Moradora do município de Santa Isabel, na Grande São Paulo, Marielle Camargo dos Santos, de 16 anos, é medalhista de olimpíadas estudantis. Filha única de uma aposentada e um comerciante, a garota ganhou ouro na Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) das mãos da presidente Dilma Rousseff, em 2010. Também tem no histórico bronze em competições de informática e astronomia. Tanto destaque rendeu uma bolsa de estudo no colégio Etapa, em São Paulo, onde cursa o 2º ano do ensino médio. De segunda a sexta-feira acorda às 3h30 para chegar ao colégio, e aos domingos dá aulas em um projeto chamado de Olímpicos de Santa Isabel (OSI).
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Foi no OSI que Marielle teve treinamento específico para as olimpíadas e encontrou inspiração para estudar e mudar os planos de vida. O cursinho foi criado por uma dupla de irmãos, Marco Antonio e Álvaro Pedroso, na época com 16 e 13 anos, que resolveu montar o projeto depois de ganhar medalhas em 2005. O objetivo foi o de apresentar este universo a alunos talentosos da rede pública de Santa Isabel, uma cidade a 60 quilômetros de São Paulo, que nem sonhavam com as grandes oportunidades que poderiam ter. Marco Antonio hoje está no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e Álvaro cursa engenharia na Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, que no último vestibular foi o curso mais concorrido da Fuvest. Quem toca o projeto é a mãe deles, a arquiteta Teresinha Lopes Pereira Penteado Pedroso.
“Eu via os meninos e pensava: nunca vou chegar onde eles chegaram”, conta Marielle, que estreou nas competições estudantis sem sucesso quando estava no 8º ano. O primeiro prêmio, a medalha de ouro, veio no ano seguinte. “O OSI mudou minha vida, porque com ele é possível pensar em novos horizontes. Sempre falo para os meus alunos, se não foi impossível para mim, não é para eles. Antes de entrar no OSI, o aluno pensava em estudar na Etec [que fica em Santa Isabel], agora pensa em ir para São Paulo. Antes focava uma universidade federal, agora pensa por que não estudar fora do país?”
Inspiração em Tábata
Outra fonte de inspiração para Marielle é a paulistana Tábata de Amaral Pontes, de 18 anos, que veio da rede pública de ensino, mora na periferia de São Paulo, e foi aceita em seis universidades de ponta dos Estados Unidos. Escolheu Harvard. Tábata ajudou na criação de um outro cursinho para crianças e adolescentes de baixa renda, o Vontade Olímpica de Aprender (VOA), uma espécie de filial do OSI, de Santa Isabel.
“No primeiro dia de aulas, uma aluna minha levantou a mão e perguntou: professora, posso entrar em Harvard também? Eu disse: sim, você pode. Todos podem, é só se esforçar um pouco”, afirma Tábata, que em agosto começa a cursar astrofísica em Harvard.
O VOA foi ideia do estudante Henrique Vaz, de 16 anos, que mora em São Paulo e cursa o 2º ano do ensino médio, no Etapa. Ele disputa olimpíadas desde a 5ª série e participa do treinamento oferecido pelo colégio. “Percebi que é muito importante ir além das coisas que oferecem pra gente. Muita gente não tinha essa oportunidade e pensei: ‘como posso fazer para levar isso para as outras pessoas?”, diz Henrique, que também dá aulas no cursinho que funciona na escola estadual Maestro Fabiano Lozano, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo.
medalhistas (Foto: Vanessa Fajardo/G1)
Henrique foi até Santa Isabel conhecer o OSI, na época com 14 anos, convidado pelos amigos Marco Antonio e Álvaro. Se apaixonou pela proposta e tentou convencer a mãe, a advogada Soiane Vaz, a deixá-lo a sair de São Paulo de ônibus e ir para Santa Isabel todos os domingos para dar aulas. A mãe recusou, mas em contrapartida ajudou a criar VOA e atualmente é coordenadora do projeto.
Ambos os cursinhos foram fundados por estudantes do ensino médio medalhistas de olimpíadas com pouco ou quase nenhum recurso. As aulas de matemática, astronomia, informática e outras disciplinas ocorrem aos fins de semana em escolas da rede pública cedidas pelo governo do Estado. Todos os professores são voluntários e desenvolvem exercícios que são cobrados nestas competições.
No OSI é necessário fazer uma prova para conseguir vaga que pode ser perdida após três faltas consecutivas sem justificativa. O projeto conta com cerca de 180 alunos de Santa Isabel e cidades da região. No VOA não há seleção. Hoje são atendidos por volta de 120 estudantes de sete escolas da rede estadual de São Paulo, que ficam na região da Vila Mariana.
