JN 50 anos: as mudanças no mercado de trabalho do Brasil
O cenário que nós estamos revisitando surgiu no Jornal Nacional em 1989, e foi um dos mais marcantes em 50 anos de história. Para celebrar essas cinco décadas de telejornalismo, nós pesquisamos, nos arquivos do JN, reportagens sobre temas que são essenciais para qualquer país. E que, por isso mesmo, estiveram sempre muito presentes no nosso noticiário. Nós montamos um mosaico de trechos dessas reportagens, com sons e imagens originais da época em que foram exibidas, para ter uma ideia dos desafios que o país enfrentou em 50 anos. Os que o país conseguiu vencer e os que ainda precisam de solução.
O tema reservado para esta quinta-feira (5) é o trabalho. De 1969 a 2019, os nossos repórteres registraram todas as transformações desse setor. As profissões mudaram, ocupações morreram para dar lugar a novas, a tecnologia interferiu profundamente em todo esse processo. E, num período em que o Brasil sofre tanto com o desemprego, esse mergulho nos arquivos do JN mostra com clareza como a economia vive ciclos, em que o pleno emprego dá lugar a períodos de taxas de desocupação muito grande. Um olhar ao longo de 50 anos de história permite ver que esses períodos podem ser longos. E que a recuperação é sempre possível, quando a sociedade acerta o passo com o futuro.
É o que você está convidado a ver a partir de agora.
O brasileiro não tem medo do batente. Acorda cedo, trabalha muito, aprende rápido. O trabalho fica longe, paga pouco. E o brasileiro vai. Mas o que garante o seu emprego?
1985: A automação industrial se intensificou no Brasil a partir de 1982.
1996: As empresas oferecem produtos e serviços melhores, a custos mais baixos, em benefício dos consumidores. Em compensação, o mercado de trabalho no Brasil vive em regime de sobressalto.
OS CICLOS ECONÔMICOS: O DESEMPREGO E O PLENO EMPREGO
2016: As máquinas estão intactas. Os trabalhadores treinados estão lá fora, querendo trabalhar. O que faltou para pôr todos estes fatores juntos, funcionando, produzindo, criando as riquezas que o Brasil tanto precisa?
1985: Hoje, desde a madrugada, centenas de desempregados vieram na esperança de conseguir uma vaga. “A distância não importa, o que importa é o cacau, a verba e o rango”, contou um desempregado.
Até onde vai o esforço para conseguir um emprego?
2003: “Você está desempregada há quanto tempo?”, perguntou o repórter.
“Já tem dois anos”, respondeu uma desempregada.
“Sabe, na situação que a gente está não pode ficar parado”, disse outro homem desempregado.
2011: O desemprego no Brasil é o mais baixo desde 2002, quando o IBGE adotou a forma atual de calcular a taxa.
2011: As obras que surgem em todo país são como um termômetro do crescimento econômico. Os salários pagos fazem girar dinheiro, e o resultado é mais carteira assinada Brasil afora.
2015: Em 2014, o desemprego nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE ficou em 4,8%.
2019: Desemprego (abril a junho: 12%)
“Uma vai ser minha, se Deus quiser”, disse uma desempregada na fila do emprego.
“Se eu não conseguir aqui, essa semana eu consigo emprego. Eu tenho fé em Deus que eu consigo”, desabafou outra trabalhadora desempregada.
“Tem que sair confiante, porque não adianta sair ‘não, não vai ser eu, eu não vou conseguir’. Aí não adianta. Você tem que ir na fé de conseguir”, explicou uma senhora desempregada.
E quem conquista sai das estatísticas de desemprego com muita celebração.
“Profissão?”, perguntou o repórter.
“Auxiliar de limpeza, com todo orgulho”, respondeu uma senhora que acabou de conseguir trabalho.
2017: Enquanto o mercado formal não se recupera, o desempregado corre para o mercado informal. Gente que está tendo que se virar para arrumar um jeito de colocar comida na mesa.
2019: De cada quatro brasileiros empregados, um trabalha por conta própria (24,1 milhões): o maior registro, desde o início da pesquisa, em 2012.
“Antes eu era pedreiro”, disse um trabalhador informal.
“Empreiteiro de obras”, contou outro.
1983: Esses homens, por exemplo, vendedores ambulantes que estão trabalhando na porta dessa fábrica, um dia já foram metalúrgicos.
“Guarda-chuva, banana, laranja. O que acha praça”, contou um ambulante.
“É a única forma que o senhor encontrou para sobreviver?”, perguntou a repórter.
“É o jeito que tem”, respondeu.
