O governo federal e os estados têm desafios que vão além da missão de reequilibrar as contas públicas em meio à maior recessão da história do país. Para que o Brasil volte a crescer e aumente sua competitividade, é essencial destravar nós na área de infraestrutura.
No final de maio, um relatório divulgado pelo Instituto Internacional de Desenvolvimento de Gestão (IMD, na sigla em inglês) em parceria com a Fundação Dom Cabral, mostrou que o Brasil caiu no ranking mundial de competitividade pelo sexto ano seguido e agora ocupa a 57ª posição em uma lista com 61 países.
O G1 ouviu especialistas sobre os entraves logísticos do país e o que devem ser as prioridades do governo para investimentos em aeroportos, rodovias, portos e ferrovias.
As concessões, segundo esses especialistas, continuam sendo uma das saídas para a realização de investimentos no atual cenário de recessão da economia e baixa arrecadação, que vem encarecendo o crédito e reduzindo a capacidade do governo de financiar obras de grande porte.
Programa Crescer
O presidente em exercício, Michel Temer, pretende lançar em breve o programa Crescer – nome simplificado a ser dado ao Programa de Parcerias e Investimentos (PPI).
A previsão é que esse pacote inclua parte dos projetos anunciados pelo governo da presidente afastada Dilma Rousseff, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa de Investimento em Logística (PIL).
Além das dificuldades específicas de cada área, o governo tem também que restabelecer a confiança dos investidores, ainda mais ressabiados em aplicar recursos no país devido à instabilidade gerada pelas crises econômica e política.
Outro complicador é a situação das principais empreiteiras e construtoras brasileiras, envolvidas nas denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato.
Confira a opinião dos especialistas sobre investimentos prioritários:
Aeroportos
O governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, previa para o segundo semestre deste ano a realização do leilão dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis. Agora, a equipe de Temer afirmou que o leilão está mantido, mas que não tem data para ocorrer.
Esses quatro aeroportos estão entre os que o coordenador no núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, considera prioritários para receber investimentos em ampliação e melhorias.
Resende aponta ainda a necessidade de conceder os aeroportos de Recife (PE) e Navegantes (SC). Segundo o especialista, são terminais que têm alta demanda e boa condição operacional.
Outros dois aeroportos que Resende aponta como prioritários são Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, dois dos mais movimentados do país. Nesses casos, no entanto, ele aponta problemas de natureza política.
“Historicamente, os governos dos estados não quiseram entregá-los para a iniciativa privada, com medo de perder força. Esses dois aeroportos precisam de uma restruturação muito grande, que pode incluir até a retirada de rotas deles. Isso significa certa perda de poder”, apontou.
O professor e especialista em transporte aéreo Jorge Leal Medeiros, da Universidade de São Paulo (USP), também se diz favorável à operação de aeroportos pela iniciativa privada.
Ele aponta, porém, que o governo também precisa incluir aeroportos de médio porte, e não apenas aqueles de capitais, no seu programa de concessões.
“É importante a concessão de aeroportos menores. Mas o governo não deve colocar restrições demasiadas aos operadores”, disse.
Para Medeiros, o foco deve estar em poucos aeroportos, não num programa como o anunciado pelo governo Dilma em 2013, que previa melhorias em 270 terminais de médio e pequeno porte e não saiu do papel.
Resende e Medeiros elogiaram a decisão do governo de retirar, no leilão dos quatro aeroportos, a exigência de que a Infraero tenha participação nas concessões.
O professor da USP defendeu ainda que o governo venda a participação de 49% que a estatal tem em aeroportos leiloados em anos anteriores, como o de Guarulhos e o de Brasília.
Segundo estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a realização de 200 projetos para ampliar aeroportos, melhorar pistas de pouso e decolagem e construção de terminais pedem investimentos de R$ 24 bilhões.
O professor de Engenharia da Produção Elton Fernandes, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), avalia que o Brasil “tem feito opções ruins no transporte aéreo” e cita, como exemplo, a concentração de investimentos em aeroportos como o de Guarulhos, em São Paulo, o mais movimentado do país, concedido à iniciativa privada em 2012.
Segundo Fernandes, em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Recife, em que os aeroportos estão envolvidos por casas e prédios, é preciso investir na construção de novos terminais, não em melhorias dos antigos.
“Os investimentos [nesses aeroportos] estão adiando os problemas, criando sensação de conforto. Não definem uma malha mais produtiva para o país”, disse.
Fernandes aponta que o Brasil tem dimensões continentais e, por isso, precisa investir em aviação regional. De acordo com ele, porém, ao invés de aumento, o país tem visto uma redução no número de aeroportos que contam com voos regulares.
