Brasil em Constituição

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Por Jornal Nacional


'Brasil em Constituição': como a lei maior do país está presente no nosso dia a dia, garantindo direitos e liberdades

'Brasil em Constituição': como a lei maior do país está presente no nosso dia a dia, garantindo direitos e liberdades

Durante um mês, cidadãos das mais diferentes origens, cores, classes sociais, profissões e religiões vão compartilhar suas histórias no Jornal Nacional para mostrar como a lei maior do país, escrita com a participação de toda a sociedade, está presente em nosso dia a dia, garantindo direitos e liberdades.

Na série “Brasil em Constituição”, você vai conhecer a história desse documento, desse contrato que as nações assinam para tornar possíveis, não só o convívio dos diferentes, mas o bem-estar de uma sociedade inteira.

A partir desta segunda-feira (29), o JN vai explorar trechos fundamentais da Constituição. Os artigos que asseguram direitos a todos os indivíduos - e instrumentos para que eles exijam o cumprimento desses direitos previstos na lei - e os artigos que são os pilares da nossa democracia.

Uma sociedade que vive em um regime onde as pessoas se respeitam - mesmo sendo diferentes - e em que os governantes também devem respeitar essas diferenças; uma sociedade construída com base em um acordo, um conjunto de regras: esse regime é a democracia, e este pacto se chama Constituição.

A Constituição brasileira, chamada de Constituição Cidadã, traça, logo na primeira parte, os objetivos fundamentais do Brasil, a razão de nossa existência como país. Eles estão enumerados no artigo 3º:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.

Esse pacto, firmado entre a sociedade e as instituições, constitui o principal alicerce da nossa democracia - o regime que garante respeito à vontade da maioria, mas também protege as minorias, garantindo voz à oposição e permitindo a alternância de poder.

A democracia é um sistema político com cerca de 2,5 mil anos, que evoluiu como base dos países mais avançados do mundo. E é graças à nossa Constituição, promulgada em 1988, que o Brasil vive seu mais longo e fértil período democrático.

"O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. Viva a Constituição de 1988! Vida a vida que ela vai defender e semear!", exaltou Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte.

"A minha mãe gostava muito de roseiras. Ela acordava uma hora a mais do que o horário que ela precisava começar com a atribulação da casa e dos sete filhos para cuidar dos canteiros dela. E era muito difícil, porque como é muito quente a região e com muito pouca água, ela ficava regando aqueles canteiros e cuidando dessas plantas até umas 6h, seis e pouco da manhã. E o papai dizia: ‘Não sei para que que você tanto cuida para essa roseira, Anésia, durar um dia. Você vai, poda e recomeça, para ter sempre flores nesse canteiro’. E ela dizia: ‘Porque um dia que eu fique sem tomar conta, no dia seguinte tem erva daninha. Mas eu gosto é da roseira. Eu gosto da beleza da roseira'. E eu tenho na lição da minha mãe que o canteiro onde eu resolvi trabalhar foi o do Direito. Eu gosto de democracia. Claro que tem erva daninha sempre, mas eu gosto é da democracia, da liberdade. Então, se eu tive uma mãe que pôde ter roseiras no norte de Minas esturricado, eu também posso ser cidadã de um país que tenha democracia permanente. Que exige, sim, trabalho. Democracia dá trabalho mesmo. Eu tenho uma convicção plena de que lutar pela democracia permanentemente é necessário, porque sempre haverá os candidatos a antidemocratas, totalitários, tiranos. Estão aí as guerras para demonstrar. Mas isso não significa que eles vão vencer. A minha mãe as ervas daninhas não venceram”, lembra a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal.

O Bosque da Constituinte, em Brasília, tem 600 árvores que representam a flora brasileira e os 559 constituintes que plantaram a nova lei maior do país.

“Acho que é a mesma coisa que nós fizemos com esse texto constitucional, sabe? Botar uma semente, regar, ter esperança, ter fé e acreditar que ela vai germinar, vai crescer e vai ser frondosa”, disse Ana Maria Rattes, deputada constituinte, na época do plantio.

