SUL E SERRANA

Por Viviane Lopes, g1 ES


Floresta Nacional de Pacotuba, em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo — Foto: Reprodução/TV Gazeta

Uma pesquisa inédita no Brasil revelou que as mudanças climáticas, especialmente períodos de seca prolongados, podem diminuir a diversidade e a quantidade de árvores na Mata Atlântica.

O estudo, feito por pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), analisou sementes acumuladas no solo da Floresta Nacional de Pacotuba (Flona), em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo.

Após seis meses, foi possível perceber que, se continuarem expostas em condições de seca severa, as sementes não vão conseguir se regenerar, o que traria uma queda acentuada no crescimento e abundância de diversas espécies em até 70% para as próximas décadas.

O impacto seria tão grande que até mesmo o tamanho da folha, produção da raiz e a massa seca das árvores ficariam extremamente fragilizadas, diminuindo as chances de resistência das árvores a tantas mudanças.

O estudo foi publicado na revista científica Global Change Biology no final de agosto deste ano.

Estudo inédito no Brasil analisou banco de sementes da Floresta Nacional de Pacotuba, em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo — Foto: Patrícia Borges Dias

A líder do estudo e pesquisadora da Ufes, Patrícia Borges Dias, explicou que a ideia da pesquisa surgiu a partir da urgência em analisar o atual estado dos bancos de sementes das florestas.

"O banco de sementes do solo é um dos principais mecanismos que garantem a perpetuidade das florestas, mas como ele se comportará nos cenários projetados para o clima futuro ainda é pouco explorado em florestas tropicais estacionais, que são florestas tropicais secas, com estações bem definidas no ano, uma estação chuvosa e outra seca. Então, buscamos avaliar a emergência, atributos ecológicos e características funcionais do banco de sementes do solo em uma floresta estacional na Mata Atlântica", destacou a pesquisadora.

A partir disso, a Floresta Nacional de Pacotuba foi escolhida não só por ser uma floresta tropical estacional, mas também por ter alta diversidade de espécies e espécies ameaças de extinção. Mas o funcionamento desse tipo de floresta também ajudou a prever cenários mais pessimistas, segundo a pesquisadora.

"Pelo fato de as florestas estacionais já estarem sob alto estresse ambiente, devido aos recursos hídricos limitados em algumas épocas do ano e, portanto, um ambiente mais seco que o normal, pode leva-las para mais próximo de seu limite climático", pontuou.

Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV) monitorara plantas durantes seis meses em diferentes tipos de condições climáticas — Foto: Patrícia Borges Dias

Teste em diferentes possibilidades

Para poder entender melhor o efeito das mudanças de temperatura e chuva, vários cenários climáticos diferentes foram testados com as sementes coletadas na floresta em Cachoeiro. Dentre eles, foi testado a situação atual em que as árvores estão expostas e cenários futuros.

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Ao todo, 48 amostras de solo foram colocadas em variações de temperatura e níveis de água no Laboratório de Meteorologia e Ecofisiologia da Ufes.

Ao todo, 48 amostras de solo foram coletadas na Floresta Nacional de Pacotuba, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo — Foto: Patrícia Borges Dias

O cenário mais pessimista reproduzia as condições de seca severa, com base na projeção da alteração climática para o período de 2.081 a 2.100. Para isso, foi considerado um planeta com alta emissão de gás carbônico e um aumento de 4,2ºC na temperatura média.

Em agosto de 2024, a temperatura média global nos últimos 12 meses (setembro de 2023 - agosto de 2024) foi a mais alta já registrada, 0,76°C acima da média de 1991-2020 e 1,64°C acima da média pré-industrial de 1850-1900.

Mas, segundo um dos autores do estudo e pesquisador do Inma, João Paulo Fernandes Zorzanelli, mesmo com situações menos acentuadas, as mudas já enfrentariam dificuldades para sobreviver.

"O aumento da temperatura, combinado com a restrição prolongada de água, pode comprometer a resiliência das florestas estacionais, diminuindo drasticamente a viabilidade das sementes, a sobrevivência das plantas e prejudicará ainda a adição de novas plantas na dinâmica florestal. Muitas sementes perderão viabilidade ou mesmo virão a morrer, assim como as mudas que se estabelecem após a germinação. A diversidade de espécies de plantas e quantidade delas também serão reduzidas. Os processos germinativos que são inteiramente dependentes de água serão bastante afetados", apontou.

À esquerda, cenário atual nas florestas, à direita, cenário futuro analisado na pesquisa feita por estudiosos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) — Foto: Patrícia Borges Dias

Os resultados indicaram que, sob condições de seca prolongada, a riqueza de espécies caiu em até 70%. Além disso, atributos ecológicos, como o tamanho da folha, produção de raiz e massa seca total diminuíram significativamente.

As espécies que conseguiram sobreviver nas condições testadas mostraram baixa capacidade de adaptação, com aumento da mortalidade e queda na diversidade de espécies dominantes.

Para além da Mata Atlântica

Patrícia afirmou que embora o estudo tenha analisado as consequências na Mata Atlântica, não é apenas esse bioma que vai sofrer os impactos das mudanças climáticas, além de atingir a fauna local.

"Já se tem evidências dos impactos das mudanças climáticas na diversidade para outros tipos vegetacionais. Com a redução de espécies, as florestas como um todo serão impactadas. As plantas são a base de muitos ecossistemas, fornecendo alimento e abrigo para diversas espécies animais. Com isso, pode ocorrer: perda de habitat; alteração na cadeia alimentar; diminuição e/ou escassez de alimento. Além disso, as plantas ajudam a regular o microclima de uma região. A redução da vegetação pode alterar a temperatura e a umidade, afetando as condições de vida de muitas espécies. A perda de vegetação pode levar à fragmentação de populações, tornando mais difícil para os animais se moverem, reproduzirem e encontrarem alimentos", disse.

Câmera termográfica verifica a temperatura de um indivíduo analisado durante a pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) — Foto: Patrícia Borges Dias

Plantas exóticas também seriam extremamente afetadas e não conseguiriam resistir. E, de acordo com a pesquisadora líder do estudo, Patrícia Borges Dias, a falta delas afetaria a biodiversidade nativa da Mata Atlântica.

“A redução de espécies nativas pode abrir espaço para espécies invasoras, que muitas vezes não têm predadores naturais e podem prejudicar ainda mais a fauna local. É urgente o monitoramento das espécies exóticas, pois elas podem comprometer a dinâmica natural das florestas, substituindo espécies nativas. Sem uma mudança significativa nas práticas atuais, o futuro das florestas da Mata Atlântica está em risco”, alertou a pesquisadora.

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