O professor se diz favorável às concessões de aeroportos, mas afirma que o modelo atual adotado pelo governo federal está “no caminho errado”. Ele critica especialmente a política para cobrança de outorgas – valor pago pelo grupo que vence o leilão pelo direito de explorar o aeroporto.
“O governo está fazendo isso [concessão de aeroportos] para melhorar seu problema de caixa. Está escolhendo para colocar em leilão aqueles aeroportos de maior valor para conseguir outorgas, e não visando a evolução da malha brasileira de transporte aéreo.”
Rodovia vicinal em Itararé, São Paulo (Foto: Reprodução/ TV TEM)
Rodovias
O professor Paulo Cezar Ribeiro, do Coppe/UFRJ, avalia que a prioridade deve ser a manutenção da atual malha rodoviária.
“Temos que manter o sistema rodoviário como ele está, pelo menos. Não deixar deteriorar. Não podemos deixar chegar ao ponto de elas ficarem num estado ruim”, disse.
Ele avalia que as concessões de rodovias no país têm sido “uma alternativa viável” para a melhoria da infraestrutura. Por isso, disse ser importante que o governo continue a fazer estudos para encontrar novos trechos em que a concessão trará benefício aos usuários (com preço de pedágio razoável) e atraiam interesse de investidores.
O professor da FGV Wankes Leandro mencionou como um problema da área rodoviária a situação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Ligado ao Ministério dos Transportes, o Dnit é responsável por obras de duplicação e recuperação de rodovias pelo país e é alvo de críticas por suspeitas de corrupção e ineficiência.
“O DNIT suspendeu contratos, tem só 800 engenheiros para acompanhar obras em todo o país [...] Está quebrado”, disse Leandro.
Em abril, os diretores do órgão aprovaram a paralisação total ou parcial de 61 contratos de construção em 31 rodovias pelo país por falta de orçamento.
Para avançar nas concessões rodoviárias, Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, aponta que o governo terá que liberar a cobrança de tarifas de pedágios mais altas, para compensar a diminuição da capacidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de financiar os projetos.
“Sem o BNDES, a coisa complica demais”, avaliou.
Recentemente, o presidente em exercício, Michel Temer, anunciou um plano para melhorar as contas do governo. Entre as medidas está a devolução, pelo BNDES, de R$ 100 bilhões ao Tesouro, medida que reduz a quantidade de recursos disponíveis para empréstimos.
Resende aponta que o governo deve priorizar, em suas ações, as rodovias com maior tráfego de veículos. Ele destacou trechos no Sul e Sudeste, como parte da BR-101 na Região Sul, a BR-470, em Santa Catarina, a BR-472 no Paraná e em Santa Catarina. Ele também mencionou a BR-381, em Minas Gerais.
As rodovias brasileiras são responsáveis, atualmente, por 61% dos deslocamentos do transporte de cargas e 96% do transporte de passageiros, segundo a CNT.
Apesar de ser o modal mais utilizado, as rodovias brasileiras ainda têm má qualidade, pequena extensão de pistas duplas, além de uma baixa integração com os outros modais de transporte.
A CNT aponta a necessidade de investimentos de R$ 293 bilhões para solucionar esses problemas, considerando obras de duplicação, recuperação, construção e pavimentação de estradas.
Ferrovias
O professor Telmo Porto, da Universidade de São Paulo (USP), defende o investimento em ferrovias no Brasil, tanto no transporte de cargas como de passageiros, por vantagens como a alta capacidade, economia de tempo, além de redução de acidentes e de poluição.
Para ele, são duas as prioridades na área ferroviária no Brasil: discutir a renovação das concessões existentes; e concluir a construção da Ferrovias Norte-Sul, que vai ligar o Porto de Pecém, no Ceará, ao Porto de Suape, em Pernambuco, e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), na Bahia.
Ele também defende a continuidade do programa de concessões, mas prevendo o leilão de trechos menores que aqueles previstos no Programa de Investimento em Logística (PIL), lançado pelo governo Dilma.
“Foram criados [no PIL] lotes muito grandes e, num país onde o financiamento é caro, isso cria problemas”, disse Porto, que também defendeu que o governo apresente estudos mais claros, para dar mais segurança aos investidores.
Para o professor Orlando Fontes Lima Júnior, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o setor ferroviário é um dos mais importantes a serem atacados para solucionar os problemas logísticos do país.
Para ele, nessa área o governo deve se concentrar, antes de tudo, em reunir esforços para a conclusão das obras já em andamento, como a da Ferrovia Norte-Sul, que começou nos anos 1980.