2015: Não precisa nem mudar de calçada. Não existe um número oficial até porque esse é um negócio que não tem nada de oficial. “Aqui embaixo tem uma, aqui na esquina tem outra, de outro lado da rua tem outro”, apontou um morador.
O TRABALHADOR DOMÉSTICO
1988: Repórter: Você tem décimo terceiro?
Empregada doméstica: Não.
Repórter: Você tem férias?
Empregada doméstica: Também não.
Repórter: Quantas horas por dia você trabalha?
Empregada doméstica: Eu durmo no serviço.
1988: A Constituição aumentou os direitos de toda empregada doméstica, mas poucas sabem disso. Entre os direitos estavam carteira assinada, 13º e férias.
2015: O Congresso aprovou a regulamentação da lei dos empregados domésticos. Foram dois anos de espera, mas agora já está tudo certo para começarem a valer direitos novos, como FGTS, e multa por demissão sem justa causa. “É direito de todos os trabalhadores, por igual”, defendeu uma empregada doméstica.
1999: O Jornal Nacional apresenta o retrato de um atentado contra a infância de muitos brasileiros.
Crianças trabalhando feito homens, carregando fardos que chegavam a pesar 130 quilos, conferidos na balança. Cleidivânia trabalha nas plantações de fumo em Arapiraca. “O que eles ‘fizer’ para mim já serve um pouco”, contou um morador.
1996: No Rio e em São Paulo acontece o contrário: a maioria desses pequenos trabalhadores não está na lavoura, mas em atividades no espaço urbano.
2004: Muitos viram com alguma desconfiança a criação do programa de erradicação do trabalho infantil e, oito anos depois, o Brasil testemunha como uma ação social pode dar resultados surpreendentes.
A máquina de bater o sisal já foi um dos símbolos do trabalho infantil na Bahia. Hoje a situação é bem menos dramática. Só na região do sisal, cerca de 20 mil crianças trocaram a roça pela sala de aula.
O programa de erradicação do trabalho infantil teve início em 1996.
“Criança trabalhando não pode”, disse um menino.
2017: O Brasil assumiu o compromisso de erradicar o trabalho infantil até 2025.
1986: O salário mínimo brasileiro faz hoje 50 anos. Ele foi criado para garantir a alimentação, a casa, as roupas, a higiene e o transporte dos trabalhadores. Em 1938, o governo brasileiro definiu, em lei, a quantidade mínima de alimentos que um trabalhador deveria consumir por mês.
1997: Com o salário mínimo de 1959, dá para encher dois carrinhos de supermercado, com o mínimo de hoje, o trabalhador só compra isso aqui. Aqui estão todos os alimentos e artigos de higiene e limpeza consumidos por uma família de quatro pessoas durante um mês. É a cesta básica, calculada pelo Dieese em R$ 115 reais. Para quem ganha o mínimo, restam R$ 5 para as outras despesas.
2003: O governo anunciou o novo valor do salário mínimo que entra em vigor amanhã: R$ 240.
2006: R$ 350 a partir de maio.
2010: O valor do salário mínimo para 2010 ficou em 505,90 no projeto do orçamento encaminhado hoje ao Senado.
Em 2016, 44,5 milhões de brasileiros receberam, em média, R$ 747 por mês, menos que o salário mínimo. Enquanto isso, as 889 mil pessoas mais bem remuneradas do país receberam, em média, R$ 27 mil por mês.
A APOSENTADORIA
1991: Por causa do dinheiro curto da pensão, para milhares desses velhos trabalhadores brasileiros, aposentar-se jamais significou descansar.
2016: Para que o sistema de aposentadoria funcione, é preciso ter a forma de uma pirâmide. Muitos jovens na base, que trabalham e pagam a Previdência. E um número menor de pessoas no topo, que recebem a aposentadoria.
Expectativa de vida em 2019:
Homens: 73 anos.
Mulheres: 80 anos.
1999: Temos menos filhos, vivemos muito mais. Isso é uma boa notícia, mas não para a Previdência.
2016: Isso faz o topo ficar mais largo. E a tendência é que essa proporção aumente. E é fácil concluir o que acontece com a pirâmide de cabeça para baixo.
1981: O Palácio do Planalto divulgou que o déficit da Previdência tem duas causas: os benefícios de inativos e os altos custos da assistência médica.
1998: O rombo nas contas da Previdência este ano deve chegar a R$ 5 bilhões.
2018: No ano passado, foi o maior da história. Quase R$ 270 bilhões.
As mudanças eram necessárias. Para evitar que, como as empresas que quebram, a Previdência virasse escombros.
1998: O governo conseguiu aprovar a regra que define a aposentadoria para quem já está trabalhando.