É hoje uma árvore frondosa a que Ulysses Guimarães plantou um dia antes da promulgação da Constituição, na primavera de 1988. O bosque cresceu e deu frutos; a Constituição brasileira também. Já são 34 anos, o mais longo período da história em que o Brasil vive uma democracia plena, com participação e votos de todos.

“Na Constituinte de 87/88 houve várias formas de participação popular. Havia as sugestões individuais, que foram recolhidas pelo Senado Federal através de cartas que eram colocadas no correio, havia foros dos partidos políticos, dos movimentos sociais, que fizeram chamadas públicas: 'A Constituinte vai se instalar. Venham construir o nosso programa. Qual o Brasil que você quer?''", relembra a defensora pública Lívia Casseres.

“A gente naturaliza algumas coisas quando elas ficam funcionando, por assim dizer, como pano de fundo. Muitas vezes a gente perde a dimensão da sua importância. Então, é importante refrescar e reforçar e salientar esse sedimento, esse alicerce da nossa democracia, que é a Constituição de 1988”, afirma o professor de Direito Constitucional da USP Virgílio Afonso da Silva.

E é para lembrar a importância desse documento que o Jornal Nacional inicia essa jornada de reportagens. Durante um mês, vamos detalhar duas histórias que se unem no tempo formando uma dupla tão perfeita quanto a semente e a terra.

“A Constituição e a democracia no Brasil formam uma parelha temática indissolúvel e indissociável. Ela é a lei das leis, a Constituição, e a democracia, o princípio dos princípios. Ela é a Bíblia jurídica e a democracia é o credo político, é o credo que se deve rezar por essa Bíblia”, diz Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.

“A nossa Constituição foi elaborada de forma extremamente democrática; talvez tenha sido uma das mais democráticas de todos os tempos. Nós elaboramos, a sociedade brasileira elaborou, uma das constituições mais avançadas do mundo, sobretudo no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Ela é um paradigma internacional nesse aspecto”, afirma o ministro do STF Ricardo Lewandowski.

“O que a Constituição de 88 não tolera é a existência de movimentos políticos que visem a erodir a própria democracia, que está assegurada pelo texto constitucional. A Constituição de 88 não tem espaço para movimentos antidemocráticos que visem a desconstituir as bases que ela própria instituiu em 5 de outubro de 1988”, explica o professor de Direito Administrativo da Uerj Gustavo Binenbojm.

"Liberdade, realmente, não é uma dádiva que cai do céu. Ela depende enormemente do desejo das pessoas e da capacidade de elas conquistarem essa liberdade. O fato de nos termos caminhado para uma democracia foi também um processo de amadurecimento, de luta dentro da sociedade brasileira, para que nos chegássemos a esse nível de liberdade que nós obtivemos”, ressalta o jornalista Fernando Gabeira.

Na história da humanidade a democracia veio primeiro, tem raízes na Grécia Antiga. Em grego, demos - povo; kratos - poder: o poder do povo.

Assim como a democracia, o teatro de arena é uma herança grega, mas a cena democrática foi sendo enriquecida ao longo da história. Cada luta por liberdade ao redor do mundo foi acrescentando conquistas que permanecem até hoje. No mundo contemporâneo, a ideia de democracia é blindada por um escudo: um conjunto de regras bem definidas, uma grande conquista política da humanidade.

Uma Constituição escrita democraticamente organiza, divide e separa os poderes; evita as ditaduras e garante os direitos fundamentais. Respeita as maiorias, protege as minorias e assegura, pelo voto, a rotatividade do poder. Democracia e Constituição são alma e corpo de uma sociedade livre. E pensar que toda essa história começou com um dos mais simples gestos humanos: levantar a mão para votar a favor ou contra.

Votar, cobrar, participar: é assim que as palavras da Constituição saem do papel e ganham vida todos os dias.

“O fato de estar na Constituição não significa que, com a varinha de condão, tudo vira um paraíso. A Constituição é o princípio e, a partir daí, há todo um dever de casa a ser feito pelo Estado - Poder Legislativo, Executivo, nós, juízes -, e também pela sociedade como um todo. A Constituição só é viva se os seus destinatários nela acreditarem e por ela brigarem. E brigar não é no sentido apenas político, é do dia a dia mesmo, de exigir que aquilo que está previsto no texto constitucional tenha impacto na realidade de cada um”, aponta o ministro do STJ Herman Benjamin.

