O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, apresentou nesta segunda-feira (5) a defesa da presidente Dilma na comissão de impeachment. Cardozo levou um documento de 200 páginas e falou por duas horas.
Cardozo começou dizendo o que na avaliação dele é crime de responsabilidade. E o que pode desencadear um processo de impeachment.
"O impeachment, portanto, no presidencialismo é uma situação de absoluta excepcionalidade institucional, justamente por forças das garantias que marcam esse sistema de governo. Portanto, no presidencialismo jamais se poderá falar que qualquer governo possa ser afastado por uma mera decisão política, por uma situação episódica de impopularidade, por algum tipo de situação natural do mundo da política, que não seja absolutamente extraordinária e de gravidade afrontosa aos princípios basilares do sistema. Portanto, um crime de responsabilidade exige que o ato praticado pelo presidente da república seja por ele diretamente praticado. Que seja um ato doloso, que seja um atentado à Constituição, uma violência, excepcional, capaz de abalar os alicerces do estado. Exige a tipificação legal. Portanto, todo um conjunto de ingredientes necessários para configuração de um processo de impeachment. Fora destes pressupostos, qualquer processo de impeachment é inconstitucional, é ilegal".
O advogado-geral da União defendeu que sem um crime imputável ao presidente, impeachment é golpe.
“Se não houver um atentado contra a Constituição Federal, se não houver ato imputável ao presidente, se não for uma ação dolosa, se ela não for tipificada, a tentativa de impeachment é golpe de estado sim. O que é um golpe? Golpe é a ruptura da constitucionalidade. Golpe é o rompimento da Constituição. Golpe é a negação do estado de direito. Não importa se ele é feito por armas, não importa se ele é feito com canhões ou com baionetas caladas. Se ele é feito com um simples rasgar de uma Constituição, se é feito sem base fática, ele é golpe".
Cardozo defendeu que a comissão só pode analisar fatos relativos ao ano de 2015.
"Os seis decretos e as chamadas impropriamente 'pedaladas fiscais' só podem ser consideradas por essa comissão no âmbito de 2015 porque a Constituição não permite, e a Constituição Federal é clara: o presidente da República no âmbito de seu mandato não pode ser responsabilizado por atos estranhos aos exercícios de suas funções. E a decisão do presidente da Câmara fez um claro corte. São só esses dois fatos. Quaisquer outros fatos que não sejam esses dois não podem ser discutidos nessa comissão de impeachment. Podem ser debatidos onde vossas excelências queiram, e não há processo de impeachment que possa ultrapassar os limites da sua denúncia. A defesa se recusa a discutir qualquer fato que não tenham a ver com as circunstâncias ensejadas nas denúncias".
Para Cardozo, o processo de impeachment é fruto de um ato de vingança do presidente da Câmara.
"A decisão do presidente Eduardo Cunha não visou, na abertura desse impeachment, o cumprimento da Constituição. Não era sua intenção, não foi esta objetivamente a sua finalidade. Os fatos ficaram claros, os fatos foram evidenciados. Sua excelência, o presidente Eduardo Cunha usou da sua competência para fazer uma vingança e uma retaliação à chefe do Executivo, porque está se recusara a garantir no Conselho de Ética, ao qual ele estava submetido, os votos que o seu partido poderia lhe dar para que ele não pudesse ser processado naquele momento.
Sobre os decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso, Cardozo disse que são crimes de responsabilidade. “Quando um outro Poder pede, quando técnicos atestam do outro poder que isso deve ser feito. Quando técnicos do Executivo também atestam que isso é factível. Onde está o dolo? Onde está a má fé? Se crime de responsabilidade como visto pela Constituição e pela lei exige dolo, esse simples fato descaracteriza abertamente a ocorrência desse delito".
A respeito das chamadas pedaladas fiscais, o argumento da defesa é que elas não atentam à Constituição. “Foram procedimentos adotados por vários governos, foram procedimentos adotados por muitos anos, procedimentos acolhidos pelos tribunais de contas do Brasil inteiro. Subitamente muda-se de posição e se quer aplicar uma sanção retroativa, que atentado à Constituição há? Que má fé há? Que ofensa ao princípio básico que autorize uma medida de violência como o impeachment existe?".
Repercussão
A defesa da presidente Dilma, apresentada pelo advogado geral da União, foi elogiada pela bancada do governo, como era de se esperar. Mas recebeu muitas críticas da oposição.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) rebateu a acusação feita pelo advogado-geral da União de que o processo contra Dilma Rousseff foi um ato de vingança dele contra ela.
“Ele que ele busca obviamente tentar polarizar comigo para tentar evitar discussão do que ele tem que defender. Ele tem que defender é o processo, o conteúdo que lá está para tentar mostrar se os fatos são ou não são verdadeiros”.
O argumento de que o pedido de impeachment seria golpe também foi questionado. “O que existe são os fatos que correspondem exatamente à punibilidade do autor das pedaladas fiscais com o afastamento do cargo de presidente da República. Então, não tem nenhum momento de golpe, até porque o rito está sendo feito orquestrado inclusive conforme foi determinado pelo STF”, diz o deputado Danilo Forte (PSB-CE).
A performance de José Eduardo Cardozo foi elogiada por deputados do PT. Eles acreditam que a defesa apresentada pode conter votos a favor do afastamento da presidente Dilma.
“Percebo que cresce o número de parlamentares que não querem o impeachment, percebem que esta ruptura da Constituição brasileira deixaria sequelas profundas no país”, fala o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
A oposição pensa exatamente o contrário que a defesa foi contraditória e não muda o mapa de votação. “São menos votos favoráveis que o governo está indicando que tem”, fala o deputado Mendonça Filho (DEM-PE).
Para o relator, Jovair Arantes (PTB-GO), não importa o que o ministro disse, mas o que ele botou no papel. Se defesa trouxe provas concretas de que não houve crime de responsabilidade por parte da presidente. “O que interessa para mim como relator é o que foi protocolado, escrito e entregue na comissão”.
Jovair Arantes vai apresentar o relatório dele amanhã. O presidente da comissão especial, deputado Rogério Rosso, vai dar um prazo para que os parlamentares estudem o documento.
Já a bancada do PT vai decidir se a melhor estratégia é iniciar uma briga judicial contra o processo agora ou nos próximos dias. O partido quer convencer que o pedido de impeachment contra a presidente é nulo juridicamente.
“Há elementos consistentes, veementes, claros de nulidade desse processo desde o seu início. E também em decorrência da atuação da própria mesa condutora da comissão do impeachment. Prazo de defesa desrespeitado, intimações que deveriam ter sido feitas e não foram. Cerceamento ao direito de defesa”, fala Waddih Damous (PT-RJ).
A oposição diz que a Câmara está seguindo o rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal e que um recurso com esse argumento não tem chance de ir para frente.
“Está querendo buscar algo que não existe. É buscar pelo em casca de ovo”, afirma o líder do partido, deputado Rubens Bueno (PPS/PR).