Executivos da Andrade Gutierrez declararam, em delação premiada, que a segunda maior empreiteira do país pagou propina pra conseguir obras da Petrobras e do sistema elétrico. E que esse dinheiro chegou à campanha da presidente Dilma Rousseff, na forma de doações legais. A informação foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmada pela TV Globo.
O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, já homologou as delações dos 11 executivos da construtora Andrade Gutierrez. Mas o ministro não divulgou os depoimentos.
Em troca de redução de pena, dirigentes e ex-dirigentes da empreiteira revelaram um esquema de corrupção envolvendo contratos públicos, partidos, políticos e campanhas eleitorais.
Segundo o jornal “Folha de S. Paulo”, a empreiteira afirmou ter financiado campanhas da presidente Dilma Rousseff com propina. A TV Globo confirmou que o empreiteiro deu essas informações na delação.
A reportagem mostra que executivos da empreiteira, a segunda maior do país, relataram doações às campanhas de Dilma de 2010 e 2014, usando propinas que vieram de obras superfaturadas da Petrobras e do sistema elétrico.
A informação está na delação do ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio de Azevedo, que apresentou os números em uma planilha à Procuradoria-Geral da República.
É a primeira vez que o esquema revelado pela Lava Jato, de financiamento de partidos por meio de contratos convertidos em doações legais, chega à campanha de 2014. Em 2014, a empreiteira registrou doações de R$ 20 milhões para a reeleição da petista.
A propina estaria ligada a obras das usinas de Angra 3 e Belo Monte, além do Complexo Petroquímico do Rio, o Comperj.
O jornal diz que Otávio Azevedo dividiu a composição das doações oficiais: tinha a parte dos compromissos com o governo por atuar nas obras, isto é, propina, e a parte republicana, a ação institucional em forma de doação.
O coordenador jurídico da campanha presidencial, Flávio Caetano, negou irregularidades. Afirmou que toda a arrecadação em 2014 foi feita de acordo com a lei e que jamais a campanha impôs exigências ou fixou valores para doadoras. E que a empresa fez doações legais e voluntárias para a campanha de 2014 em valores inferiores à quantia doada ao candidato adversário.
Disse também que em nenhum momento, nos diálogos mantidos com o tesoureiro da campanha sobre doações eleitorais, o representante da Andrade Gutierrez mencionou obras ou contratos com o Governo Federal. E lamentou o que chamou de “uso político da delação premiada por meio de vazamentos seletivos”.
A tabela apresentada aos procuradores, segundo a reportagem, também relaciona doações para as campanhas de 2010, tanto para o comitê presidencial quanto para o diretório do PT, que também recebeu dinheiro da mesma forma para a eleição municipal de 2012.
Segundo o jornal, o ex-executivo Flávio Barra também revelou a participação de um novo personagem: o ex-ministro Delfim Neto.
A reportagem afirma que a empreiteira pagou R$ 15 milhões de propina ao economista em 2010. Uma gratificação por ele ter ajudado a montar consórcios de empresas que disputaram a obra. O montante teria chegado a Delfim por meio de contratos fictícios de empresas de um sobrinho dele, Luiz Apolônio Neto, com a construtora.
O ex-ministro refutou de maneira veemente, por meio dos seus advogados, que tenha recebido recursos ilícitos das empresas que atuaram na construção de Belo Monte.
"O professor prestou serviço de fato e, como não é funcionário público, não há nenhum crime nisso”, declarou o advogado Ricardo Tosto.
Além do que foi publicado no jornal Folha de S. Paulo, a TV Globo obteve outras informações sobre a delação da Andrade Gutierrez e que também envolvem a campanha de reeleição de Dilma.
Otávio Azevedo, então presidente da Andrade Gutierrez, disse que foi procurado pelo ex-tesoureiro da campanha de Dilma e atual ministro da Comunicação, Edinho Silva, e por Giles Azevedo - um dos principais assessores da presidente.
Na conversa, Otávio disse que foi intimado a fazer uma doação milionária à campanha. Ele respondeu a Edinho que já tinha repassado dinheiro a João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que está preso na Lava Jato.
Edinho disse que o dinheiro não deveria ser repassado mais a Vaccari e sim para ele, Edinho.