“O que é imprescindível em uma democracia e em um país é que as pessoas tenham um patrimônio comum de valores que as agregue. E, portanto, você diverge nas franjas dos seus entendimentos, mas você compartilha ideias comuns, de que você é igual a mim, de que você tem liberdade de expressão tal como eu. O jogo tem que ser limpo - quem ganhar leva. Quem ganha não pode mudar as regras do jogo para se perpetuar no poder”, explica o ministro do STF Luís Roberto Barroso.

“O jogo deixa de ter regras e passa a estar sob o império da força - do mais esperto, do mais forte - e isso é exatamente a antítese do que deveria ser a democracia. Por isso, uma Constituição é tão importante. Que ela exista, que ela seja vivificada, posta em prática pelas instituições e que, de alguma forma, ela conquiste o coração e as mentes dos cidadãos. A Constituição é a lei fundamental de uma nação, é o documento jurídico básico, no qual se definem as regras de funcionamento dos poderes políticos, onde se estabelecem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e se fixam também algumas diretrizes da vida econômica e social de um país”, destaca Gustavo Bineboim.

“Persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios”, discursou Ulysses Guimarães na Promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

No dia da promulgação, o presidente da Constituinte batizou a nova carta. Desde então, o nome "Constituição Cidadã" é quase inseparável do próprio documento. Mas ela também é chamada por um nome menos conhecido, também criado por Ulysses Guimarães: a Constituição Coragem. Esse é o título de um documento raro, um prefácio escrito pelo próprio Ulysses, que só foi incluído na primeira tiragem de 25 mil exemplares da Constituição, impressos pela gráfica do Senado. E esse prefácio perdido termina com um recado para o futuro:

"É a Constituição Coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei. A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça".

E foi com essa esperança que, segundo a Constituição, o Brasil voltou às urnas depois de 29 anos sem que o povo escolhesse um presidente. Em 15 de novembro de 1989, nossa democracia renasceu junto com o sol, em Tóquio.

“O que eu resolvi fazer era ir antes do trabalho na Embaixada do Brasil para votar. Então, eu fui com a Teresa, minha esposa, e a minha filha que tinha 3 meses e que nasceu em Tóquio. E acabei sendo, interessantemente, a primeira pessoa a votar”, relembra o empresário Carlos Guimarães.

Sabe aqueles dias tão marcantes que fazem a gente se lembrar de cada momento? Carlos se lembra do que fez, do que viu e do que sentiu enquanto depositava o voto na urna. “Eu me lembro da esperança, eu me lembro do entusiasmo, eu me lembro. Acho que meus olhos brilharam esse dia”, conta.

No dia, Carlos deu entrevista ao Jornal Nacional. Eram 8h do dia 15 em Tóquio - 21h do dia 14 no horário de Brasília - quando os primeiros votos foram depositados na urna. "Interessante, porque à essa altura do campeonato, os candidatos devem estar extremamente nervosos no Brasil. E nós, pelo fuso horário, como você falou, somos os primeiros a votarem no mundo”, disse o empresário.

“A nossa família - tanto minha como de minha esposa - conheceu a neta via Jornal Nacional. Ela tinha 3 meses na época e ninguém conhecia”, conta Carlos.

O bebê que foi à votação na embaixada no colo da mãe, hoje já é mãe: Ana Teresa tem 33 anos, a idade da nossa democracia, e carrega no colo Isabel, de 6 meses de idade. A família mora hoje nos Estados Unidos, mas nesses anos todos, nunca deixou de votar em uma eleição brasileira. Com fé na Constituição e no voto, Carlos segue disposto a puxar a fila.

“Eu acredito que a Constituição tem que ser algo respeitado. Ela é a base, é o documento central de uma democracia. Eu acredito na importância de que sua voz seja ouvida e seja ouvida de uma forma pacífica, construtiva, que haja uma aceitação de outras vozes”, diz.

O vovô vai continuar ensinando em casa o valor da democracia. Os brasileiros que vamos conhecer de perto durante as próximas semanas compartilham essa convicção. Contando as próprias histórias, eles vão mostrar que, graças a esse documento, nos últimos 34 anos, o Brasil mudou.

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