“A Norte-Sul é essencial. Temos que concluir as coisas para depois abrir novos processos. Isso vai permitir uma melhoria na infraestrutura de maneira rápida”, disse.
De acordo com a professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tânia Bacelar, as concessões são uma boa opção para alavancar investimentos no setor logístico devido aos déficits orçamentários vividos pela administração pública que dificultam o financiamento público de projetos.
Ela cita como exemplo a Fiol, que será financiada, construída e operada por uma empresa chinesa.
O também professor da UFPE Écio Faria acredita que a conclusão da Transnordestina beneficiaria não só o escoamento de minérios, mas também seria fundamental para setores de produção do interior do Nordeste, como as indústrias de gesso do sertão da Paraíba.
Tanto ele quanto a colega Tânia Bacelar apontam, porém, a necessidade de investimentos no transporte fluvial, como na hidrovia do rio São Francisco.
O consultor e professor da FGV Wankes Leandro defende o leilão de ferrovias pelo modelo chamado de “open access” (acesso aberto).
Nesse modelo, uma empresa é a gestora dos trilhos, que podem ser usados por qualquer transportadora de cargas mediante o pagamento de uma taxa.
Nas ferrovias que estão hoje sob concessão no país vigora um monopólio. Ou seja, apenas uma empresa - a concessionária - transporta carga por elas.
Wankes Leandro argumentou que o modelo aberto é mais competitivo, mas não deve ser aceito pelas empresas que atualmente operam as ferrovias no país e que tem monopólio dos trilhos.
“É mais interessante por conta da competitividade. Qualquer investidor poderá, por exemplo, comprar o trecho ou a capacidade. Do lado do governo, isso resultará em redução do custo”, defendeu.
Para duplicar, recuperar e construir ferrovias, a CNT estima a necessidade de R$ 281 bilhões em investimentos em 213 projetos.
Portos
Para o professor Renaud Barbosa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ebape), uma das prioridades no setor é melhorar o acesso ao porto de Santos (SP), o maior do país, por meio da conclusão de um ferroanel em São Paulo.
O transporte de cargas até Santos é prejudicado atualmente porque os trens têm que cruzar a capital paulista pelos mesmos trilhos usados no transporte de passageiros.
O ferroanel passaria por fora da cidade e, segundo o professor, além de permitir que mais trens cheguem ao porto, vai reduzir o tráfego de caminhões.
Ele também aponta que deveriam ser feitos investimentos na criação de portos alternativos ao de Santos, por meio do “fortalecimento” de terminais como Itaguaí, no Rio, e Suape, em Pernambuco.
“O Brasil vai continuar sendo grande exportador de grãos e minérios. Por isso é importante melhorar o acesso da produção a outros portos”, disse Barbosa.
Para o gerente-executivo de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Wagner Cardoso, a prioridade deve ser o governo completar o processo de definição da área de atuação dos portos públicos, chamada de poligonais.
Esse processo é importante porque vai dar a investidores segurança para construir portos privados sem o risco de avançar sobre a área de atuação dos públicos.
“Ninguém vai começar investimento, licenciamento ambiental, sem isso”, aponta ele. O governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, vinha incentivando a construção de portos privados.
Outra urgência, na visão de Cardoso, é a privatização das companhias Docas, que administram portos públicos no país.
“O governo está titubeante nisso [privatização], mas não tem jeito. Os terminais [que movimentam as cargas] hoje funcionam bem dentro dos portos públicos, mas o síndico do prédio está muito ruim”, afirmou.
De acordo com ele, as companhias Docas são atingidas por indicações políticas, que atrapalham a administração dos terminais portuários
De acordo com a CNT, no transporte aquaviário os entraves vão desde a carência de terminais fluviais até a insuficiência de acessos terrestres até eles. Para solucionar esses problemas, são necessários R$ 121 bilhões em investimentos em 368 projetos.
Wankes Leandro, da FGV, avalia que o processo de licitação de terminais de movimentação de cargas em portos públicos “está andando, mas devagar”. Ele aponta a demora do Tribunal de Contas da União (TCU) para aprovar estudos como o principal gargalo.
Para Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, o governo deve prestar atenção a portos novos no Norte do país com potencial de escoar a produção do agronegócio.
“Neste momento, o governo não deveria mexer com portos com muita exploração e muita complexidade de movimentos, como Santos e Rio de Janeiro. São portos complicados.”
Os novos portos, segundo ele, apresentam menos risco aos investidores. “Concessão, neste momento, é mais gestão de risco do que qualquer outra coisa. Precisa de muito pé no chão”, disse.