Isabel (Foto: Vanessa Fajardo/ G1)
Bons exemplos
A estudante Ana Paula de Oliveira Faria, de 13 anos, é um dos bons exemplos gerados pelo OSI. Aluna do 9º ano, a garota já possui oito medalhas em olimpíadas diferentes e um certificado que lhe garante ter escrito a melhor redação de Santa Isabel. Ela estuda no colégio Anglo de Santa Isabel, como bolsista, mas sonha mesmo em conquistar uma vaga em uma escola de São Paulo. “Entrei no OSI em 2009, gosto de vir porque o instinto de competição cresce e você sai do mundinho de Santa Isabel. Depois que você pega a primeira premiação, quer mais, e passa a encarar a escola como algo bem mais fácil.”
No VOA há alunos com o mesmo espírito, como Vanessa Bezerra do Nascimento, de 12 anos, que diz acreditar que as aulas extras, aos domingos, vão ajudá-la no futuro. “A vida está cheia de oportunidades, como o VOA, que mostra que vale a pena estudar. As olimpíadas são uma boa influência porque dá para ver onde é necessário aprender mais. Na escola me julgam por ser inteligente, aqui me sinto igual.”
Lucas Nascimento Batista Santos, de 11 anos, tem aulas no VOA há dois anos. “Aprendo várias coisas, mais do que na escola. Aqui uso mais o raciocínio.” A mãe, Meire, de 39 anos, o acompanha todos os domingos e o espera do lado de fora. Demoram quase uma hora e meia para chegar até a escola, na Vila Mariana. “Ele é muito estudioso e responsável, e o projeto é maravilhoso. Como não tive oportunidade [estudou só até a 5ª série], quero ele tenha. Farei tudo por ele”, afirma.
João Pedro Pereira dos Santos, de 15 anos, diz que frequenta as aulas do VOA por acreditar que ele vai ajudar a alcançar seus objetivos: ganhar uma olimpíada internacional e cursar uma boa universidade. “VOA ensina além da escola e foi feito para quem quer alcançar esses objetivos. As aulas são gostosas, aprendemos e nos divertirmos.”
no OSI (Foto: Vanessa Fajardo/G1)
Tablet para incentivar participação
Em Santa Isabel, quando um aluno do OSI é premiado, Teresinha corre pelas escolas particulares da cidade pedindo bolsa de estudo para o novo campeão. Ela estima que desde a criação, os alunos tenham ganhado umas 300 premiações em diversas competições.
“Um dia falando com o Marco pelo skype [que mora nos Estados Unidos] ele me disse: ‘mãe, não me faça desistir do meu sonho de estudar no MIT porque se você não estiver levando o projeto a sério eu volto para o Brasil [antes de se formar]”, conta Teresinha, emocionada.
No dia em que a reportagem do G1 visitou a escola estadual Gabriela Freire Lobo, onde ocorrem as aulas, em 20 de maio, Teresinha entrou em todas as salas com uma trupe de alunos carregada por medalhas para incentivar os demais estudantes a participar da Obmep, cuja primeira fase ocorre em 5 de junho.
“Avisem nas escolas de vocês, participem. Quem ganhar medalha, vai levar um tablet de presente. Olhem aqui como já temos alunos premiados”, apontava. Segundo ela, os tablets serão doados por empresários parceiros do OSI.
Paloma Clementino Nascimento, de 17 anos, cursa o 3º ano do ensino médio no Objetivo como bolsista, em São Paulo, e é uma das professoras do OSI. Ela conheceu o projeto em um evento em Santa Isabel e desde que estava na 7ª série frequenta as aulas. “O OSI reanima a cidade que não tem grandes oportunidades de emprego, faculdades. Não é porque você não mora em uma grande cidade, que não vai ter uma chance. Nossa ideia é incentivá-los a conhecer o que tem além de Santa Isabel”, afirma Paloma que já conquistou três medalhas na Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA).
Os integrantes do VOA ainda não têm um histórico brilhante de premiações em olimpíadas. Os professores estimam que tenham sido pelo menos 20 desde que o projeto foi criado há três anos. Henrique lembra que o foco principal do VOA não são as medalhas, e sim, mostrar novas perspectivas de vida aos estudantes. "Queremos acrescentar algo na vida da pessoa", diz. Tanto que entre os planos para o futuro do projeto, está a organização de uma feira de profissões para esclarecer dúvidas sobre as carreiras.