Segundo a delação, o empreiteiro respondeu que não tinha como fazer a mesma doação de novo. Giles sugeriu que a construtora podia pagar só uma parte e essa foi a solução para o pagamento à campanha de 2014.
Além do dinheiro para a campanha presidencial, os executivos revelaram novos detalhes sobre outros repasses. Confessaram que, ao lado de mais nove construtoras, pagaram propina em troca do contrato de construção da usina de Belo Monte. E revelaram detalhes das negociações, em 2009, com o ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão, do PMDB.
Segundo delatores, Lobão afirmou que, por decisão de governo, era preciso criar dois grupos de empresas para dar aparência de competição ao leilão. Na prática, disfarçar um grande acerto que resultaria em pagamentos a partidos políticos.
As empresas se dividiram em dois grupos. A Odebrecht, que estava no primeiro grupo, desistiu. O governo então montou às pressas um novo consórcio de empresas.
A montagem desse grupo ficou a cargo da ex-ministra Erenice Guerra, do ex-diretor da Eletrobras Valter Cardeal, e do pecuarista e amigo do ex-presidente Lula, José Carlos Bumlai.
Bumlai fazia o contato com empresas que foram chamadas às pressas. Como o resultado da concorrência já estava combinado, às vésperas do leilão, em abril de 2010, os executivos da Andrade Gutierrez informaram o valor da tarifa que apresentariam. E disseram que receberam até parabéns de Valter Cardeal, que afirmou que essa seria a proposta vencedora.
Mas, o grupo improvisado por Bumlai ofereceu preço ligeiramente melhor e ganhou o leilão.
O então presidente da Andrade Gutierrez suspeitou que o governo tinha passado informações privilegiadas sobre a oferta da Andrade pro outro grupo. Segundo a delação, Otavio reclamou com Erenice Guerra, que garantiu que o grupo vencedor contrataria a Andrade pra fazer as obras de construção. E assim foi feito. O então presidente da construtora disse ter sido procurado pelo ex-ministro Antonio Palocci pra selar a garantia do contrato.
Segundo a delação, a Andrade Gutierrez deveria reunir empresas que pagassem 1% do valor da obra para o PT e pro PMDB – R$ 150 milhões: R$ 75 milhões para cada partido. Cada empresa colaborou com um percentual.
A propina foi paga por meio de doações eleitorais para os dois partidos em 2010 e 2014. No PT, o contato era o ex-tesoureiro João Vaccari Neto. No PMDB, Edison Lobão.
Mas também teve pagamento em dinheiro vivo. Segundo a delação, em 2011 Lobão pediu e recebeu R$ 600 mil, entregues a um de seus filhos e descontados da parcela do PMDB no esquema.
O ministro Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, negou irregularidades.
“Quero nessa oportunidade reafirmar a forma lícita, a forma transparente com que a campanha da presidenta Dilma arrecadou em 2014. Se de fato, o conteúdo divulgado pela imprensa existe, ele não tem lastro na verdade. Jamais eu participei de qualquer diálogo com o presidente da referida empresa onde tivesse sido mencionado a palavra propina ou onde tivesse sido mencionado relações com contratos ou obras do Governo Federal”, disse Edinho Silva, ministro-chefe da Sec. de Comunicação Social.
A oposição reagiu às revelações da Lava Jato.
“O presidente da Andrade Gutierrez, ao fazer a delação premiada, indica propinas para a campanha da presidente Dilma em 2010 e 2014 e para os seus aliados também. E em troca de que? De obras superfaturadas não só da Petrobras, também do setor elétrico, que por coincidência, a presidente da República foi ministra de Minas e Energia. Então onde você mexer você vai encontrar o rastro daqueles que buscavam dinheiro fácil da propina para beneficiar campanhas eleitorais, a começar da presidente Dilma Rousseff. Que nós estamos falando é de crimes da maior gravidade que a história do país nunca viu, nada igual”, afirmou o deputado Rubens Bueno (PPS-PR), líder do partido.
Em nota, o Partido dos Trabalhadores refutou o que chamou de ilações. O PT afirmou que todas as doações que recebeu foram realizadas estritamente dentro dos parâmetros legais e posteriormente declaradas à justiça eleitoral.
A assessoria do PMDB afirmou que o partido não recebeu nenhum tipo de doação irregular e que todas que recebeu foram declaradas à Justiça Eleitoral.
Durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, a presidente Dilma criticou o que chamou de vazamento seletivo de informações.
“Na trama golpista, eu gostaria de destacar, também, o uso de vazamentos seletivos. A nossa Constituição, que garante a privacidade, mas, sobretudo, a legislação vigente, proíbem vazamentos que hoje, na verdade, constituem vazamentos premeditados, vazamentos direcionados, com o claro objetivo de criar ambiente propício ao golpe. Vazar porque não é necessário provar, basta noticiar, basta acusar. Nós poderemos ter, nos próximos dias, muitos vazamentos oportunistas e seletivos. Eu determinei ao senhor ministro da Justiça a rigorosa apuração de responsabilidades por vazamento recentes, bem como tomar todas as medidas judiciais cabíveis. Passou de todos os limites a seleção muito clara de vazamentos em nosso país”, disse a presidente.
Em nota, o Partido dos Trabalhadores refutou o que chamou de ilações. O PT afirmou que todas as doações que recebeu foram realizadas estritamente dentro dos parâmetros legais e posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral.
A assessoria do PMDB afirmou que o partido não recebeu nenhum tipo de doação irregular e que todas que recebeu foram declaradas à Justiça Eleitoral.
A defesa de Edison Lobão declarou que o ex-ministro nega com veemência qualquer atuação para formar o consórcio vencedor de Belo Monte e que Lobão e o filho não receberam qualquer favorecimento.
A defesa do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto disse que os fatos não procedem, não têm comprovação e que se limitam à palavra de delator.
As construtoras Andrade Gutierrez, OAS, Odebrecht e Galvão Engenharia não quiseram se manifestar.
A Contern declarou que não teve qualquer relação com aspectos financeiros do consórcio responsável pela construção de Belo Monte.
A Serveng diz que desconhece os temas da delação, mas que tem como princípio atuar na legalidade.
A Camargo Corrêa declarou que colabora com as investigações por meio de um acordo de leniência em que assume responsabilidades e corrige irregularidades.
A Queiroz Galvão afirmou que todas as suas atividades e contratos seguem a legislação vigente.
A J Malucelli declarou que jamais participou de qualquer acerto com outras empresas e tampouco efetuou o pagamento de qualquer vantagem ilícita para participar do consórcio de Belo Monte.
Nós não conseguimos contato com a Cetenco.
O ex-ministro Antonio Palocci negou ter participado de qualquer negociação envolvendo a montagem do consórcio da obra de Belo Monte. E afirmou que é totalmente mentirosa qualquer insinuação de que teria solicitado contrapartida financeira para beneficiar partidos políticos.
Em nota à TV Globo, o coordenador jurídico da campanha de reeleição de Dilma, Flávio Caetano, disse que o empresário Otávio Azevedo requisitou uma reunião para tratar de doações e se locomoveu por livre e espontânea vontade para Brasília.
Segundo a nota, o empresário dialogou com os coordenadores da campanha, por intermédio de Giles Azevedo e Edinho Silva. Dessa forma, segundo a nota, fica explícito que a acusação de intimidação é mentirosa.
Ainda segundo a nota, na reunião, o empresário manifestou o desejo de fazer doações à campanha.
A defesa da ex-ministra Erenice Guerra afirmou que não vai se manifestar porque não teve acesso à delação.
A Votorantim declarou que foi uma das participantes do consórcio que disputou o leilão de Belo Monte, com uma proposta que considerava competitiva para o projeto, e acabou não sendo vitoriosa.
A Alcoa afirmou que não participou de consórcios formados preliminarmente para o leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte e nem, tão pouco, do leilão da referida usina.
A Vale declarou que participou de um dos grupos que disputaram o leilão de Belo Monte em abril de 2010. No entanto, segundo a Vale, o consórcio do qual participou não foi vencedor.
A defesa de José Carlos Bumlai afirma que ele foi procurado pelo senador Delcídio do Amaral, em nome do governo, para junto com o ex-ministro Delfim Neto, ajudar na criação de um segundo consórcio que pudesse competir com menor preço com aquele que existia, o que efetivamente ocorreu. Ele nega que tenha participado de esquema de pagamento de propina.
O PSDB declarou que é falsa a afirmação feita pelo governo de que o grupo Andrade Gutierrez teria feito, nas últimas eleições presidenciais, um volume maior de doações ao PSDB do que ao PT.