2003: As novas regras de aposentadoria no serviço público começam a valer assim que a reforma da Previdência for promulgada.
2015: Com essa nova fórmula, os trabalhadores podem escapar dos efeitos do fator previdenciário, aquela equação criada em 1999 para reduzir os benefícios de quem queria se aposentar mais cedo.
2019: Foi aprovada a reforma da Previdência, o texto-base, por 379 votos a favor, 131 contrários.
A QUALIFICAÇÃO
1998: Para encarar esse desafio, não basta apostar só no crescimento da economia.
2004: “Trinta anos atrás, a educação era praticamente nenhuma, nenhuma formação era necessária, se buscava a força física. Hoje, se busca mais a forma intelectual do trabalhador”, explicou o diretor industrial Sidney Basso.
“Nós teremos pouco emprego industrial. Toda a nossa atividade econômica vai ser muito mais na área do lazer, da cultura, da saúde, da educação, da informação”, avaliou o professor de Economia da USP Hélio Zylberstajn.
O economista diz que chega uma hora em que a economia só consegue crescer se as pessoas ficarem mais produtivas.
2014: Ser produtivo é fazer o dia render, é produzir mais no mesmo tempo. Um trabalhador americano produz, num dia, o que o brasileiro leva quase seis para fazer.
2015: Para resolver esse problema, algumas empresas adotaram uma estratégia: elas vão ao mercado, pegam os profissionais e melhoram a formação deles. “Eu tenho o desafio de atrair e depois de reter. Eu tenho que dar projeção de carreira para ele dentro do meu negócio”, explicou um empresário. No trabalho, quem tem estudo, treinamento, produz mais.
A MULHER NO TRABALHO
1980:“Mesmo que ela produza, trabalhe, trabalhe e trabalhe, ela nunca chega a ser valorizada, sabe? ”, lamentou uma trabalhadora.
1989: Dos documentos normalmente exigidos para a admissão de empregado, a dona Luísa apresentou todos. Mesmo assim, ela não passou no teste, porque a empresa fez outra exigência: que ela apresentasse um atestado médico comprovando que havia feito uma operação para ligação das trompas.
2007: No lugar do trabalho, a mulher não deixa de ser mãe. Esse direito nasceu aos poucos.
“A partir do momento que eles deram chance para a gente, a gente segurou com todas as forças e chegamos lá”, contou uma trabalhadora.
2019: A proporção de mulheres como chefes de família triplicou em uma década (45%).
Apesar dos avanços dos últimos anos, ainda há um longo caminho a percorrer.
2019: No geral, as mulheres entre 25 e 49 anos ganham 20,5% menos que os homens. A renda média deles é de R$ 2.579. A delas, de R$ 2.050
“Mais mulheres como eu, que estejam em posições de chefia e que consigam cada vez mais levar para o seu trabalho, para o ambiente de trabalho, como a vida pode ser mais leve, como a vida pode ser mais feminina, por que não dizer?”, disse uma trabalhadora.
AS LEIS TRABALHISTAS
1997: Como aumentar a oferta de emprego? A saída encontrada nos Estados Unidos e na Europa tem sido a mesma: reduzir as exigências para a contratação de pessoal.
1996: A modernização não está só nas fábricas, ela já bate ponto em todos os setores produtivos. Por isso, a ordem do dia é modernizar também a legislação do trabalho.
2017: O projeto de mudanças nas leis trabalhistas é aprovado na Câmara e entra em debate no Senado.
A iniciativa da reforma surgiu com uma visão: a de que o Brasil mudou muito nas últimas décadas. Sem falar das coisas novas que estão por vir com as transformações radicais impulsionadas pela informática.
“Os direitos dos trabalhadores estão na constituição e eles não são alterados. Agora, o uso desses direitos poderá ser alterado pela negociação”, garantiu o professor de Economia da USP Hélio Zylberstajn.
Um exemplo: restaurantes que têm mais movimento no fim de semana e precisam de trabalhadores extras.
“Vai recolher o fundo de garantia deles, vai recolher a Previdência, vai recolher todos os direitos deles em proporção àquilo que eles ganharem”, explicou José Pastore, professor de Relações do Trabalho da USP.
O AGRONEGÓCIO
Fazenda virou empresa.
2019: Um novo recorde histórico na safra de grãos que o Brasil está colhendo agora.
2006: Foi a revolução do agronegócio, que, pela primeira vez em 500 anos, iniciou de fato a interiorização do desenvolvimento no Brasil.
Terra xucra ninguém queria. Cerrado só servia para fazer poeira.
