de celulose gigante, a Paper Excellence PE, da mesma família da Indonésia que é dona da Asia Pulp & Paper (APP). Segundo o site da Paper, ela produz 2,7 milhões de toneladas de papel e tem como missão “desafiar constantemente o limite e lutar incansavelmente pela vitória”. A empresa tem passivos. Já foi convidada a se retirar do Canadá porque lançava resíduos no lago Boat Harbour.
Flagrante de desmatamento na reserva Reserva Extrativista — Foto: TCE-MT/ Divulgação
Por mais que se queira acreditar que no Brasil tudo será diferente, é preciso olhar a situação com lente de aumento. A questão é a maneira como se produz a celulose, as queimadas que são necessárias para o plantio do eucalipto, a terra usada para este fim, que poderia estar expandindo produções de agroecologia, ou seja, alimentos sem necessidade do uso de agrotóxicos. Mas, sob o ponto de vista de quem quer ver o país mais “desenvolvido”, a chegada da indústria gigante, por mais que venha com riscos, será comemorada por conta dos empregos que ela distribuirá. E a economia vai aquecer.
Esta é uma questão que terá que ser abordada de forma consciente e clara por governos, empresas e cidadãos, sem ideologia, mas com uma visão real. É preciso fazer mudanças, e não para continuar tudo do jeito que está.
No mês passado, terminou também o prazo assumido por algumas das maiores empresas do mundo no Fórum de Bens de Consumo (The Consumer Goods Forum – CGF) em 2010, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Cancún. Lá, sob os holofotes da imprensa mundial e pressão da sociedade civil e científica, as companhias prometeram redobrar cuidados com fornecedores das commodities mais ligadas à destruição florestal: soja, gado, óleo de palma e papel e celulose.
Isto não aconteceu, segundo o relatório “Contagem Regressiva para a Extinção”, lançado em janeiro, que mostra que desde 2010, “a área plantada com soja no Brasil aumentou 45%; a produção de óleo de palma na Indonésia subiu 75% e a pegada ecológica de cacau da Costa do Marfim cresceu 80%.”. O pior ainda está por vir, acreditam os analistas da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) que se debruçaram para colher os dados do relatório: estima-se que, até 2050, o consumo global de proteína animal – bovina, aves, porcos, peixes, laticínios – (e, portanto, a produção) também deverá aumentar 76%; a produção de soja cerca de 45%, e a de óleo de palma aproximadamente 60%.
A pergunta feita pelo relatório, lançado pelo Greenpeace, é: o que falta acontecer?
Ontem, na noite de gala do cinema, a festa da entrega do Oscar, o ator Joaquin Phoenix fez um discurso apaixonado contra as injustiças do mundo e pontuou: “Estamos ficando desconectados do mundo natural. Temos o direito de inseminar artificialmente uma vaca e roubar seu bebê, mesmo que seus gritos de angústia sejam inconfundíveis. Depois, pegamos o leite dela destinado ao bezerro e o colocamos no café e nos cereais”, disse ele.
Phoenix foi muito aplaudido, muitos se emocionaram. Ali mesmo, na festa, havia outras celebridades sensíveis à causa ambiental, como Leonardo Di Caprio, que decidiu usar o dinheiro que ganha como ótimo ator que é para proteger e proporcionar bem-estar a todos os habitantes da Terra, criando para isto a Leonardo Di Caprio Foundation.
4 de janeiro - Uma imagem de satélite em cores mostra a fumaça de incêndios florestais queimando a leste de Obrost, na Austrália — Foto: 2020 Maxar Technologies/Distribuição via REUTERS
Sim, é bom que haja mais conscientização, é bom que mais pessoas influentes estejam irmanadas na causa. Mas isto também tem um outro lado: os cidadãos comuns que não conseguem influenciar nas decisões e são impactados pelos anúncios de tanta degradação e desastres já estão sentindo os efeitos. Reportagem no site do “The Guardian” de hoje fala em “aumento da ansiedade climática”.
“É impossível ignorar o impacto físico da crise climática, mas os especialistas estão ficando cada vez mais preocupados com outra consequência menos óbvia da escalada da emergência – a pressão sobre o bem-estar mental das pessoas, especialmente os jovens. Os psicólogos alertam para o fato de que o impacto pode causar paralisia num crescente número de pessoas sobrecarregadas pela realidade científica do colapso ecológico. Mais ainda para aqueles que passaram por eventos climáticos traumáticos”, diz o texto assinado por Mathew Taylor e Jessica Murray.
Toni Doherty resgata um coala de um incêndio na Austrália — Foto: Reprodução/TV Globo
Os jornalistas entrevistaram uma jovem de 20 anos, Cover Hogan, que morava numa área rural da Austrália, estava acostumada com os bichos que a cercavam, e viu, de repente, meio bilhão desses animais morrerem incinerados no fogo que se alastrou pelo país este ano. Por conta disso, levando em conta ainda que eventos climáticos extremos podem criar pobreza, agravando crises de depressão, abuso de álcool e drogas, mil psicólogos britânicos assinaram uma carta aberta à população (pode ser lida aqui em inglês).
“Uma ação urgente não apenas nos oferece a melhor chance possível de evitar um desastre ecológico, mas também apresenta uma oportunidade única e sem precedentes de abordar muitas das causas estruturais, culturais e sociais da desigualdade e do sofrimento. Acreditamos que um futuro mais saudável e harmonioso é possível, se agirmos coletivamente e sem demora”, diz a carta.
Assino embaixo.
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