Enem 2016 foi realizado nos meses de novembro e dezembro — Foto: Divulgação/Ari de Sá
O Ministério Público Federal (MPF) em Uberlândia (MG) entrou na Justiça neste mês como uma ação civil pública contra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela organização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2016.
O G1 procurou o Inep, que informou nesta quinta-feira (14) que cumprirá todas as determinações judiciais assim que forem julgadas. Na sexta, o Inep divulgou uma nota sobre o caso, afirmando que o perito não cumpriu os requisitos de segurança para ter acesso aos dados. Leia a nota na íntegra.
O procurador da República Leonardo Macedo afirmou, em entrevista ao G1 nesta quarta, que a ação solicita à Justiça Federal o acesso do MPF a dados sobre o desempenho dos candidatos das duas aplicações do Enem 2016. O objetivo é utilizar essas informações para a realização de um estudo técnico sobre a metodologia do exame, a Teoria de Resposta ao Item (TRI), para verificar se o número total de candidatos de cada aplicação afeta ou não o resultado dos estudantes.
Uma segunda ação denuncia diretoras do Inep por improbidade administrativa, pelo uso de recursos públicos para a viagem do pesquisador que faria esse estudo até Brasília, em setembro deste ano. O MPF diz que ele foi barrado pelo Inep.
Aplicações do Enem
Normalmente, o adiamento do Enem ocorre todos os anos, mas afeta apenas alguns milhares de estudantes, por motivos externos que impedem a aplicação do exame, como queda de energia no local de provas. Nesses casos, os candidatos ganham o direito de fazer uma nova aplicação do Enem, que é aplicada durante a semana para pessoas privadas de liberdade (por causa disso, essa aplicação é conhecida como Enem PPL). Em 2017, essa aplicação ocorreu nesta quarta e quinta-feira.
Em 2016, porém, a onda de ocupações estudantis em escolas públicas em 23 estados e no Distrito Federal fez o Ministério da Educação adiar a aplicação do Enem para mais de 270 mil candidatos, o que inviabilizaria uma segunda aplicação durante a semana. Por isso, o Enem 2016 teve três aplicações. Os exames regulares foram aplicado em dois momentos, em 5 e 6 de novembro e em 3 e 4 de dezembro. Na época, o Ministério da Educação (MEC) assegurou que haveria isonomia nas avaliações dos candidatos independentemente do momento em que fizessem as provas.
Apesar do grande número de candidatos afetados pelo adiamento, o total deles representou menos de 5% dos mais de 8 milhões de inscritos. Na primeira aplicação, pouco menos de 6 milhões de candidatos fizeram as provas, com uma abstenção de 30%. Já na segunda aplicação, do Enem adiado, a abstenção subiu para 40%.
O Enem 2016 teve uma aplicação extra devido às ocupações estudantis; na segunda aplicação, abstenção foi maior e número total de alunos que fizeram a prova foi menor — Foto: G1
Reclamação dos candidatos afetados
A investigação do MPF sobre o Enem 2016 teve início após a divulgação dos resultados das provas em janeiro de 2017. Na ocasião, estudantes de todo país procuraram o Ministério Público relatando inconformismo com as notas resultantes da primeira e da segunda aplicação do exame. Eles haviam feito a segunda aplicação da prova.
De acordo com o MPF, uma análise das notas dos candidatos que fizeram a reclamação mostrou grande diferença, quando os resultados eram comparados com os de candidatos da primeira aplicação. O procurador explicou que alunos que fizeram a primeira prova tiveram notas maiores. Ele alega que o motivo suspeito é a metodologia da TRI.
"Nessa TRI é considerado o número de candidatos. É necessário levar em conta as diferenças do percentual de 'treineiros' participantes de cada aplicação, na maior abstenção da segunda aplicação em relação à primeira e no tipo de candidato participante dos locais das provas da segunda aplicação", explicou o MPF na ação.
MPF pede dados para fazer perícia
Segundo o MPF, toda a questão já foi debatida com o Inep e MEC, que alegaram não haver prejuízos aos estudantes devido à metodologia usada na correção. Por isso, os órgãos envolvidos fizeram um acordo para que uma perícia com um especialista fosse realizada nos documentos e dados.
"O MPF identificou quatro experts no tema em todo o país, sendo que três deles tinham ligação com o Inep. Assim, o contratado foi um professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que elaborou um plano de trabalho, elencando os quesitos e a relação dos dados, informações e documentos que seriam necessários para a execução da perícia", explicou Macedo.
Ainda de acordo com o MPF, em 13 de setembro deste ano, o perito viajou à Brasília (DF) para fazer a análise dos materiais e, ao chegar à sede do instituto, teve negado o acesso ao material. Na época, o Inep alegou que o perito contratado é professor em dedicação exclusiva e não poderia ter acesso aos dados sigilosos.