1981: Eles chegam improvisando casas com barraca de lona, trazendo tratores e máquinas que até então não eram vistos por aqui. “Para tentar fazer o futuro aqui para cima, tentar a sorte aqui para cima, para ver se melhora”, disse um trabalhador
1984: “Eu vim do Rio Grande do Sul”, contou um imigrante.
“Santa Catarina”, disse outra imigrante.
“Bahia”, disse outro imigrante.
“Vizinha não dá soja, não dá arroz, não dá nada. E nós fomos e conseguimos”, contou uma trabalhadora.
2006: Além da soja, gado, milho e muito, muito algodão.
1987: A cor cinzenta da caatinga é o resultado da falta de chuva e de uma temperatura que chega a 40º C. Essa família saiu de Conceição do Piancó na Paraíba. O destino é Cabrobó, no alto sertão pernambucano. Já tem mais de um mês de viagem e esse tempo inteiro andando pela estrada.
2006: Trinta anos atrás, o nordestino do Vale do São Francisco vivia rezando para chuva não falhar, que era muito comum até no inverno.
William Bonner: Zé, boa noite. O que foi que mudou, Zé?
José Raimundo: Boa noite, Bonner. O que mudou foi o destino dos investimentos. Muito dinheiro foi canalizado para irrigação.
Abacaxi na Paraíba. Caju no Ceará. Melão no Rio Grande no Norte. A irrigação mudou a vida de milhares de sertanejos.
“Era só sofrimento, não lucrava nada. Plantava, perdia com a seca”, contou um sertanejo.
“Está sempre vindo uma novidade, uma máquina diferente. E quem não tem estudo, hoje em dia vai ficar difícil”, disse outro trabalhador.
O investimento em tecnologia pode até reduzir o emprego na colheita, mas está abrindo novas frentes de trabalho.
A TECNOLOGIA E O EMPREGO
1997: Cada vez que a tecnologia avança, ela inventa novos serviços que exigem novos equipamentos e gente especializada. Tudo isso cria emprego.
2019: A pessoa que me atende não está na portaria do prédio. Ela fica numa central, em que cada operador cuida de três prédios. Quando os edifícios da rua começaram a contratar esse serviço, Fernando viu que precisava mudar de profissão. As vagas de porteiro estavam minguando.
“Você pensa em tudo, na família, no desemprego. E aí a gente entrou nesse novo mercado”, contou Fernando José, supervisor operacional.
Algumas profissões perderam espaço e surgiram outras.
“Eu sou designer de aplicativo”, disse um trabalhador jovem.
“Eu sou desenvolvedor mobile”, contou outro.
2014: O pessoal de pasta e camisa está aqui para botar dinheiro nas ideias dessa turma que usa um uniforme mais “relax”.
2019: Falta gente para trabalhar nas startups. Essas empresas onde quase tudo acontece no computador usam espaços compartilhados e estão crescendo bastante. Só no ano passado, surgiram três novos centros de inovação tecnológica em Florianópolis.
“Esses centros de inovação viraram verdadeiras máquinas de desenvolver empresas e empregos”, explicou Daniel Leipnitz, da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia.
ECONOMIA COMPARTILHADA
2015: Você abriria a porta da sua casa para um estranho? Deixaria essa pessoa que você nunca viu na vida dormir na sua cama? Entregar o carro não vai ser problema, né? Mas tem muita gente ganhando muito dinheiro assim.
O planeta inteiro já está totalmente acessível pelo smartphone.
2018: O celular apontou um novo caminho quando o Mário foi mandado para a rua depois de sete anos na empresa em que ele trabalhava. Há dois meses, ele, que é técnico em informática, virou motorista de aplicativo.
NOVAS FORMAS DE FAZER NEGÓCIO
2018: São apenas seis metros quadrados, mas para Patrícia, basta. O negócio só existe nas redes sociais, por onde ela se comunica com a clientela. “Meninas, chegou mercadoria nova”, avisa a comerciante.
2018: Esse ponto comercial é também um ponto fora da curva. É o .com, o comércio eletrônico que tem gerado emprego e renda por onde passa.
Aquela banana nem imaginava, mas seria escolhida por fotografia. Na loja física, está o Wesley, contratado pelo aplicativo há quatro meses para ir às compras pelos clientes. Ele nem sabia que dava para receber salário por isso. Passou um ano desempregado. O Felipe está faturando o dobro do que ganhava como pizzaiolo para levar as vendas do comércio eletrônico.
Ter medo do futuro é normal, principalmente quando tudo está mudando. Mas hoje, o mercado pede um profissional ágil e empolgado, que tome iniciativa e tenha espírito empreendedor. Um retrato falado do trabalhador brasileiro.