Pedidos do MPF
Na ação impetrada em 7 de dezembro deste ano, o MPF pede em liminar que a Justiça determine que o Inep forneça o material para perícia. Além disso, a promotoria denuncia por improbidade administrativa a diretora de Avaliação de Educação Básica (Daeb) e a de Gestão e Planejamento por impedir o acesso aos dados e, assim, provocar o desperdício de recursos públicos, devido à viagem desnecessária do perito ao Distrito Federal.
A Justiça Federal ainda não se pronunciou sobre o caso.
Cronologia do caso
- 3 de outubro de 2016: Uma onda de ocupações estudantis em escolas e universidades começou no Paraná se espalhou pelo Brasil. Os estudantes protestavam contra uma série de medidas, principalmente a reforma do ensino médio e a PEC 241. O Enem 2016 estava marcado para os dias 5 e 6 de novembro, e parte dessas escolas ocupadas seriam usadas pelo governo federal como locais de provas.
- 19 de outubro de 2016: Um levantamento do MEC afirmou que ocupações em 181 escolas do Brasil comprometiam o Enem para 95 mil alunos.
- 27 de outubro de 2016: Um levantamento divulgado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) mostra que havia 1.154 ocupações em escolas, institutos e universidades estaduais, federais e municipais em pelo menos 21 estados e no Distrito Federal.
- 4 de novembro de 2016: Na véspera da primeira aplicação do Enem 2016, o MEC anunciou o adiamento do exame em 364 locais de prova. Segundo o governo, esses alunos fariam o exame nos dias 3 e 4 de dezembro.
- 5 e 6 de novembro de 2016: A primeira aplicação do Enem 2016 é realizada com abstenção de cerca de 30%. Cerca de 5,8 milhões de pessoas fizeram essas provas.
- 3 e 4 de dezembro de 2016: O Inep realiza a segunda aplicação do Enem. No tota, 277.657 pessoas estavam inscritas para essas provas (273.524 porque foram afetadas pelas ocupações e 4.133 porque, em seus locais de prova, houve algum imprevisto que impediu a aplicação do Enem). A abstenção dessa aplicação foi de cerca de 40%, o que quer dizer que o universo de estudantes que realizou estas provas foi de cerca de 166 mil.
- 18 de janeiro de 2017: O Inep divulga os resultados do Enem 2016. Porém, estudantes que fizeram a segunda aplicação reclamaram que não tinham tido acesso à nota. No dia seguinte, o Inep afirmou que um erro técnico fez com que o resultado de 20 mil candidatos ainda não tivesse sido inserido no sistema.
- janeiro de 2017: Procurado por diversos candidatos da segunda aplicação do Enem, que se sentiram prejudicados por notas que eles consideraram mais baixas que a de candidatos da primeira aplicação, o Ministério Público Federal começou a investigar a suspeita de que a discrepância no número total de estudantes fazendo cada versão da prova pudesse ter prejudicado o grupo menos numeroso. De acordo com a ação civil pública protocolada em dezembro, o MPF passou meses em contato com o Inep e o MEC para avaliar a denúncia. Segundo o MPF, o Inep considera que a isonomia do exame não foi ferida pela existência de duas aplicações do Enem em 2016.
- setembro de 2017: Ainda de acordo com o Ministério Público Federal, o Inep aceitou conceder a um especialista na metodologia da Teoria de Resposta ao Item o acesso aos dados sigilosos dos desempenhos dos estudantes para realizar uma perícia e verificar se de fato o número total de candidatos afetou o resultado deles no exame. A ação afirma, porém, que o perito viajou até Brasília para realizar a perícia, mas foi barrado pelo Inep.
- 7 dezembro de 2017: Sem conseguir acesso aos dados para realizar a perícia, o Ministério Público Federal ingressou na Justiça com uma ação civil pública para solicitar o acesso, e com outra ação, na qual denuncia diretoras do Inep por improbidade administrativa. O motivo da segunda ação é o desperdício de dinheiro público com a viagem realizada pelo perito até Brasília. Procurado pelo G1, o Inep não havia se pronunciado até a noite desta quinta-feira (14).
Outras ações
A aplicação do Enem 2016 em duas datas foi alvo de reclamação do MPF também no Ceará. Na época o órgão solicitou a suspensão e o cancelamento do exame, mas a Justiça Federal negou os pedidos e alegou que "apesar da diversidade de temas que inafastavelmente ocorrerá com a aplicação de provas de redação distintas, verifica-se que a garantia da isonomia decorre dos critérios de correção previamente estabelecidos", diz a decisão.